No dia 21 de maio passado, dentro da Parceria Brasilianas-Universidades, foi realizado na PUC-SP o seminário sobre a 4ª Revolução Industrial.
Aqui vão as principais conclusões do Seminário, retiradas das palestras ministradas.
Os vídeos das palestras estarão disponíveis amanhã.
Peça 1 – o início da indústria 4.0
Oficialmente, houve três revoluções industriais ao longo da história:
1. Mecânica
2. Elétrica
3. Automação
A 4ª Revolução é a da inteligência. Consiste na interação entre diversas novas tecnologias, apresentando potencial disruptivo sobre produtos, processos produtivos, mercados, cadeias globais de valor, emprego, demandas sociais, etc.
Oficialmente, a indústria 4.0 começa a existir em 2012 como política pública. O fenômeno precedeu as medidas de políticas industriais. Mas foi a Alemanha quem primeiro sistematizou os princípios e criou o nome.
A partir daí, a maioria dos países desenvolvidos, que perdeu sua vocação industrial, passou a implementar políticas públicas em torno da Indústria 4.0, visando reinternalizar parte da produção, como forma de incorporar inovações tecnológicas, aproximando a produção da inovação.
Peça 2 – as características da 4ª Revolução
Têm as seguintes características:
As novas tecnologias centrais são:
Sistemas ciber-físicos (CPS), Internet das Coisas (IoT), Big Data, Computação em nuvem, Manufatura aditiva (impressão 3D), Inteligência Artificial (AI), Robótica avançada, Energias alternativas, Redes inteligentes, Realidade aumentada, Novos materiais, Nanotecnologia, Biotecnologia, etc. Peça 3 – os fatores disruptivos
Haverá rearranjos de todas as cadeias de valor, com impacto sobre empregos.
No limite, há a promessa de extinguir economia de escala, já que, com as novas tecnologias, haverá a produção de bens customizáveis, totalmente produzidos por máquinas, com a tecnologia das impressoras 3D.
Com isso, toda capacidade produtiva gerada na China, com base em salários baixos, será redundante. A 4ª Revolução Industrial devolverá competitividade aos países ricos, com consequências drásticas:
Apenas com base nas tecnologias da automação hoje existentes, segundo a McKinsey, 60% das profissões deverão desaparecer até 2025. Haverá mudança nos fluxos de comércio internacional e nas cadeias globais de valores. OCDE estima em 4 pontos percentuais sobre o PIB, de queda do comércio mundial. Do lado positivo, promessa de não existir mais mortes em trânsito. 2015: 1,5 milhão de mortes, 50 milhões feridas em acidentes Até 2022, 1/4 dos shoppings centers dos EUA irão fechar em função das plataformas de vendas online. Peça 4 – A nova economia
A 4ª Revolução gerou três tipos de estratégia:
Os países que preservaram a participação da indústria em sua estrutura produtiva, mas que buscam assegurar sua competitividade frente à concorrência das potências industriais emergentes ? Alemanha, Japão, Coreia do Sul. Os países que passaram por intenso processo de desindustrialização e procuram reforçar suas competências industriais comprometidas ao longo dos anos ? EUA, Reino Unido, França Os procuram garantir suas trajetórias de catching up em direção às economias desenvolvidas por meio da ascensão de sua indústria, inclusive no panorama mundial ? China, Índia
Para o Brasil é uma oportunidade para retomar processo de catching up, isto é, de definir saltos tecnológicos, tratando antigos problemas com novas soluções.
Peça 5 – Os modelos adotados
Um levantamento meticuloso de Rafael Cagnin, do IEDI (Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial), identificou as seguintes políticas nacionais:
Alemanha – Indústria 4.0
É o paradigma para outras economias industrializadas. Quem primeiro deu corpo. Vem da interação dos institutos de pesquisa da universidade e das empresas. Começa em 2011. Em 2015 vira componente de política pública.
Estratégia de baixo para cima. Recursos financeiros baixos, 200 milhões de euros. Desafio foi redirecionar sistema de inovação para acelerar novas tecnologias.
