Notícia

Jornal do Brasil

Um sonho cada vez mais distante

Publicado em 31 março 1996

Por PAULA AUTRAN
A questão do ensino público não deixa espaço para a múltipla escolha aos estudantes do Rio de Janeiro: para conseguir o privilégio de estudar por conta do governo na universidade, só abdicando deste direito na primeira fase da vida acadêmica. Se até o segundo grau, 70% dos estudantes estão nas salas de aula das escolas públicas e 30% nas das particulares, depois do vestibular raros são os egressos da rede pública que conquistam uma vaga em universidades estaduais ou federais. Nestas instituições, eles não passam de 30% do total de alunos. Nem poderiam, considerando-se que em vestibulares como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) deste ano, apenas 8% dos alunos de colégios públicos inscritos foram aprovados. Pior do que isto: 2% deles conseguiram classificação. "O segundo grau da rede pública chegou a um estágio terminal", analisa o coordenador geral do Vestibular da UFRJ, José Emanuel Pinho. Segundo ele, são os colégios federais que elevam a média das escolas do governo no vestibular, aprovando 47% dos seus inscritos e classificando 18%. Seus resultados são superiores aos dos colégios particulares, que aprovam 40% dos alunos e classificam 14%. "Há muitos particulares em que o ensino é tão ruim quanto um estadual. Por outro lado, o Rio desfruta de situação privilegiada por ter sido distrito federal e herdado instituições federais de alto nível, como os colégios militares", destaca. Vista sob os ângulos de outras universidades públicas, a situação do ensino nas redes municipal e estadual não é diferente. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), por exemplo, só 29% dos candidatos matriculados depois do vestibular deste ano vieram de escolas públicas, contra 59,3% que fizeram primeiro e segundo graus nas particulares. Dos demais aprovados, 5,1 % passaram a maior parte da vida acadêmica em escolas do governo e 4,4% estudaram mais tempo em colégios pagos. Homogênea - Dados da Universidade do Rio de Janeiro (Uni-Rio) revelam uma realidade ainda mais cruel para os alunos que vieram da rede pública. "Embora estes estudantes representem aproximadamente 35% do total da universidade, esta relação não é tão homegênea em todos os cursos. Em Arquivologia, Biblioteconomia, Pedagogia e Museologia, eles chegam a compor 45% das turmas. Já em Medicina e Direito, carreiras mais concorridas, formam apenas 20% ou 25% das turmas", diz a diretora do Núcleo de Vestibular da Uni-Rio, Milda Izaac Telles. Milda informa também que no ranking dos cinco primeiros colocados de cada um dos 12 cursos que a universidade oferece, se destaca um vitorioso aluno da Escola Estadual Antônio Prado Júnior, que prestou vestibular para a área de Saúde. Uma honrosa exceção, já que a mesma escola não classificou um único aluno dos 184 que inscreveu na última prova da Uerj - onde ficou em 185° lugar, num ranking de 253 colégios. Bolsa - Na lista de performance das escolas no concurso deste ano da Uerj, uma das primeiras da rede estadual que aparece na 76a posição é justamente a Paulo de Frontin (onde estudava Luciana Soares, a menina de 17 anos que escreveu ao JORNAL DO BRASIL no último domingo reclamando da falta de mais de 10 professores, até ganhar uma bolsa de estudos de um colégio particular). Na frente dela, só o tradicional Colégio de Aplicação da própria Uerj, o 5º colocado, e o Júlia Kubitschek, 26° - este último, no entanto, amargou a 221ª posição no ranking da UFRJ. Das 100 primeiras escolas da lista da UFRJ, só aparecem dez públicas. São justamente as federais, como o Colégio Naval e o Militar, além do próprio Colégio de Aplicação da UFRJ e do CAP da Uerj. Segundo ele, as demais escolas estaduais que aparecem relativamente bem colocadas são pouco representativas, pois não tem um número grande de classificados. "Estas, informações mostram como a Educação está quase no fundo do poço, deixando o país sem perspectiva", lamenta ele. FORMADO PELA ESCOLA ONDE FOI DAR AULAS NILSON SANTANA Hoje professor de Português. Nilson de Oliveira Santana, de 41 anos, foi educado num dos mais bem conceituados colégios da Penha, na zona da Leopoldina, onde morava. Além das aulas curriculares e de reforço, também aprendeu datilografia, trabalhos manuais e prendas domésticas. Como quase todos os seus colegas de turma, passou no vestibular que prestou para Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1976, e depois de formado fez concurso para lecionar no estado. Aprovado, não pensou duas vezes: escolheu o Colégio Estadual Gomes Freire de Andrade, onde estudou, para trabalhar. Esta história, comum