Notícia

B2B Magazine

Uma revolução pública

Publicado em 01 junho 2004

O governo de Minas Gerais está produzindo uma verdadeira revolução na gestão pública a partir do programa chamado "Choque de Gestão". A grande mudança começa pela transformação do conceito de estabilidade dos funcionários públicos e pela exigência de isonomia na remuneração. Há uma elaboração de objetivos e metas individuais pactuados entre a direção do departamento e o próprio funcionário. A partir disso, realiza-se uma avaliação de desempenho individual. O objetivo é apurar a aptidão e capacidade do servidor para o desempenho das atribuições do cargo por ele ocupado e zelar pelo aprimoramento profissional dos servidores. No caso do desempenho do servidor ser satisfatório, o funcionário receberá um adicional. Os funcionários antigos podem escolher se serão remunerados dessa forma (com variações de até 90% a mais do que o seu salário) ou se continuarão sendo remunerados por tempo de serviço. Será demitido, após instaurado um processo administrativo, o servidor que obtiver nas avaliações conceitos insatisfatórios seguidos ou intercalados nas avaliações consecutivas. Tudo está cuidadosamente descrito, divulgado e regulamentado pelo governo. Pessoalmente, faz muitos anos que venho insistindo na necessidade desse tipo de mudanças no emprego público. Numa área que conheço com maior profundidade, o ensino superior, venho insistindo na necessidade de mudar as práticas de contratação e remuneração dos professores universitários das universidades públicas. Por que um bom professor ganharia o mesmo que um mau professor? Por que um professor produtivo deveria ganhar o mesmo que um professor improdutivo? Por que todos os professores aposentados, continuem produzindo ou não, devem ganhar o mesmo em cada categoria? Por que quem tem o esforço de transformar seu conhecimento em algo útil socialmente deveria ter a mesma remuneração profissional de quem não tem esta preocupação? Ouvi muitas vezes que é muito difícil definir o que é ser bom ou mal professor, o que é ser produtivo ou não. Outro argumento freqüente é que esse tipo de medida, inspirada por David Osborne, bate de frente com a regulamentação vigente e a Constituição. Mas todo crescimento supõe enfrentar dificuldades. Toda a evolução social, política, econômica enfrentará a regulamentação vigente. O nosso próprio crescimento individual supõe rupturas, readequações, reformulações de regras. Não foi fácil implementar votação eletrônica num País com dois terços dos adultos com analfabetismo funcional, não foi fácil aprovar a Lei do Divórcio, não foi fácil reestruturar fortes estruturas sociais e colocar 97% das crianças na escola e retirá-las do trabalho. Não está sendo fácil colocar ao Brasil como um interlocutor indispensável no cenário mundial. E não será fácil mudar a forma de contratação e remuneração dos funcionários públicos. Mas sabemos que é indispensável. A atual forma de contratação tem algo de perversa: já imaginaram o que é acordar cada dia e enfrentar o trabalho sabendo que, apesar de trabalhar melhor que um colega e produzir melhores resultados, isso não se refletirá no salário? De onde tirar a própria motivação? Precisamos nos inspirar no exemplo do governo de Minas Gerais e implementar noutras esferas do setor público brasileiro. Florencia Ferrer é doutora em sociologia econômica pela USP, pesquisadora da FAPESP e consultora em implementação social da tecnologia florencia.ferrer@terra.com.br.