Pela primeira vez, algumas universidades brasileiras deverão reservar um percentual de vagas para alunos que farão uma prova no fim do ano, preparada pelo Ministério da Educação, que lhes garantirá o ingresso no curso superior sem vestibular. A medida marca um processo de revisão profunda na estrutura de ensino. Em entrevista esta semana, em Brasília, o ministro da Educação, Paulo Renato Souza, falou das mudanças e não escondeu a satisfação com os elogios que vem recebendo, do presidente Fernando Henrique Cardoso e de parlamentares, por seu desempenho à frente do ministério. "Estamos fazendo uma revolução na área de Educação", comemora o ministro, mais magro e plenamente recuperado da cirurgia de cinco pontes de safena no coração, que fez em julho. O ministro e sua equipe - técnicos que o acompanham desde a Secretaria de Educação de São Paulo no governo Franco Montoro - trabalham até 12 horas por dia, e o cronograma é rígido. Paulo Renato anunciou outra novidade: até março, o Ministério da Educação lança o disque-denúncia, através do telefone 800-6161. A prioridade, em 96, continua sendo o ensino de 1° grau e, em agosto, chega ao Congresso o projeto de autonomia das universidades.
ELIANA LUCENA
- Por que o governo determinou prioridade absoluta ao ensino básico?
- Precisamos reconstruir a educação brasileira a partir da base. Hoje, apenas 60% das crianças que entram na 1ª série conseguem chegar à 4ª série. Os que conseguem concluir os quatro anos levam, em média, seis anos. Apenas 43% terminam a 8ª série, e em média levam 12 anos para concluir o curso. O nó do sistema educacional é o 1º grau e para mudar este quadro estamos mexendo em coisas essenciais.
- Qual é a principal medida para mudar a situação?
- Fizemos uma proposta de emenda constitucional que cria o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Professor. Este fundo é uma grande redistribuição do dinheiro em favor do 1° grau. Ele vincula 15% da arrecadação estadual e municipal ao 1° grau e redistribui esse dinheiro entre estados e municípios, garantindo um mínimo de R$ 300 reais por aluno. O fundo também vincula 60% desse dinheiro ao pagamento do salário do professor. Tínhamos, até agora, a situação em que há municípios muito ricos com poucos alunos e municípios muito pobres com muitos alunos. Isso leva a uma deterioração geral do sistema.
- A formação precária do professor é outro ponto crítico no ensino de 1° grau?
- Para ajudar na formação do professor temos dois programas básicos. Um está voltado para a formação do professor no Nordeste. Vamos formar os professores leigos e dar bolsas de estudo para eles investirem em sua formação. Temos também a TV Escola, um programa que prevê a instalação de 50 mil pontos para a recepção de programas. As escolas contarão com antenas parabólicas, videocassetes e televisores.
- E o conteúdo, como fica o currículo do 1° grau?
- Ainda estamos definindo um currículo nacional de 1° grau. No fim do ano, o trabalho estará pronto. Este currículo é fundamental para orientar autores de livros, julgar estes trabalhos e escrever o manual do professor. Hoje cada editora pega o currículo de seu estado para editar livros didáticos. O currículo é ditado por quem vende mais.
- Quais as principais medidas já adotadas para realizar o que o senhor chama de revolução no ensino?
- Uma das principais foi a mudança no antigo Conselho Federal de Educação, agora chamado Conselho Nacional de Educação, que se instala em março. O conselho, agora, ficará claramente dividido entre câmara de ensino superior e de ensino básico. Esta proposta visa reforçar a importância do ensino básico nas deliberações do conselho. Mudamos a forma de indicação de seus integrantes. Antes, eram da livre escolha do presidente da República. Hoje, há uma lista apresentada por entidades. Introduzimos também a idéia do recredenciamento das universidades. Elas passarão por um recredenciamento periódico, provavelmente a cada cinco anos. Dentro desse recredenciamento, a avaliação das universidades é fundamental. Entre os critérios dessa avaliação estão os exames ao término dos cursos.
- Quando será introduzida esta avaliação do ensino superior?
