Notícia

Jornal do Brasil

Uma vacina contra a Aids — Entrevista com HENRI ATLAN

Publicado em 07 janeiro 1996

Por ALICIA IVANISSEVICH
A partir de uma experiência de imunização contra doenças auto-imunes — em que o sistema imunológico agride células do próprio corpo — feita por um pesquisador israelense, o doutor em medicina e física Henri Atlan, professor de biofísica da Universidade Paris 6 e do Hospital Universitário Hadassah de Jerusalém, desenvolveu uma vacina contra a Aids, que deve ser testada em humanos em breve, tia pouco menos de um mês, um comitê israelense de ética autorizou a experiência em pacientes não-terminais, infectados pelo vírus HIV, que começam a apresentar uma redução de suas células de defesa. Trabalhando atualmente no Instituto Weizman de Ciências, em Israel, Atlan acredita que a Aids seria uma reação auto-imune do indivíduo à infecção pelo HIV. Autor de quatro livros e mais de 50 artigos na área de imunologia, Atlan esteve no Rio depois de participar de um congresso no Uruguai. Ele falou ao JORNAL DO BRASIL de suas pesquisas atuais e da importância de ter mais uma arma contra uma doença que se transformou em pandemia. AUTO-IMUNIDADE Existem no organismo mecanismos de auto-imunidade que levam células do sistema imunológico a atacarem não apenas vetores estranhos (vírus, bactérias, parasitas) mas células sadias do próprio corpo. Há também mecanismos de regulação no corpo que impedem que isso ocorra. Se houver um descontrole, os mecanismos de repressão desaparecem, dando origem a doenças auto-imunes, como a esclerose múltipla e a artrite reumatóide. O mesmo acontece com o câncer. A todo momento estamos produzindo células malignas em nosso corpo. Mas também desenvolvemos recursos para destruí-las. GATILHOS Vários elementos podem disparar o processo de auto-imunidade: uma mudança espontânea no desequilíbrio das células ou bactérias e vírus. Como suas estruturas se assemelham com algumas células saudáveis, o organismo passa a reagir não apenas aos agressores como a tudo aquilo que se parece com eles. É o caso da esclerose múltipla. O adenovírus é parecido com a estrutura da camada que recobre as células nervosas do cérebro. Quando a pessoa se infecta com o vírus, o sistema imunológico pode atacar não só os microorganismos como as células saudáveis do cérebro. AIDS O mesmo ocorre com a Aids. Ao entrar no organismo, o vírus HIV dispara um tipo de reação imunológica contra as células CD4 (glóbulos brancos infectados pelo vírus da Aids). Não apenas as células infectadas morrem, mas várias outras CD4 saudáveis. Esse é um processo de auto-imunidade. A pessoa fica com as defesas muito baixas, VACINA A idéia de fazer uma vacina contra a Aids surgiu a partir do trabalho do professor Irun Cohen, do Instituto Weizman de Ciências, de Israel, que desenvolveu uma técnica de vacinação a partir dos linfócitos T (células do sistema imunológico) para tratar as doenças auto-imunes. Em animais, a vacina foi testada por 10 anos com sucesso contra a artrite reumatóide, a esclerose múltipla e o diabetes. Nos últimos dois ou três anos houve testes clínicos em humanos. Os resultados foram publicados na revista britânica The Lancet. Não é uma vacinação em seu sentido pleno, porque não ataca agentes patológicos. E uma proteção contra as doenças auto-imunes. TESTES Em modelos animais, a vacina contra a Aids teve excelentes resultados. E já vamos começar os testes em humanos. Recebemos há apenas quatro semanas a autorização de um comitê ético para fazer a experiência em pessoas. Inicialmente vamos testar e acompanhar 50 pacientes. Não pretendemos usar a vacina em pessoas que já se encontram em estado terminal. Só nos soropositivos cujas células CD4 estão começando a cair. EFEITOS A vacina parece não ter efeitos colaterais. A experiência com ratos e os testes clínicos em macacos mostraram que não houve reações adversas. Não há toxicidade porque o produto é feito a partir de células da própria pessoa infectada. O PROCESSO A vacinação consiste em retirar células do sistema imunológico do próprio paciente, que receberão um tratamento especial, para depois reinjetá-las. As células da pessoa são reproduzidas in vitro e colocadas em contato com uma proteína da cápsula do HIV. No laboratório, é possível verificar se essa nova linhagem de células é capaz de destruir as células CD4 do paciente. As novas células então são inativadas (mortas) e injetadas no organismo para que ele produza anticorpos e se imunize contra elas.