Forte articulação empresa, universidade e instituto de pesquisa e Estado (2015); Indústria 4.0 como eixo da Nova Estratégia de Alta Tecnologia; foco em sistemas ciberfísicos (IoT, AI, BigData, Comp. Nuvem etc); atenção especial às PMEs
Japão – Plano de Revitalização da Indústria e Sociedade 5.0
Plano ambicioso; ênfase em Robótica e IA, mas também impressão 3D, BigData etc; 4 eixos articuladores: mobilidade; cadeia de suprimento/eficiência produtiva; saúde; modos de vida (cidades inteligentes, economia compartilha etc)
Coreia do Sul – Movimento Inovação Industrial 3.0 (MII 3.0)
Estabelecer um ecossistema industrial avançado com fábricas inteligentes; ênfase em robótica, IoT, impressão 3-D e Big Data; 30 mil fábricas inteligentes até 2025; 800 empresas provedoras de inteligência artificial até 2030; maior coordenação entre os agentes públicos; programas setoriais (19 motores do crescimento: aeroespacial, automotiva, construção naval, telecomunicações, eletrônica, biotecnologia, serviços públicos, saúde etc)
EUA – Manufatura Avançada
Restabelecer interação produção e inovação; articula empresas, universidade, agências de inovação e setor público; 15 institutos c/ US$70-120 milhões por 5 anos – National Network of Manufacturing Innovation (NNMI)/Manufacturing USA (2016) – inspirados nos institutos Fraunhofer ; foco mais amplo nas tecnologias (impressão 3D; tecnologias digitais; materiais têxteis avançados; materiais semicondutores; sensores; robótica; etc.); Reorientação das agências tradicionais de fomento à inovação
Reino Unido – Catapult Network; Industrial Strategy
10 institutos tecnológicos com recursos públicos (1/3) por 5 anos; ênfase em biotecnologia, satélites, transporte, energia renovável, semicondutores, manufatura de alto valor agregado etc; cooperação internacional. Criação de 2 bancos de desenvimento, ações setoriais, metas ambiciosas (P&D de 1,7% para 2,4% do PIB; +£80bi)
França – Nouvelle France Industrielle; Industrie du Futur
Modernização o aparelho produtivo; Aliança para a Indústria do Futuro (empresas, institutos de pesquisa, órgãos públicos); ênfase em impressão 3D, sist. ciberfisicos e realidade aumentada; criação de bancos públicos, suporte fiscal; coop. internacional
China – Made in China
Preservar seu status de “fábrica do mundo”, mas tornar-se Superpotência Industrial Avançada (2049); Ação top-down; 40 centros de P&D até 2025; políticas ind. Setoriais (11 setores de alta tecnologia: robótica avançada; aeroespacial, automotivo; transporte ferroviário e naval; máquinas agrícolas, biofármacos, novo materiais etc); “metas informais” de conteúdo local; aceleração via aquisição de empresas tecnológicas de países desenvolvidos.
Índia – Make in India, Digital India, Startup India …
Conjunto de iniciativas para reforçar a capacidade industrial da Índia, mas por ora não há um plano nacional voltado à Indústria 4.0 que sistematize essas iniciativas. Políticas e metas para 25 setores (auto, TI, biotecnologia, farmacêutica, eletrônica, defesa etc), liberalização, digitalização governo, construção/modernização de infraestrutura, atração de IDE
Peça 6 – O caso brasileiro
Na última década, ocorreram vários fenômenos negativos na indústria, provocados pela manutenção de políticas monetárias e cambiais lesivas à produção interna.
Há uma longa crise, acentuando o processo de desindustrialização. Além disso, houve a “estrangeirização” dos setores intensivos em tecnologia, além da ampliação do conteúdo importado.
Um dos mais recentes indicadores para avaliar o grau de modernização de uma economia são os chamados “índices de complexidade”. No final da década de 70, o índice brasileiro era imensamente superior ao da Índia. Hoje em dia, o da Índia é quase o dobro do brasileiro.
Esse processo deixou um número escasso de empresas nos setores tipicamente difusores de tecnologia, somando-se um hiato tecnológico, na infraestrutura e na dificuldade para incorporar as tecnologias da indústria 4.0, devido ao tempo médio de vida dos equipamentos industriais.
Além disso, surgiram diversas políticas industriais, mas com problemas de execução, de descontinuidade, agravados pela política monetária, que induziu as empresas ao rentismo. E, recentemente, um comportamento irrecional em relação à ação do Estado.
Não existe competitividade sem energia, logística, juros e câmbio. Pode haver privatização, mas Estado tem que ser importante na definição estratégia, principalmente porque a infraestrutura precisa anteceder a demanda. E esse tipo de movimento não é típico do setor privado.
Com o impeachment, o trem da indústria descarrilou de vez, a ponto do Secretário de Assuntos Estratégicos falar em entrada na OCDE (o grupo de países ricos), sem que a economia seja competitiva. Ou a privatização indiscriminada de ativos.
O Brasil completou a 2ª revolução industrial quando o mundo estava entrando na 3ª. A involuiu, como foi o caso da indústria do alumínio, inviabilizada pela privatização da energia nos anos 90, que fez explodir as tarifas.