na época, dificilmente se repete hoje. "Creio que se começasse a vida agora não teria passado para a universidade. A escola pública não é mais uma chance de ascensão"', diz Nilson. Filho de bombeiro hidráulico, ele fez o primário na Escola Municipal Pará e o ginásio na João Neves da Fontoura, ambas em Rocha Miranda. "Nunca fiquei sem aulas por falta de professor nem precisei fazer cursinho. "Sou da época em que estudar em escola particular era ruim, meio pagou, passou", relembra. Não faltam saudades ao comparar o Gomes Freire de Andrade de hoje - 222° lugar no ranking das 235 escolas que inscreveram alunos no último vestibular da UFRJ - ao dos tempos de estudante: "Faltam professores, funcionários, giz, mimeógrafo para rodar o texto dos alunos... E os alunos já chegam fracos, desestimulados. O que o tempo não destrói por falta de manutenção, eles se encarregam de estragar", analisa. Longe do Gomes Freire desde 92, Nilson hoje dá aulas no Colégio Paula Barros, no Colégio Estadual Augusto Ruscki, em Paquetá, e na Escola Municipal José de Alencar, em Botafogo. A ESPERANÇA DE CHEGAR AO TERCEIRO GRAU LUCIANE MOREIRA Para Luciane de Melo Moreira, de 20 anos, a esperança de cursar uma universidade é a última que morre. Aluna do Colégio Estadual Central do Brasil, no Méier, até 1994, ela já pensava assim quando conversava com as amigas que estudavam em escolas particulares e percebia que sabia menos. Também aprendia menos pois, com o colégio em obras quando cursava o terceiro ano, só tinha aulas uma semana sim, outra não. No ano anterior, perdia um dia de aula por semana pelo mesmo motivo. E não foi por falta de motivos que repetiu de ano duas vezes. Também não passou nem para a segunda fase dos vestibulares de Direito que prestou para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e para a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em 1995. "Não fiz cursinho nem provas para as faculdades particulares porque sabia que não poderia pagar", conta Luciane, que mora em Quintino e é filha de um motorista e uma dona-de-casa. Desempregada, ela acaba de iniciar um curso de Informática para arranjar um emprego em algum escritório e garantir o pagamento de uma universidade particular. "Desta vez não vou tentar as públicas. Já não tenho base e ainda estou sem prática porque parei de estudar...", lamenta. Antes de estudar no Colégio Estadual Central do Brasil - que este ano só classificou um dos 26 alunos que inscreveu no vestibular da UFRJ e outro dos 36 que inscreveu na Uerj - Luciane foi aluna da Escola Municipal Osvaldo Teixeira. Agora longe dos livros, o sonho de se tornar advogada ficou mais distante. "Gosto de Direito, mas nem sei se dou para a profissão", diz, sem deixar de requentar a esperança. INSTITUIÇÕES PÚBLICAS DE EXCELÊNCIA Em contraste com a maioria dos colégios estaduais, algumas instituições de ensino federais e até mesmo estaduais estão entre as dez melhores do Rio. Equipadas com microcomputadores e laboratórios, e dispondo de um quadro de professores qualificado, elas apresentam alto índice de aprovação no vestibular. A excelência do ensino está diretamente ligada ao grau de especialização dos professores e à carga horária imposta. No Colégio Pedro II, de São Cristóvão, dos 960 professores, 140 são mestres e 16 têm doutorado. O resultado é um índice de evasão baixíssimo, de apenas 1%. Além disso, o colégio conta com 210 microcomputadores em nove laboratórios de informática e já está conectado à Internet. Na Escola Técnica Federal Ide Química, dos 170 professores, 47 são mestres e 12 têm doutorado. O índice de evasão é de 4,5%. "Procuramos fazer um trabalho integrado entre teoria e prática e, por isso, precisamos de uma equipe qualificada", diz a assistente da direção do departamento de ensino da Escola, Dilsa Magioli. A integração, no entanto, também depende dos equipamentos de ponta. Segundo Dilsa, os 16 laboratórios e 20 computadores são essenciais para o sucesso do aprendizado. Dentro de uma semana os alunos da Escola Técnica Federal de Química poderão acessar a internet. O diretor do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefiit), Marco Antônio Lucides, atribui o alto índice de aprovação dos alunos à qualificação de seus professoras, 80% deles têm mestrado e especialização latu sensu. O índice de evasão fica em torno de 5%. Em termos materiais, o Cefet dispõe de uma TV comunitária; - produzida pelos próprios alunos, no estúdio do centro - e laboratórios de mecânica, eletrônica e manutenção de micros. Mesmo com todos os recursos, no entanto, o Cefet enfrenta problemas financeiros devido ao atraso na aprovação do orçamento de 1996 pelo governo.