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Jornal da Unesp online

Uma análise da migração atual (1 notícias)

Publicado em 01 de dezembro de 2007

Desemprego e violência no campo levam jovens maranhenses a trabalhar em canaviais paulistas


Atualmente, o movimento migratório no Brasil parte em direção aos canaviais, saindo de Estados como Maranhão e Piauí, rumo à região de Ribeirão Preto, Interior de São Paulo. Entre os motivos do fenômeno estão a violência no campo e o desemprego, além da demanda por trabalhadores nas plantações de cana-de-açúcar paulistas. São homens jovens, que migram temporariamente durante as safras, deixando para trás mulheres e filhos.

Esse é o perfil da migração no País apresentado pela mais recente pesquisa de Maria Aparecida de Moraes Silva, professora aposentada da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT), câmpus de Presidente Prudente. O objetivo do estudo é revelar os motivos que levam esses jovens a deixar suas cidades em busca de emprego no setor canavieiro.

Para isso, a professora foi até dois municípios onde a saída de trabalhadores costuma ser recorrente: Timbiras e Codó, no Maranhão. Além de depoimentos e documentos, a pesquisa reuniu levantamentos da Pastoral do Migrante e Comissão Pastoral da Terra (CPT). O trabalho foi apresentado recentemente no Colóquio Internacional de Migração e Mobilidade Laboral, na Unam (Universidade Autônoma do México).


Êxodo forçado

Em Codó, a pesquisadora teve acesso a 85 ações judiciais movidas por camponeses expulsos de suas terras, em 2004. Os lavradores acusam o Grupo Maratá de ter invadido as propriedades. De acordo com o processo, casas e roças foram queimadas e os agricultores tiveram de partir para a periferia da cidade ou outras regiões do País. "A violência no campo e o não acesso à terra estão intimamente ligados aos quadros atuais de migração", declara a professora.

Outro fator que contribui para o êxodo na região é a gradativa devastação das florestas de babaçu, por causa do avanço da soja e da pecuária. A população, formada no final do século XIX e composta basicamente por descendentes de indígenas, ex-escravos e quilombolas, tinha o babaçu como principal fonte de renda.

Em Timbiras, um levantamento da Delegacia Regional do Trabalho do Maranhão com 114 famílias revela que 63% possuem membros trabalhando fora da cidade e 57% dos migrantes têm entre 19 e 34 anos. Os minifúndios são 92% dos estabelecimentos rurais, mas correspondem a apenas 6,8% da área total.

A pesquisa aponta o crescimento da grande propriedade rural como a principal causa do aumento das favelas. Entre as famílias abordadas, 20% passaram a viver na periferia urbana há menos de dois anos e 45% são assistidas pelos programas do governo federal, como o Bolsa-família.


Ação dos "gatos"

"Durante a pesquisa de campo, constatamos a presença de uma rede de aliciamento de trabalhadores dessa região para várias partes do País, além de São Paulo", afirma Maria Aparecida. "São os chamados 'gatos', pessoas de outros Estados que se escondem da fiscalização da polícia sob a capa de agenciadores de viagem."

De acordo com a pesquisadora, a aquisição de bens de consumo, como roupas e eletrodomésticos, também influencia as pessoas a ir para outros lugares, principalmente os mais jovens. "Eles vêem o vizinho migrar e, depois, desfilar com celulares e tênis caros", relata.

Ao chegarem à região de Ribeirão Preto, os migrantes são levados a moradias precárias nas periferias das pequenas cidades ou alojamentos no interior dos canaviais. "No segundo caso, o controle é muito grande e exercido pelos 'gatos', que instalam um pequeno comércio onde vendem produtos a preços mais elevados", comenta Maria Aparecida.

Para ela, embora o trabalho de cortador de cana seja cansativo, o que torna essa atividade subumana são as condições de pagamento e exploração impostas. "Há empresas pagando 15 centavos por metro quadrado cortado, o que chega a ser pior do que a remuneração por tonelada", explica a docente.

O estudo também revela que poucas mulheres acompanham seus maridos na migração. Aquelas que vão com eles restringem seu cotidiano aos afazeres domésticos e à espera diária pela volta do cônjuge do trabalho. As esposas que ficam no Maranhão passam os fins de semana com os filhos, esperando um telefonema do parceiro. "As mulheres, enquanto mães ou avós, ao cuidarem da prole, ratificam seus papéis reprodutivos, enquanto muitas outras da região de destino se transformam em prostitutas para atender ao mercado sexual criado pela migração", afirma a pesquisadora.

Cinthia Leone, bolsista Fapesp