Uma silenciosa revolução está acontecendo no setor elétrico mundial. Historicamente centralizado, com grandes geradoras e gigantescas malhas de distribuição, o antigo modelo começa a ganhar novos contornos. Os próprios consumidores de energia, mais ativos, começam a escolher fontes alternativas, mais autônomas, mais limpas e, muitas vezes, mais confiáveis.
"Essa revolução já está chegando ao Brasil, cabe ao setor público preparar o setor para que a transição se dê da forma mais suave possível", afirma Luiz Barroso, presidente ela Empresa de Planejamento Energético (EPE), ligada ao Ministério ele Minas e Energia. Ele lembra que essa mudança não é opcional, ela vai acontecer. "Só não podemos dizer quando e em que velocidade", acrescenta. "Posso afirmar que, daqui a dez anos, o setor elétrico será bastante diferente do que é hoje."
Para ele, a grande revolução se dará quando o consumidor residencial e elo pequeno comércio, como padarias ou farmácias, puderem se desligar e ligar à rede quando bem entenderem. "Em breve, o consumidor vai poder comparar e escolher diferentes serviços de fornecimento de energia e decidir pelo que melhor se encaixar nas suas necessidades, por preço, qualidade e respeito ao meio ambiente", diz Carlos Augusto Brandão, diretor-executivo da Associação Brasileira de Armazenamento e Qualidade de Energia (Abaque). Ele compara as mudanças do setor ao que aconteceu com as telecomunicações. Os celulares foram ampliando sua participação, não por força de leis ou decretos, mas movidos pela tecnologia e a conveniência elos consumidores.
''As inovações tecnológicas poderiam ter sido maiores não fosse a crise econômica e a bagunça regulatória do governo passado", lamenta o presidente da Fapesp, José Goldemberg. Felizmente, para ele, os erros estão sendo corrigidos.
A Empresa de Planejamento Energético, do Ministério de Minas e Energia, é uma das impulsionadoras dessas mudanças. Em recente palestra na Coppe-UFRJ, seu presidente, Luis Barroso, afirmou que tecnologias como as eólicas, fotovoltaicas, de autogeração, já são realidade. "Para os grandes consumidores de energia, estamos falando de uma Vale e uma Gerdau, elas já geram a energia que consomem, com mais confiabilidade."
As fontes tradicionais continuarão a ser responsáveis, por longo tempo, pela maior parte da geração elétrica, mas gradualmente, com a digitalização, o aumento da oferta de outras fontes alternativas e da geração própria, os consumidores deixarão uma posição passiva e vão se tornar ativos, prevê Carlos Augusto Brandão. Já existe até um jargão no setor elétrico para esse integrante do sistema: prosumagers- ou seja, produz, consome e armazena ( storage ), na sigla em inglês.
O Brasil ainda tem uma vantagem, lembra Goldemberg, porque dispõe de uma rede de distribuição interligada (algo que não acontece nos Estados Unidos, por exemplo), o que possibilita a conexão de diversas modalidades de geração em diferentes partes do país. Além disso, a autogeração, seja para grandes consumidores, seja para residências, tem a vantagem de não ter impostos, um dos grandes pesos na conta do consumidor.
Mesmo sem levar em conta os impostos, os preços de geração da energia de fontes renováveis, como solar e eólica, vêm caindo consistentemente. Nos painéis solares, o pay back, ou seja, tempo para se pagar o custo inicial, que era de dez anos, há seis anos, hoje é de quatro anos, calcula Brandão, da Abaque. Uma das tecnologias mais difundidas no mundo e pouco aproveitada no Brasil é a da usina reversível. "No mundo, 200 gigawatts são produzidos- mais que toda a potência instalada no Brasil."
A primeira turbina reversível no mundo foi instalada na usina Henry Border, em 1939, na descida da Serra de Santos e Cuba tão. A turbina tanto pode ser usada na geração quanto no bombeamento de água de volta para a represa. Na Califórnia (EUA), onde roda a maior parte dos carros elétricos do mundo, os grandes fabricantes de bateria estão envolvidos na competição para fornecer baterias residenciais, que podem servir aos automóveis e também às necessidades domésticas. Silenciosas e de tamanhos de um pequeno móvel com rodinhas, podem ser guardadas em qualquer garagem.
A pesquisa por baterias menores e mais eficientes vem avançando com a incorporação de novos materiais. Centros de pesquisas já estudam a utilização de metais como germânio, e mesmo cobalto, para substituir o lítio.
Para grandes consumidores de energia, como as gigantes do Vale do Silício, como Google e Microsoft, partiram para a construção de unidades autossustentáveis, o abastecimento dos grandes servidores por painéis de energia solar e outras soluções limpas.
No Brasil, já se adota o conceito para prédios inteligentes, praticamente autossustentáveis em termos de energia. Com cuidados que começam na arquitetura, que evita o aquecimento excessivo das unidades, protetores e persianas, e se completam com os painéis fotovoltaicos e condicionadores de ar centrais de última geração.
As grandes distribuidoras de energia elétrica, como a AES, Enel, Elektro e CPFL, já começam a transformar seu modelo de negócio, que foi só de transmissão no passado, e no futuro próximo será em geração de serviços e provedores de soluções, "mais parceiras do consumidor", na expressão do presidente da EPE.
As maiores do setor se aproximam das pequenas startups e das universidades, para ganhar dinamismo e energizar sua própria criatividade.
Do outro lado da tomada, ou seja, dos consumidores de energia, há uma aceleração do processo de busca por produtos menos gastadores, menos agressivos ao meio ambiente e mais eficientes. As empresas se preocupam com toda a linha de vida dos aparelhos, da fabricação até o recolhimento do equipamento usado.
Apontado como um dos vilões do a pagão do verão de 2015, o ar-condicionado vem se adaptando aos novos tempos. A tecnologia inverter (inversor de frequência) permite ajustar a geração de frio aos horários de maior e menor consumo e às mudanças de temperatura, economizando energia e poupando o próprio aparelho.
A mais nova tecnologia de resfriamento vem promovendo uma volta ao passado, no que tange aos fluidos refrigeradores. Depois que o CFC foi banido, na década de 1980, a indústria começou a estudar alternativas menos agressivas ao meio ambiente. Na Europa, diz Oswaldo Bueno, consultor técnico da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar condicionado, Ventilação e Aquecedores ( Abrava ), a tendência é a busca por fluidos naturais, como amônia, metano ou o enxofre, usado na primeira instalação de ar-condicionado no Brasil, no Teatro Municipal do Rio de janeiro, em 1904.