- Este ano estamos escolhendo três, entre seis cursos, que serão os primeiros a serem submetidos à avaliação. Estamos entre Direito, Administração, Engenharia Civil, Medicina, Odontologia e Veterinária. A avaliação será em julho, e para cada área haverá uma banca com membros dos conselhos federais de cada área e especialistas do MEC. Vamos contratar fundações, como Cesgranrio e Carlos Chagas, para aplicar os testes. Estas avaliações não terão conseqüências para os alunos. Uma prova não avalia um aluno, mas 50 provas avaliam um curso. Vamos publicar os resultados por escolas e os resultados também serão levados em conta na hora do recredenciamento.
- A avaliação irá atingir os demais níveis de ensino?
- Criamos uma secretaria especial de avaliação que vai cuidar desse trabalho em todos os níveis. Queremos que a secretaria depois se transforme num grande instituto nacional de avaliação independente. Já foi feita uma avaliação do ensino básico, cujos resultados deverão estar prontos até março. Vamos continuar agora com a avaliação do 2° grau e da universidade.
- E como fica o ensino de 2° grau, que parece meio abandonado pelo MEC?
- Reconheço que o 2° grau tem sido o primo pobre da Educação, mas temos uma série de planos. No 2° grau, queremos fazer mudanças que não dependem de lei, mas de aprovação pelo Conselho Nacional de Educação. Queremos chegar a uma maior diversificação do ensino nesse nível, aproximando o currículo da realidade de hoje.
Temos um único currículo que foi desenhado antes da última revolução tecnológica que tivemos com a informática, nos anos 60. Precisamos de um currículo mais prático, voltado para a tecnologia de hoje.
- O novo modelo reaproxima o 2o grau dos antigos Clássico e Científico?
- Não queremos voltar à velha fórmula. Este modelo ainda era melhor do que o que temos hoje, mas ainda era compartimentalizado. O jovem, aos 15 anos, já tinha que optar por uma carreira. Queremos deixar isso mais flexível, para que ele vá compondo um currículo, que não tenha a falta de opções de hoje ou a rigidez do antigo Clássico e Científico.
- Como isso funcionará na prática?
- A idéia é definir a partir do segundo ano do 2° grau módulos específicos orientando os alunos para diversas áreas, como ciências exatas. E entre elas está a comercial e de serviços. As pessoas vão poder combinar em seu currículo os créditos para receber, além do diploma do 2o grau, outro de especialidade na área de serviços ou comercial.
- O governo vai abandonar a profissionalização no 2° grau?
- Temos planos para o ensino médio convencional e para as escolas técnicas. Vamos separar o segundo grau do ensino técnico, que deverá ter oferta de vagas ampliada. A idéia de misturar giz com graxa, como ocorreu na década de 70 com a obrigatoriedade de profissionalizar o 2° grau, não funcionou. O ensino técnico será um pós-secundário. Queremos ainda separar o técnico industrial do técnico comercial e de serviços.
- O novo ensino técnico pode entrar logo em vigor?
- A reforma do ensino técnico necessita de lei, porque a idéia não é apenas separar o ensino de 2° grau do ensino técnico, mas também abrir a possibilidade de usar recursos do Fundo de Amparo dos Trabalhadores (FAT) para estas escolas, ampliando a oferta de vagas e melhorando a qualidade do ensino. A idéia é que o esforço envolva não apenas o governo federal, mas implique parcerias entre governo federal, governos estaduais e municipais e iniciativa privada. O governo poderá até construir uma escola técnica e depois entregá-la para a iniciativa privada, que ficará responsável por sua gestão.
- Como funcionará a avaliação prevista para os alunos que deixam o 2° grau?
- Vamos fazer um exame final de 2° grau que será voluntário. Queremos que o exame nos ajude a dar parâmetros mínimos para o ensino de 2° grau. O conteúdo das provas passará a dar um aviso geral para todas as escolas, mostrando o que o MEC deseja ver ensinado pelas escolas.
- Algumas universidades começam a rever o vestibular, instituindo um sistema de avaliação nos três anos do segundo grau que garantiria o ingresso automático no ensino superior. O governo quer esta mudança?
- Qualquer mudança vai depender da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases (LDO) pelo Congresso. A iniciativa de universidades, como a de Brasília e a de Santa Maria (RS), precisa ser bem discutida. Pode ser uma das alternativas para mudar o vestibular, mas iria beneficiar apenas os alunos da cidade onde a avaliação nas três séries de 2° grau será feita. Já o MEC quer ainda em 1996 implantar outra opção que permita o acesso à universidade sem vestibular.
