Num país com uma indústria nascente, poucos enxergavam a ciência como ferramenta de desenvolvimento. Mas o Estado de São Paulo já contava com uma massa crítica importante de pesquisadores, que seguiam buscando meios e fundos para suas pesquisas. O apoio da comunidade científica, afinal, acabou sendo decisivo para a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 1962. Nada mais justo que a instituição, nos seus 50 anos de existência, fizesse uma homenagem a esses pioneiros da ciência paulista.
O livro Circa 1962 – A ciência paulista nos primórdios da Fapesp, da jornalista Mônica Teixeira, faz exatamente isso. Com uma varredura nos arquivos da Fapesp, reportagens e artigos de revistas e muitas entrevistas, a jornalista traz à tona personagens fundamentais. Ainda muito jovens e com suas primeiras inquietações, eles marcariam a história da investigação científica no País, em especial os campos que despontavam à época, como as ciências médicas, com destaque para a genética, as humanidades e a física.
“O livro é uma forma de agradecimento à Fapesp e aos pesquisadores do Estado e também uma oportunidade de manifestar minha admiração e orgulho pela comunidade científica de São Paulo. São pessoas dedicadas, persistentes, interessadas e compromissadas com o que querem e fazem”, disse Mônica ao apresentar seu trabalho de 240 páginas, lançado no dia 1º de julho, na sede da Fapesp, em São Paulo, com a presença de alguns dos cientistas retratados.
Naquela cena embrionária de ciência surgiu ambiente para o inovador conceito de amparo à pesquisa, que se delineou em definitivo graças “à grandeza de espírito público de Carvalho Pinto e seus colaboradores”, escreve na apresentação do livro o presidente da Fapesp e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP, Celso Lafer, referindo-se ao então governador de São Paulo.
Assim, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e a Escola Politécnica, que já possuíam uma atividade importante de pesquisa, viram suas trajetórias dinamizadas com o apoio da instituição. Da mesma forma, o pioneirismo da Faculdade de Medicina da USP e outros centros de excelência ganham destaque no relato, como a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e ainda o Instituto Biológico.
“É importante conhecermos o patamar a partir do qual iniciamos para sabermos a responsabilidade que temos de desenvolver e ampliar isso. A Fapesp só pode ser como ela é porque contou com o apoio da comunidade científica, que é o vetor desta instituição”, disse Lafer num breve discurso durante a cerimônia.
Além do livro, uma série de eventos celebraram o cinquentenário da Fapesp, que ocorreu de fato em 2012, como reuniões de pesquisadores em Londres, Washington e São Paulo. “Ficamos bastante satisfeitos com o resultado do livro. Eu mesmo aprendi muito durante o processo de pesquisa da Mônica. Tomei contato com relatórios interessantíssimos de alguns dos diretores da Fapesp, vi suas preocupações e suas estratégias de pesquisa na época”, disse o diretor-científico da Fapesp, Carlos Henrique Britto Cruz.
Exemplos – Atualmente, os números da Fapesp falam por si. Em 2012, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) estimou a existência de 15 mil pesquisadores no Estado, nucleados em aproximadamente 6.300 grupos de pesquisa. Naquele ano, a Fapesp recebeu 9.345 pedidos de auxílios ou bolsas. Em contraste, em 1962, foram 507 pedidos.
Mas como mapear e destacar o que foi mais representativo no passado? “Eu já tenho uma história antiga com a ciência paulista. Procurei coisas que representassem tendências que eu identifiquei dessa leitura, ou por assuntos ou por instituições”, conta Mônica.
Difícil destacar um ou outro projeto nesse início de vida da mais importante financiadora da ciência paulista. Mas a autora recorre a alguns clássicos. “O período da minha pesquisa compreendeu os anos entre 1952 e 1972. Os projetos eram muito sólidos e tudo foi muito interessante. Mas posso nomear Alice Canabrava, a primeira catedrática da USP, e também os trabalhos de Maurício Rocha e Silva, com um projeto pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, e também os de Florestan Fernandes”, disse Mônica ao Jornal da USP.
“A professora que contou a história do desenvolvimento” é o subtítulo dedicado a Alice Canabrava, que em sua garimpagem nos arquivos do Estado de São Paulo mostrou a estrutura econômica da Capitania de São Paulo, em especial da grande lavoura do Vale do Paraíba, entre 1770 e 1840.
Zoólogo respeitado, membro do Conselho Superior da Fapesp em 1961, além de artista famoso por composições como Ronda, Volta por Cima e tantos outros sucessos da música popular brasileira, Paulo Vanzolini ganha destaque nas páginas iniciais. Recebeu auxílios por pesquisas que supervisionou sobre a ecologia dos lambaris, insetos da Amazônia e o comportamento de lagartos da família iguanidae. Além desses, os recursos destinados à taxidermização de aves para o Museu de Zoologia ajudou a compor o que em 2012 seria a maior coleção ornitológica da América do Sul e Central, com 75 mil exemplares.
Numa seção inteira, o livro destaca a Medicina da USP e seu posto pioneiro na pesquisa, trazendo tantos nomes dessa trajetória, como Luiz Carlos Uchôa Junqueira, Michel Rabinovitch, Samuel Pessôa, Isaias Raw, Zeferino Vaz e Eduardo Moacyr Krieger, entre tantos outros.
Lembranças ainda para os papéis de geneticistas como Crodowaldo Pavan, Newton Freire Maia, do Paraná, Harry Milton Miller Jr., Pedro Henrique Saldanha, André Dreyfus, Marta Breuer e, através desses e outros nomes, destaques à atuação da Fundação Rockefeller no Brasil.
A pesquisa sociológica e antropológica também ganha diversas páginas, ao mostrar os caminhos dos financiamentos de pesquisa que resultaram em obras-primas como o livro Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo, de Roger Bastide e Florestan Fernandes. Ou, ainda, as colaborações de Florestan com Fernando Henrique Cardoso, tempo em que surgiu a relação com a antropóloga Ruth Corrêa Leite, com quem Fernando Henrique casou-se em 1953. Outros nomes vão surgindo ao leitor, como Octavio Ianni, Antonio Candido e Eunice Ribeiro.
Na física, surgem nomes como Mário Schenberg, Luis Cintra do Prado, Marcelo Damy, Gleb Wataghin, Oscar Sala, Giuseppe Occhialini, Ernst Hamburger, Sérgio Mascarenhas e José Goldemberg, além de César Lattes, então já famoso pela descoberta do méson pi. Ainda na física, Rogério Cerqueira Leite, Sérgio Porto e Nelson Parada.
Mas, no ano de 1964, a ciência ressente a cortina de sombra que recai sobre o País. O militarismo golpeia a produção e leva os cientistas por caminhos incertos. Uma série de artigos de jornais e muitas fotos ilustram esse momento, como a matéria de março de 1964 da Folhapress, com o título “Mário Schenberg: do Dops para o hospital”.
A seção final traz fotos e breves currículos de 55 cientistas que serviram como fontes para a produção do livro.