Notícia

Jornal da USP

Um sinal de alerta para os diabéticos

Publicado em 05 outubro 1998

Por ROBERTO C. G.
A Escola de Educação Física da USP põe à disposição do público uma forma de diagnosticar precocemente a neuropatia periférica - um mal que atinge 50% dos portadores de diabetes. Um grupo do pesquisadores da Escola de Educação Física e Esportes da USP dispõe de um sistema que vai beneficiar os portadores de diabetes. Formado por palmilhas com sensores que medem a pressão exercida pela pessoa ao caminhar, esse sistema, denominado F-Scan, é capa/ de diagnosticar a neuropatia periférica - uma complicação decorrente da diabetes - ainda em estágios muito precoces. Mal que atinge cerca de 50% dos diabéticos depois de 10 a 15 anos após o diagnóstico dessa doença, a neuropatia periférica destrói os terminais nervosos dos pés e mãos, fazendo com que nesses locais a sensibilidade diminua. Sem sentir dor, os portadores da neuropatia tendem a machucar os pés com mais freqüência, o que provoca ulcerações de difícil cicatrização. Em casos mais adiantados, esses machucados levam à amputação da parte afetada. O que o sistema F-Scan faz é justamente descobrir, o mais rápido possível, quando a pessoa está perdendo a sensibilidade nos pés - ou seja, o momento em que a neuropatia periférica começa a consumir os terminais nervosos da sola dos pés do portador de diabetes. Para conseguir isso, o sistema utiliza palmilhas com quatro sensores a cada centímetro quadrado, que transmitem ao computador dados sobre a pressão exercida durante o caminhar. Acontece que, ao andar, os portadores de neuropatia tendem a colocar mais pressão na planta dos pés, exatamente naqueles pontos em que a sensibilidade é menor. Através dos sensores das palmilhas, pode-se saber então onde a pressão é maior e onde, portanto, neuropatia está começando. "Isso se torna evidente nos picos de pressão apontados pelos sensores, que no computador podem ser transformados em gráficos", explica o professor Alberto Carlos Amadio, coordenador do Laboratório de Biomecânica do Departamento de Biomecânica da Escola de Educação Física e Esportes da USP. "Os pés dos portadores de neuropatia apresentam um pico de pressão de duas a duas vezes e meia maiores do que os pés das pessoas normais." A neuropatia periférica é um mal que não tem cura. Uma vez diagnosticada, o que os médicos podem fazer é retardar o processo o máximo possível. Isso se faz com medidas simples. O diabético portador de neuropatia precisa usar calçados e solados especiais, a fim de proteger os pés contra batidas - que provocariam os machucados que, por sua vez, complicariam o quadro e levariam á amputação. "Infelizmente as pessoas que precisam de calcados desse tipo ainda têm muitas dificuldades de encontrá-los no mercado brasileiro", lamenta Amadio. "Na Europa esses calcados já são muito comuns." Os portadores de neuropatia devem ter também um cuidado especial com os pés. Mantê-los sempre limpos e com as unhas dos dedos cortadas é uma forma de evitar a formação de ulcerações. Amadin destaca que é preciso tomar muito cuidado ao cortar as unhas, o que deve ser feito sem que haja sangramento. "Todas as pessoas, e principalmente os portadores de diabetes, tem de cuidar muito bem da saúde e higiene dos pés inclusive com o uso de cremes", destaca Amadio. "Isso não é vaidade: é uma questão de saúde. As boas condições de higiene dos pés vão evitar desconforto e machucados que, especialmente nos diabéticos, trazem problemas sérios." Estima-se que 10% da população brasileira é diabética. TOLERÂNCIA À DOR O empenho de Amadio em colocar à disposição do público uma forma de diagnóstico precoce da neuropatia periférica faz parte de uma pesquisa de quase três anos, intitulada "Avaliação de respostas dinâmicas na análise do andar de indivíduos portadores de diabetes: uma proposta metodológica". Financiada pela Fapesp, a pesquisa analisou três grupos de pessoas, num total de 50 indivíduos - todos provenientes do Hospital Universitário da USP. Um grupo era formado por portadores de diabetes sem sintomas de neuropatia periférica. O segundo grupo compôs-se de diabéticos que já apresentavam sinais da neuropatia. Pessoas sem o diagnóstico de diabetes formaram o terceiro grupo pesquisado. O estudo incluiu um teste de tolerância à dor, que consistiu na emissão de corrente elétrica de baixa intensidade nos pés dos pacientes. Os pesquisadores constataram que os portadores de neuropatia periférica apresentam uma tolerância muito alta aos estímulos elétricos - justamente porque a moléstia arruinou os terminais nervosos no local. "Como a sensibilidade na sola dos pés é quase nula, os portadores da neuropatia com freqüência pisam de mau jeito ou pisam em objetos pontiagudos, machucando os pés", reforça Amadio, insistindo em que esses pacientes tenham o máximo cuidado com a saúde e higiene dos pés. Portadora de diabetes interessados em ser avaliados pela equipe de Amadio devem se dirigir ao Hospital Universitário (avenida Professor Lineu Prestes, 2.565, Cidade Universitária, São Paulo, telefone 011 212-7711). Ali eles passarão por uma equipe especializada do Ambulatório de Assistência ao Diabético e, em seguida, serão encaminhados para o laboratório de Amadio. Até o final do ano, porém, todo o atendimento será feito no HU, onde será inaugurado o Laboratório da Marcha (leia texto abaixo). HU TERÁ LABORATÓRIO DE MARCHA Até o final deste ano, o atendimento aos portadores de diabetes no Hospital Universitário (HU) da USP terá ampla modificação. O hospital deverá implantar o Laboratório de Marcha, onde os interessados poderão se submeter aos exames que diagnosticam a neuropatia periférica. Interdisciplinar, o laboratório terá a colaboração do Laboratório de Biomecânica da Escola de Educação Física e Esportes e do setor de Clínicas Médica e Cirúrgica do HU. O novo espaço permitirá o avanço das pesquisas desenvolvidas na área da biomecânica, com suas inúmeras aplicações - que não se restringem à ajuda aos diabéticos. A análise da marcha humana - objeto de estudo do novo laboratório - traz benefícios, por exemplo, para as áreas de neurofisiologia clínica, ortopedia, traumatologia, reabilitação, geriatria, patologia e disfunções. Há implicações também nas áreas cardiovascular, respiratória, ergonomia e eficiência mecânica. Em linhas gerais, o trabalho dos pesquisadores que integrarão o Laboratório de Marcha é analisar o andar de uma pessoa, diagnosticar seus defeitos e prejuízos destes à saúde e, finalmente, buscar a correção. Uma pesquisa do Laboratório de Biomecânica, por exemplo, estuda a evolução do pé humano. Acostumado a andar sempre calçado, os pés do homem moderno vêm se modificando nas últimas décadas. Dinâmica, a estrutura formada por ossos e nervos acabou sendo moldada pelos calçados, de tal forma que se acentuou a diferença entre pés urbanos e os pés de pessoas habituadas a viver descalças. A conseqüência mais importante disso está na resistência à dor. Enquanto os índios e habitantes de regiões não-urbanizadas raramente se queixam de dores nos pés, as pessoas da cidade com freqüência têm problemas nos seus pés - o que contribui para a sua má qualidade de vida. Essas constatações estão sendo feitas pelo Laboratório de Biomecânica através de uma pesquisa realizada na Ilha do Cardoso, em Cananéia (SP), junto à população local, que não usa calçados. São pesquisas desse tipo - além do atendimento à população - que o Laboratório de Marcha estará apto a realizar.