Notícia

Gazeta Mercantil

Uma sociedade quase humana

Publicado em 01 março 1996

Por The Economist
A reputação popular de Nicolau Maquiavel baseia-se em um único livro. Em "O príncipe", ele dá conselhos ao recém-restaurado governante da Florença, um dos Medici, sobre a verdadeira natureza do governo de ditadura e a melhor maneira de exercê-lo. É menos conhecido um livro que Maquiavel escreveu sobre o governo das repúblicas e, conseqüentemente, como um povo livre poderia evitar ser governado por um príncipe. Frans de Waal, um pesquisador do Centro de Pesquisas de Primatas de Yerkes, em Atlanta, Estados Unidos, vê-se em uma situação parecida. Ele chegou à fama por um livro -"A Política dos Chimpanzés" - que mostrou como os parentes mais próximos dos seres humanos controlam e dominam outros membros de seus grupos. Agora Waal está tentando ressaltar que a sociedade dos chimpanzés não é meramente o produto de facções sedentas de poder, mas é formada por indivíduos afetuosos e generosos que formam redes auto-reguladoras. Ele apresentou um conjunto convincente de provas à recente conferência anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência. Muitos biólogos suspeitam que a posse de instintos políticos é uma das principais vantagens da inteligência semelhante à humana e, como conseqüência, foi apelidada de "inteligência maquiavélica". Mas a moralidade também pode ter suas utilidades. Waal não diz que os chimpanzés agem com a mesma conscientização moral como os seres humanos, e que, portanto, merecem os mesmos direitos (embora outros tenham feito essa afirmação). Mas acredita que o comportamento que ele e outros trabalhadores no campo observaram deriva das mesmas raízes biológicas que, nos seres humanos, levaram a sistemas de ética, moralidade e lei. REGRAS DE DOIS TIPOS Todos os grupos sociais de animais que não funcionam por seleção familiar (parentes próximos que se ajudam mutuamente porque seus genes compartilhados lhes "dizem" que o façam) têm suas regras. Waal distingue dois tipos fundamentais de regras: as impostas de cima para baixo (que normalmente não se aplicam a quem os impõe) e as que contam com o consentimento de todos (e que se aplicam a todos). Na maioria das sociedades de animais as regras são do primeiro tipo. Uma dessas regras manda, por exemplo, que "nenhum macho, exceto o dominante, tem permissão de acasalar (pelo menos, enquanto o dominante estiver observando)". Algumas espécies foram mais além, desenvolvendo a cooperação baseada na reciprocidade. Morcegos hematófagos bem alimentados, por exemplo, partilham seus conteúdos estomacais sanguinários com o vizinho faminto na expectativa de que o vizinho retribua quando os papéis forem invertidos. O comportamento social dos chimpanzés é baseado em tal reciprocidade. Mas foi mais além. A quebra de regras, por exemplo, não está sujeita apenas à retirada de privilégios, como à punição. Uma das primeiras observações de Waal, feitas quando ele trabalhava no zoológico de Arnhem, na Holanda, foi de duas fêmeas que violaram o que era reconhecidamente uma regra imposta de cima por seres humanos (que ninguém fosse alimentado até que todos estivessem dentro do recinto de alimentação). Elas atrasaram a refeição vespertina do grupo em duas horas. Mas foram os chimpanzés, não os tratadores do zoológico, que as puniram. E durante as noites seguintes as fêmeas recalcitrantes foram as primeiras a entrar no recinto de alimento quando chamadas. A sociedade de chimpanzés também tem espaço para sentimentos mais generosos. Os combatentes normalmente se reconciliam com muitos beijos e abraços. Essa reconciliação tão explícita também é vista em outros primatas, mas os chimpanzés vão mais longe. Os indivíduos não envolvidos no conflito também podem ir consolar o perdedor, um comportamento dominado por abraços em um modo que é quase antropomórfico. Waal acredita que esse comportamento indica a verdadeira simpatia: a capacidade de um indivíduo de se colocar, usando sua imaginação, no lugar do outro. Ele sugere que essa habilidade pode estar ligada à capacidade de os chimpanzés passarem no "teste do espelho": quando confrontados com um espelho, os únicos animais que conseguem perceber que a imagem é sua, e não de um indivíduo diferente, são os grandes símios e os humanos. FAVORES RETRIBUÍDOS Os chimpanzés também partilham outra característica dos humanos: a capacidade de lembrar e quantificar conjuntos complexos de obrigações. Em Yerkes, Waal às vezes dá folhas aos seus chimpanzés, como uma refeição especial. As folhas geralmente se tornam a propriedade de quem as pegar primeiro. Mas é vantagem do proprietário partilhar - e, geralmente, o proprietário (seja macho ou fêmea) partilha suas folhas com os outros. Partilhar cria um senso de obrigação e a retribuição do favor pode ser pedida posteriormente. Waal mostrou que essa obrigação, de fato, é mutua: há relativamente pouca bajulação de indivíduos de alta hierarquia, quando se trata de fazer favores. Isso também precisa ser apreendido. Os filhotes de chimpanzé são tão gananciosos e egoístas quanto as crianças humanas. Mas os chimpanzés compartilham com as pessoas um requinte adicional dessa reciprocidade. Não só retribuem favores na mesma moeda, mas podem também permutá-los por outros. Alimentos, por exemplo, podem ser trocados por acasalamento e a dívida considerada saldada. Emergiu, ainda, mais uma semelhança entre a sociedade humana e a dos chimpanzés. Alguns indivíduos são generosos e alguns são cruéis. Os modos fazem o homem, afirma-se. Fazem o símio também.