No próximo mês, vários países estarão comemorando o 50° aniversário de um evento que mudou o curso da história. Foi uma descoberta científica que revolucionou o mundo, porque abriu o caminho para o desenvolvimento da microeletrônica, da informática e das telecomunicações. Em 24 de dezembro de 1947, Walter Brattain pediu a alguns colegas do Laboratório Bell, nos Estados Unidos, para assinarem como testemunhas seu livro de protocolo onde descrevia a experiência que marcou a invenção do transistor. Era uma montagem grosseira, mas que demonstrava o princípio físico da amplificação eletrônica através de materiais semicondutores. Por essa descoberta, Brattain e seus colegas Bardeen e Schockley receberam o Prêmio Nobel de Física em 1954.
Em poucos anos o transistor tornou-se um dispositivo pequeno, eficiente e confiável e passou a substituir as válvulas a vácuo nos aparelhos eletrônicos. No final dos anos 50 já era possível fabricar centenas de minúsculos transistores numa pequena área de uma pastilha de silício formando um chip. Estava criada a microeletrônica, a tecnologia de fabricação dos futuros computadores, equipamentos de rádio, de TV e de comunicações. Nos anos 60, foram desenvolvidos o laser semicondutor e outros dispositivos que deram origem às comunicações ópticas. Estava lançada a base tecnológica que levaria à globalização dos costumes e da economia no final do século.
Os Estados Unidos têm muitas razões para comemorar o aniversário do transistor. Além da glória da descoberta, eles se beneficiaram muito da microeletrônica e da globalização, enriquecendo-se mais e estabelecendo uma política hegemônica no mundo. O Japão também irá festejar o aniversário. Depois da derrota na 2ª Guerra Mundial, o país enterrou os mortos, juntou os cacos e pôs em marcha um plano nacional de recuperação. O plano era baseado no fortalecimento do sistema educacional, no desenvolvimento de seu sistema de ciência e tecnologia (C&T) e na formação de um parque industrial próprio. Os resultados não tardaram a aparecer. O rádio transistor, desenvolvido pela Sony, ganhou o mundo e seu sucesso estimulou outras empresas japonesas a entrarem no setor da eletroeletrônica. A nova tecnologia foi levada para a indústria automobilística e em poucos anos os carros japoneses ganharam espaço no mercado até então exclusivo das empresas americanas e européias.
No entanto, os maiores beneficiados pela microeletrônica foram alguns países asiáticos que nos anos 60 e 70 eram mais atrasados que o nosso. Taiwan, Coréia do Sul, Malásia e Cingapura não tinham indústrias, riquezas minerais nem vastas extensões de terra, mas souberam, mais do que qualquer outro país, aproveitar a enorme janela de oportunidade criada pela microeletrônica. Em todos eles o processo iniciou-se na década de 70, a partir de ambiciosos planos de desenvolvimento inspirados no Japão. Os planos eram semelhantes e baseados no mesmo quadripé, fortalecimento do sistema educacional básico, apoio à pesquisa e formação intensiva de pesquisadores, forte intercâmbio com o Japão e os EUA e formação de parque industrial composto não apenas de empresas estrangeiras, mas também com grupos nacionais arrojados e dispostos a conquistar autonomia tecnológica. Esses planos foram executados com determinação, perseverança e muito trabalho. O resultado é conhecido de todos.
De países pouco expressivos e problemáticos, eles se transformaram nos "tigres asiáticos", ocupando grande espaço no mercado mundial de tecnologia avançada. O caso de Taiwan é exemplar. No final dos anos 70 o país formava menos de seis doutores em engenharia eletrônica por ano, número insuficiente para apoiar o desenvolvimento pretendido. Com o plano de microeletrônica, as universidades receberam grande apoio para acelerar a formação de doutores, e foi criado um Instituto de Pesquisa Tecnológica Industrial vinculado ao Ministério da Economia. Hoje, o país é o segundo maior produtor de dispositivos eletrônicos da Ásia, mudou sua economia e, mesmo tendo população oito vezes menor que a do Brasil, tem um PIB anual de US$ 300 bilhões, quase metade do nosso.
O Brasil também iniciou uma arrancada para se modernizar nas décadas de 60 e 70. Em 1963, o BNDES criou um fundo para financiar o início dos programas de pós-graduação, que possibilitava o País a formar seus próprios pesquisadores e implantar grupos de pesquisa. Na década de 70, o BNDES transferiu para a Finep o papel de financiador da pesquisa, enquanto o CNPq e a Capes ampliavam os programas de formação de pesquisadores. Os resultados desses programas surgiram rapidamente: Um exemplo de destaque na eletrônica é o dai comunicações ópticas, que pesquisadores da Unicamp e da Telebrás desenvolveram simultaneamente com centros de pesquisa de países mais adiantados.
Entretanto, ao contrário do que ocorreu nos países asiáticos, nossa política industrial dos anos 70 e 80 não foi articulada com programas de C&T. Ela era baseada apenas em um modelo de substituição de importações imposto por barreiras comerciais e tarifárias que dificultavam ou impediam a importação de produtos similares. Esse modelo foi exacerbado nos anos 80, com a reserva de mercado de informática, que estimulou a criação de empresas nacionais no setor super-protegidas da concorrência externa, porém sem programas consistentes de capacitação tecnológica. O modelo equivocado da Zona Franca de Manaus também contribuiu para enfraquecer as empresas nacionais do setor de eletrônica e informática, pois permitiu que as montadoras lá instaladas conquistassem o mercado nacional sem internalizar tecnologia.
Chegou a década de 90 e veio a abertura irresponsável do governo Collor, que reduziu ou eliminou as barreiras alfandegárias sem exigir contrapartida de nossos parceiros comerciais. A falta de competitividade das empresas nacionais, o desinteresse das empresas estrangeiras em continuar fabricando aqui componentes e equipamentos eletrônicos e a inexistência de política industrial estão levando a uma sensível desindustrialização do setor no País. Esse fato, aliado ao aumento do consumo, levou a um déficit comercial do setor com o exterior que atingiu cerca de US$ 8 bilhões em 1997 e que aumenta a cada ano. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) prevê que, mantido o cenário atual, em vinte anos esse déficit atingirá US$ 70 bilhões! Pior, o País tem participação insignificante em um mercado de US$ 1 trilhão anual, portanto tão grande quanto o automobilístico.
Assim, o Brasil não terá muito o, que comemorar no cinqüentenário da descoberta do transistor. Também não celebraremos o 60° aniversário, pois não será possível desenvolver a eletrônica no País em apenas dez anos. Entretanto, como construímos uma base de C&T considerável, certamente a maior e melhor da América Latina, talvez possamos comemorar o 70° aniversário do transistor. Para isso, será preciso elaborar um plano industrial para o setor de eletrônica e informática, com a participação equilibrada de empresas estrangeiras e nacionais e ingredientes semelhante aos planos dos países asiáticos.
Ele deverá incorporar a experiência de inúmeros parques tecnológicos e incubadoras existentes no País e conter um forte programa de C&T e de intercâmbio com o exterior. Os instrumentos necessários já existem e estão no BNDES, na Finep e no CNPq. Os atores estão nas universidades, nos centros de pesquisa e no setor empresarial. O mais difícil, sem dúvida, será executar o plano com determinação, perseverança e muito trabalho, durante vinte anos.
* PhD pelo Massachusetts Institute of Technology. Professor titular de Física da Universidade Federal de Pernambuco, secretário de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco.
Notícia
Gazeta Mercantil