As vulnerabilidades brasileiras
Ausência de grandes players e atores Escassez de empresas em áreas difusoras de tecnologias. Inexistentes no Brasil. Conjunto pequeno de empresas nacionais para usar essas tecnologias. Aumento do coeficiente de importação especialmente nos setores intensivos de tecnologia Esfacelamento das cadeias produtivas desses setores. Problemas na infraestrutura de telecomunicações. Experiência recente: isenções fiscais. PDP, no final contemplava 32 setores estratégicos, diluindo as prioridades. Falta de atores para as políticas setoriais. Baixa disseminação de 4.0. Segundo relatórios de 2016 da CNI (Confederação Nacional da Indústria) 52% de 2.225 empresas não utilizavam nenhuma tecnologia 4.0; 43% não souberam apontar 1 tecnologia digital (em uma lista de 10) que pudesse ter grande potencial para impulsionar sua competitividade. 4.0.
Há baixa prioridade na política de Ciência, Tecnologia e Inovação pelo Estado, com cortes expressivos no orçamento do MCTIC e MEC
No entanto, os agentes do sistema de inovação se movem para colocar o Brasil na rota da Indústria 4.0 – MEI/CNI; Fapesp; Finep; ABDI etc.
Há tempo de pegar o bonde, mas exige foco e clareza nos objetivos.
Peça 7 – as oportunidades
Os seguintes fatores impulsionarão a demanda por 4.0 nas próximas décadas:
Imperativos Sociais: crescimento demográfico, urbanização e o “imperativo verde”. Tecnologias Pervasivas (aquelas que impactam todos os aspectos da vida): transformac¸o~es siste^micas; inovac¸o~es disruptivas em processos; reorganizac¸a~o dos sistemas de gerenciamento de fluxos materiais e de dados. A transformac¸a~o dos Servic¸os Pu´blicos: efeito das tecnologias disruptivas nos servic¸os pu´blicos e remodelac¸a~o da infraestrutura urbana em torno das tecnologias da Manufatura Avanc¸ada, para mobilidade urbana, tratamento de resíduos entre outros serviços. As experiências de política industrial, avançando da visão setorial para a sistêmica – como o que ocorreu com o Plano de Desenvolvimento Produtivo (PDP) da indústria farmacêutica – abrem enormes possibilidades de adensamento tecnológico e também de desenvolvimento regional e criação de empresas de serviços tecnológicos de base local. Relatório da Gartner de 2015 e 2016 estima que 50% da demanda virão dos serviços públicos e no da manufatura. Haverá uma revolução da infraestrutura urbana, na qual o Estado será o grande demandante dessa manufatura. Peça 8 – a experiência internacional
Na definição da nova política para a indústria 4.0, deverão ser observados os parâmetros adotados por outros países.
Todas estratégias são de médio e longo prazo Recebem apoio dos altos escalões de governo. Institucionalidade criada com presença de Ministros, presidentes Agenda relativamente consensual a partir da interação dos parceiros setor privado e público Missão orientada: voltada para resolver problemas sociais Sinergias entre laboratórios privados, públicos e universidades Cooperação internacional: comunicação entre máquinas exigirá estabelecimento de padrões globais. Modernização da estrutura produtiva para incorporar novas tecnologias. Incentivo para ampliação de investimentos industriais. Grande atenção às pequenas e médias empresas. E compras governamentais. Formação de mão de obra. Competências não são evidentes, inclusive nos países desenvolvidos. Fortalecimento do suporte financeiro: 20% dos 135 bancos de desenvolvimento existentes no mundo foram criados depois dos anos 2.000, incluindo dois do Reino Unido, França e Holanda, entre outros países. Peça 9 – as propostas
A partir daí, chega-se a uma proposta de política nacional para 4.0:
Necessidade de (re)construir a coerência nos investimentos recentes na infraestrutura para o desenvolvimento regional (Universidades, ICTs, etc.) e a centralidade da discussa~o sobre (re)industrializac¸a~o. Ampliação das redes de pesquisa acadêmicas. Investimento em infraestrutura pública: estímulo às médias empreiteiras Necessidade de evitar custo político alto com regras mais impessoais do que as dos campeões nacionais. Aproveitar os investimentos regionais, Embrapa, Universidades e Institutos de Pesquisa. Finame, que há 40 anos se ocupa nacionalizar equipamentos, passaria a financiar serviços, permitindo difundir tecnologia digital no tecido das empresas. Abandonar o preconceito arraigado com relação aquilo que não é material, tangível. Programa massivo para digitalização de PMEs (Pequenas e Médias Empresas), com a mesma capilaridade do extensionismo rural. Com subvenção de R$ 50 mil a R$ 500 mil, a fundo perdido, será possível iuniversalizar a digitalização nas empresas. Evitar escassez de mão de obra com as qualificações necessárias – treinamento / reciclagem e atração de talentos Políticas setoriais seletivas e políticas sistêmicas. A seletividade vai além das fronteiras setoriais e também contempla os vínculos entre os setores A indústria como ecossistema – a manufatura representa cada vez mais a integralidade da cadeia de valor da produção de bens.
LUIS NASSIF ” JORNAL GGN” ( BRASIL)