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Uma década de bioinformática (1 notícias)

Publicado em 20 de abril de 2009

Por Fábio de Castro

Agência FAPESP

Em novembro de 1999, a ciência brasileira fez história com o sequenciamento completo do DNA da bactéria Xylella fastidiosa – agente patogênico que causava prejuízos milionários à cultura de cítricos. Utilizando softwares de sequenciamento genético com base na internet, o projeto, financiado pelo Programa Genoma-FAPESP, correspondeu também à introdução da bioinformática no Brasil.

O pioneirismo dos responsáveis pelo desenvolvimento dessas ferramentas tecnológicas – João Meidanis e João Setúbal, que na época coordenavam o Laboratório de Bioinformática (LBI) do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – rendeu aos dois, uma década depois, o prêmio Distinguished Innovators, concedido pela Business Software Alliance (BSA), principal associação da indústria de software mundial.

O prêmio, cujo objetivo é reconhecer a contribuição de indivíduos e organizações para a implementação de tecnologias da informação que tragam benefícios econômicos e sociais a seus países, foi entregue no fim de março em São Paulo, durante o Fórum de Tecnologia, Inovação e Progresso.

Meidanis hoje é professor da Unicamp e presidente da empresa Scylla Informática. Setúbal é professor do Instituto de Bioinformática da Virgínia e do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia (Virginia Tech), nos Estados Unidos.

Entre os outros ganhadores desta edição do prêmio está o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz, devido, segundo a BSA, ao apoio a “pesquisas em ciência da computação na universidade e estímulo a inovação em tecnologia da informação no setor privado, incluindo novos empreendimentos”. Na época do sequenciamento da Xylella fastidiosa, Brito Cruz era presidente da FAPESP.

De acordo com Meidanis, a decisão de centralizar na internet todos os dados do projeto de sequenciamento da bactéria – algo que não era trivial em 1999 – foi responsável por inovações importantes no programa Genoma-FAPESP.

“A equipe envolvida com o projeto tinha quase 200 cientistas e 34 centros de pesquisa. Logo no início percebemos que seria produzido um volume imenso de dados. Na época, a maioria dos laboratórios tinha conexão discada à internet, ou simplesmente não tinha acesso. Mas achávamos que o futuro estava a nosso favor e, mais cedo ou mais tarde, todos teriam acesso rápido à web. Essa decisão se mostrou muito feliz”, disse à Agência FAPESP.

Meidanis conta que entrou em contato com a bioinformática quando cursou mestrado e doutorado na Universidade de Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, entre 1989 e 1992, quando o conceito estava em franco desenvolvimento.

“Fiquei imediatamente interessado, porque, além de perceber que se tratava de uma tendência que seria incontornável no futuro, vi na abordagem da bioinformática a oportunidade de trabalhar com a biologia molecular, que me atraía por ser a parte exata da biologia”, disse.

Trabalho em rede

Quando voltaram ao Brasil em 1992, Meidanis e Setúbal – que retornava também naquele ano de seu doutorado na Universidade de Washington – procuraram disseminar a bioinformática. A dupla lançou, em 1994, o livro Introdução à Biologia Computacional, que, de acordo com Meidanis, foi o terceiro livro sobre bioinformática lançado em todo o mundo.

“Publicamos o livro na tentativa de angariar alunos e divulgar o tema, mas era muito difícil avançar, pois se tratava de uma área nova demais e os estudantes ainda achavam aquilo tudo muito abstrato. Com o projeto Genoma Xylella vimos a primeira oportunidade para que a bioinformática mostrasse definitivamente o seu potencial. Assim que os biólogos ficaram sabendo que precisariam da informática, lembraram de nós”, afirmou.

Com as ferramentas implantadas pelos dois, os biólogos puderam implementar critérios de qualidade on-line para as sequências de DNA que eram produzidas. “Com o tempo, os critérios ficavam mais complexos, mas foi diminuindo a necessidade de trabalho manual para aplicá-los. Os laboratórios enviavam as sequências, os programas processavam tudo, avaliavam a qualidade e disponibilizavam imediatamente na internet”, explicou.

A experiência adquirida durante o sequenciamento da Xylella fastidiosa, de acordo com Meidanis, foi aproveitada posteriormente de múltiplas formas. “As centenas de softwares que desenvolvemos na época foram disseminadas em muitos laboratórios. Praticamente todo mundo que sequencia genoma hoje no Brasil deve ter pelo menos um fragmento dos nossos códigos”, disse.

Outra contribuição foi na formação de pessoal no LBI, que amplificou o alcance da bioinformática no país. “Cerca de 15 bolsistas, pesquisadores e técnicos passaram por lá e alguns se espalharam pelo Brasil. Alguns foram para o exterior com a referência de terem trabalhado conosco”, disse.

Depois do projeto da Xylella fastidiosa, várias outras iniciativas no país levaram ao desenvolvimento de ferramentas de bioinformática, segundo Meidanis, como o sequenciamento do verme responsável pela esquistossomose no projeto Genoma Schistosoma mansoni, financiado pela FAPESP no âmbito da rede Onsa (Organização para Sequenciamento e Análise de Nucleotídeos, na sigla em inglês), uma rede virtual de laboratórios genômicos do Estado de São Paulo.