Além de modificar fortemente a cobertura do solo, fatores como a urbanização, a pecuária e a agricultura em larga escala podem levar os ecossistemas aquáticos ao colapso, comprometendo a oferta de água doce, o fornecimento de alimentos e a preservação da biodiversidade. E, no contexto da mudança climática global, as previsões indicam que essas ocorrências deverão se tornar cada vez mais frequentes.
Uma estratégia adotada em vários países é a proteção de faixas de vegetação nativa no entorno de riachos, rios e lagos. No Brasil, a legislação determina que essas faixas - denominadas Áreas de Preservação Permanente (APPs) - sejam mantidas, tanto em espaços públicos quanto em propriedades privadas, com largura variando em função do tamanho do corpo d´água.
Existem, porém, incertezas sobre como tornar a medida de fato eficiente. Quanto deve ser protegido para prevenir o colapso? Há um tamanho único válido para todas as grandes regiões? O artigo Thresholds of freshwater biodiversity in response to riparian vegetation loss in the Neotropical region, publicado no Journal of Applied Ecology, buscou responder a estas e outras perguntas.
"Já sabíamos que proteger a vegetação ripária [adjacente aos corpos de água] é chave para manter os ecossistemas de água doce saudáveis. O que nosso estudo procurou responder é se existem ou não padrões consistentes de reservas que sejam válidos para diferentes áreas de grandes regiões e mesmo para diferentes regiões", diz Renato Dala-Corte, pós-doutorando na Universidade Federal de Goiás e primeiro autor do artigo.
Trata-se do maior e mais completo estudo desse tipo já feito no Brasil. Foram utilizados dados coletados, ao longo de anos de trabalho, por 50 pesquisadores de 26 instituições de pesquisa. A iniciativa contou com apoio da FAPESP ao projeto ScaleBio, liderado por Tadeu Siqueira, do Instituto de Biociências (IB) da Unesp, no câmpus de Rio Claro, um dos autores do artigo, e a vários outros projetos relacionados ao tema.
"Combinamos imagens de satélite, que mostravam o tamanho das faixas ripárias no entorno de rios, com indicadores biológicos obtidos em pesquisa de campo, para estimar pontos em que a biodiversidade muda de maneira abrupta ao longo de um gradiente de 0% até 100% de vegetação. Os resultados foram muito claros. Não existe um valor único de largura de vegetação ripária que possa proteger a biodiversidade aquática das pressões de uso do solo. Não existe um número mágico para todos os biomas", afirma Siqueira à Agência FAPESP.
Esse resultado contraria as disposições da legislação, que estabelecem um tamanho para as APPs sem levar em conta as diferenças regionais e as formas locais de ocupação do solo. "Seria mesmo surpreendente encontrar um valor pouco variável para todo o Brasil, um país que engloba vários biomas diferentes", diz.
"O problema é que isso sugere que muitos de nossos ecossistemas aquáticos podem estar próximos ou já tenham ultrapassado os limites que levam a grandes perdas de biodiversidade. Nossa legislação é relativamente boa em alguns aspectos, mas o estudo indica que pode ser aperfeiçoada", comenta Siqueira.
O estudo mostrou também que existe um gradiente de impacto em função da distância do corpo aquático. Dentro da menor unidade espacial avaliada, de 50 metros, uma perda de apenas 6,5% de vegetação nativa foi suficiente para promover um forte declínio em muitas comunidades de invertebrados aquáticos. Esse percentual, de 6,5%, é um valor médio para o Brasil. Em escala regional, percentuais ainda menores de degradação já levam a impactos significativos. Na Amazônia, em alguns casos, bastaram 2,9%.
À medida que nos aproximamos dos riachos, pouca alteração já é suficiente para afetar a biodiversidade aquática negativamente. Ou seja, é preciso concentrar a intensificação do uso do solo, que é inevitável, longe dos rios se quisermos conservar nossa biodiversidade e usufruir dos serviços que estes ecossistemas nos fornecem", afirma Tadeu Siqueira, do Instituto de Biociências (IB) da Unesp, no câmpus de Rio Claro.