Com a descoberta, pesquisadores poderão trabalhar em melhoramentos genéticos para tornarem o café arábica mais resistente a pragas e a condições climáticas adversas, além de aumentarem seu valor agregado. “Agora, com um conhecimento genético mais detalhado da planta, poderemos analisar quais genes estão relacionados com cada uma de suas características, como acidez, aroma e sabor, e fazer alterações gênicas para obtermos um produto de maior qualidade”, aponta João Meidanis, professor do Instituto de Computação (IC) da Unicamp, pesquisador em bioinformática e um dos autores do estudo.
Quebra-cabeça
Sequenciar o genoma de uma espécie consiste em decodificar a sequência de bases nitrogenadas que compõem uma molécula inteira de DNA – adeninas, timinas, citosinas e guaninas. Ao “traduzir” uma sequência, os pesquisadores conseguem analisar quais trechos podem ser responsáveis por uma determinada característica do portador dessa carga genética. Como são muito extensos, os sequenciamentos são divididos por trechos e depois montados, como em um quebra-cabeça. As tecnologias da bioinformática evoluíram —, a contar do início desse tipo de pesquisa, ainda nos anos 1980 —, e tornou-se possível decodificar quantidades cada vez maiores de genes e montar sequências mais longas e complexas.
“No entanto, a montagem da sequência não é tudo. Talvez antes esse fosse o passo principal de uma pesquisa, mas hoje não é mais”, afirma Meidanis. “Há uma série de outras etapas realizadas pela bioinformática que também são relevantes, como a análise estatística das características encontradas e a comparação dos genomas, entre outras.”
O docente afirma que outro fato complicador envolvido nos sequenciamentos são as repetições de genes que podem aparecer ao longo da sequência. Segundo Meidanis, o aumento da capacidade de sequenciamento reduz os riscos de confusões para os cientistas. “Conforme as novas tecnologias dão conta de decodificar sequências cada vez maiores, mais fácil se torna o processo, porque o problema da repetição é resolvido.”
No caso da pesquisa, o objetivo foi sequenciar amostras de café arábica e comparar seu DNA com o de amostras de C. canephora e de C. eugenioides, verificando o que há de comum entre elas. A técnica também permite mapear os caminhos genéticos trilhados pelo café arábica até os dias de hoje. Foram sequenciadas 46 amostras, sendo três de C. canephora , duas de C. eugenioides e 41 de exemplares de C. arabica , todas vindas de diferentes regiões e de cruzamentos com outras variedades.
O número de exemplares analisados representou apenas um dos desafios enfrentados pelos pesquisadores. Diferentemente das duas espécies originais, que possuem células diplóides, com dois conjuntos de cromossomos, o C. arabica apresenta células tetraplóides, com quatro cópias de cada cromossomo. “Isso torna o sequenciamento muito mais complexo”, diz o pesquisador.
A partir do sequenciamento e da comparação do genoma das três espécies, os cientistas descobriram que o cruzamento entre o C. canephora e o C. eugenioides ocorreu de forma natural entre 350 mil e 600 mil anos atrás e passou por gargalos responsáveis por reduzir sua população, resultando em uma espécie com baixa variabilidade genética. Os pesquisadores também mapearam o movimento migratório do café arábica, da região do Grande Vale do Rift, onde hoje se localiza a Etiópia, até o atual Iêmen, na Península Arábica – daí o nome C. arabica.
O grupo identificou ainda conjuntos de genes em uma variedade híbrida natural da ilha de Timor, descoberta em 1927 e derivada de um cruzamento espontâneo de C. arabica e C. canephora , que podem explicar a resistência do café arábica a doenças como a ferrugem do café. Outras análises das interações genéticas identificaram aspectos sensoriais dessa espécie. “As pessoas tinham muita curiosidade de saber quais características do café arábica consumido hoje vieram do C. canephora e quais do C. eugenioides e de saber, entre essas variedades de café, em que elas diferem geneticamente e o quanto isso se traduz, por exemplo, em aromas e sabores”, explica Meidanis.