- Qual é a opção?
- Vamos buscar alternativas que retirem o foco apenas do exame vestibular quando o aluno chega ao 2° grau. A alternativa da UnB discrimina alunos de outros estados. O que o MEC está pretendendo, ainda este ano, é realizar o primeiro exame final de 2°grau que garantirá vagas em algumas universidades.
- A adesão a esta nova forma de ingresso seria voluntária?
- O MEC quer fazer acordos com as universidades, de forma que reservem um percentual das vagas para os alunos que se submeterem a este exame final. O que propomos é que um aluno de Manaus, bem colocado no exame preparado pelo MEC, possa pleitear uma vaga na Universidade de São Paulo, por exemplo. Não queremos uma única forma de ingresso na universidade. Cada universidade poderá reservar 20%, "30% ou 40 % de suas vagas para este ou aquele sistema.
- Modelos semelhantes são adotados em outros países?
- Essa forma do aluno postular a vaga funciona no sistema americano. O aluno, ao fim do curso, recebe o seu certificado e passa a postular uma vaga nas diversas instituições. Cada uma delas estabelece exigências quanto ao rendimento mínimo.
- No conjunto de mudanças está também a forma de escolha de reitores?
Não só dos reitores, mas também dos diretores. Antes, as universidades federais estavam vivendo uma distorção, já que os funcionários tinham um peso expressivo na escolha dos reitores e diretores. Com isso, em várias universidades os docentes foram voto vencido na escolha dos dirigentes da instituição. Agora fica garantido que os docentes participam com 70% dos votos.
- Como fica o ensino de pós-graduação?
- Já mudamos coisas importantes, como o critério de distribuição de bolsas para estimular maior produtividade no sistema de pós-graduação. Os cursos que tenham resultados baixos em termos de proporção entre número de bolsas e término de doutorado terão as bolsas congeladas. Os aumentos vão para quem consegue formar mais mestres e doutores em relação ao número de bolsas que recebem. Definimos, também, regras para o mestrado profissionalizante, que é um mestrado mais curto, voltado para o mercado de trabalho. Nos Estados Unidos existe o Master at Business Administration. Queremos, também, aumentar o número de bolsas para o exterior, inclusive para algumas áreas que antes não recebiam apoio para especialização fora do Brasil, como a área de artes.
- Há ainda controvérsia sobre a questão da autonomia das universidades defendida pelo senhor. Afinal, ela sai?
- Ainda este ano queremos garantir a autonomia das universidades. Reconheço que elas ficaram prejudicadas, não apenas pela prioridade dada ao 1° grau, como também pelo freio no processo inflacionário. Na verdade, a universidade, assim como todo poder público, ganhava com a inflação. Hoje a universidade vive de pires na mão e é administrada pelo MEC. Quero descentralizar para que a universidade passe a se auto-administrar. Que estabeleça quanto vai para pesquisa, para a graduação, quanto vai gastar em pessoal, professor. Vou discutir o assunto durante o primeiro semestre e, no início de agosto, encaminharei o projeto para o Congresso. A autonomia garantirá um orçamento global à universidade e caberá a ela decidir como aplicar o dinheiro.
- Como o MEC pretende fiscalizar programas que já foram descentralizados, como o da merenda escolar?
- No princípio de 95, tínhamos a merenda escolar municipalizada em 1.600 municípios, e hoje estamos com quase 4 mil. O mesmo caminho está sendo seguido com os livros didáticos e os recursos que estão sendo repassados para as escolas. Vamos fiscalizar de perto e trabalhar com a discagem direta para receber denúncias sobre a má utilização dos recursos que estão sendo descentralizados. A ligação para o número 800-6161 será gratuita. A descentralização diminui a influência política que sempre aconteceu para a liberação de recursos para educação. Todas as escolas brasileiras estão recebendo hoje um mínimo de recursos para sua manutenção.
- Como o senhor pretende combater o analfabetismo?
- O analfabeto funcional é aquele que não tem conhecimentos básicos de português e matemática da 4ª série do 1° grau. Quem não tem esse conhecimento, deve chegar a esse nível. Queremos que as empresas assumam isso. O MEC vai fornecer material e oferecer os testes para avaliação. Queremos lançar este programa em março.
Notícia
Jornal do Brasil