Renate Krause Sakate, do Departamento de Produção Vegetal da Faculdade de Ciências Agronômicas (FCA) da Unesp, Câmpus de Botucatu, e sua equipe , que, além de orientandos, inclui o professor Marcelo Agenor Pavan, da FCA, e o pesquisador doutor Valdir A. Yuki, do Instituto Agronômico (IAC), concluíram uma pesquisa, apoiada pela Fapesp, na qual constataram a existência de duas espécies de mosca branca possivelmente nativas no Estado de São Paulo, denominadas New World 1 e New World 2.
A descoberta causou surpresa, pois se acreditava que, depois da introdução no país do Biótipo B de mosca branca (espécie Middle East-Asia Minor 1, MEAM1), as espécies previamente existentes haviam sido substituídas ou até mesmo extintas.
Renata conta que a MEAM1, que chegou ao país na década de 1990, é altamente invasiva. Em várias partes do mundo, sua entrada promoveu a extinção das espécies locais. A pesquisa, porém, verificou a presença da New World 1 e da New World 2 no Estado de São Paulo, Mato Grosso do Sul e Alagoas.
O trabalho, que também contou com a colaboração dos pesquisadores Enrique Moriones e Jesus Navas-Castillo, do Consejo Superior de Investigaciones Científicas, La Mayora, Espanha, foi recentemente publicado no Journal of Applied Entomology, de alto impacto na área.
A mosca branca e constitui um dos maiores pesadelos para os produtores de hortaliças, plantas ornamentais e outras culturas. O motivo é que, ao se alimentar da seiva da planta hospedeira, a mosca branca ocasiona uma redução em seu vigor, além de induzir anomalias fisiológicas.
O inseto também deposita sobre as folhas grande quantidade de secreção açucarada, favorecendo a formação de fungos que impedem a fotossíntese e, assim, afetam o crescimento da planta e reduzem sua produtividade. Além de todos esses problemas, a mosca branca é transmissora de vírus, entre eles os begomovírus e crinivírus, que podem limitar o cultivo de hortaliças como o tomateiro.
Com o nome científico de Bemisia tabaci, a mosca branca mede de 1 a 2 milímetros. Os adultos têm o dorso amarelo pálido e asas brancas. Como suas asas cobrem quase todo o corpo, o branco se torna a cor predominante, daí a denominação que lhe foi atribuída.
A exemplo de outros insetos, seu ciclo de vida compreende quatro fases (ovo, ninfa, pupa e adulto) e sofre influência das condições climáticas e ambientais, principalmente da temperatura, da umidade relativa do ar e da maior ou menor abundância e suscetibilidade das plantas hospedeiras.
Sob condições que lhe são favoráveis, com temperatura em torno de 28° C e umidade relativa do ar de 70%, a espécie MEAM1, que é mais vigorosa do que a New World I e a New World II, pode ter de 11 a 15 gerações por ano – cada fêmea colocando de 100 a 300 ovos durante o seu ciclo de vida.
A mosca branca é encontrada nos trópicos e subtrópicos de todos os continentes. Acredita-se que tenha surgido na Ásia e se espalhado pela Europa, África e Américas por ação do homem, mediante a disseminação de material vegetal contaminado. No Brasil, suas principais vítimas são o tomate, o feijão, o melão e a batata. Além delas, também a soja, a abóbora, a melancia, hortaliças diversas e plantas ornamentais têm sido afetadas. Sua ação insidiosa se deve ao fato de a mosca branca ser capaz de transmitir mais de 200 espécies de vírus, grande parte deles com significativo impacto econômico na produção de hortaliças.
Os begomovírus, um dos principais transmitidos pela MEAM1, são atualmente os mais importantes limitadores da produção de tomate, além de sua incidência ter sido verificada também em culturas de pimentão e batata. Eles ocasionam redução do crescimento, alterações fisiológicas e produção de frutos isoporizados e com amadurecimento irregular.
É importante considerar que a distribuição epidemiológica da mosca branca está estritamente relacionada a certas características da agricultura moderna, como a expansão da monocultura e o aumento da utilização de agrotóxicos, além da grande facilidade de o inseto se adaptar aos diversos hospedeiros. O primeiro relato de Bemisia tabaci no Brasil foi feito na Bahia, em 1928; porém, a ocorrência deve ser bem anterior a essa data.
A espécie invasora MEAM1 é a predominante no Brasil, encontrada tanto em áreas cultivadas como em plantas daninhas. E, até recentemente, toda a pesquisa sobre mosca branca feita no país levava em consideração somente essa espécie.
Na nova pesquisa, entretanto, foi feito um amplo levantamento em mais de 40 municípios do Estado de São Paulo e 13 municípios do Estado de Alagoas. Utilizando-se um teste altamente sensível e específico para identificação de espécies, foi verificada a existência da New World 1 e da New World 2.
A espécie New World 1 foi encontrada, colonizando jiló (Solanum gilo) e corda-de-viola (Ipomoea sp. ), somente nas regiões de Registro, Iguape e Ilha Comprida, do Estado de São Paulo. Os pesquisadores estimam que ela não desapareceu em virtude do relativo isolamento geográfico dessas localidades em relação a outras áreas agrícolas paulistas.
É possível que a New World 1 seja a espécie que existia no Brasil antes da entrada do Biótipo B. Porém, como não há material preservado dessa época, isto é só uma suposição.
No Estado de Alagoas, curiosamente esta espécie foi encontrada em plantas de tomateiro.
A New World 2 foi frequentemente coletada em amendoim-bravo (Euphorbia heterophylla), uma planta daninha muito comum no campo e que geralmente se encontra infectada por begomovírus. Trata-se do primeiro registro de sua existência no Brasil. Também encontrada na Argentina, ela está presente em diversas localidades do estado de São Paulo e Alagoas.
Um fato que surpreendeu os pesquisadores foi as duas espécies supostamente mais antigas terem sido localizadas até mesmo em plantas colonizadas pela MEAM1, indicando a possibilidade de as várias espécies ocuparem o mesmo nicho ecológico. Mais frágeis, as espécies New World 1 e New World 2 foram sempre encontradas em número reduzido. E o seu papel como transmissoras de vírus, principalmente do begomovírus, ainda é desconhecido.
Estabelecer esse papel é o foco da continuação da pesquisa, que já está sendo empreendida, sob a orientação de Sakate, pelo mestrando Bruno Rossitto de Marchi, com bolsa da Fapesp. A equipe da professora Renate isolou colônias da espécie New World 2, supostamente mais antiga, as infectou com o begomovírus, e está acompanhando, dia a dia, a reação das plantas hospedeiras para saber se as espécies são ou não transmissoras.