Eles são os vilões da dieta saudável e seduzem a maior parte das crianças. Se é quase impossível banir os salgadinhos dos hábitos alimentares infantis, por que não criar um tipo nutritivo, capaz de combater a anemia por deficiência de ferro?
Foi com essa preocupação que uma equipe de cientistas da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) desenvolveu um salgadinho pobre em gordura e rico em ferro.
Foram dez anos de acertos e erros até a equipe chegar ao produto final. Um salgadinho com textura, sabor e odor semelhantes aos convencionais. Os 9 miligramas de ferro em cada 100 gramas de salgadinho são garantidos graças a uma matéria-prima descartada no abate de bovinos - o pulmão.
Depois de processado sob os mesmos padrões sanitários da carne que vai para os açougues, o pulmão bovino é submetido a etapas que eliminam sua gordura. Em seguida, é transformado numa espécie de farinha. O salgadinho fortificado contém 90% de milho e 10% de pulmão bovino.
"O pulmão tem três vezes mais ferro do que o fígado bovino", diz o professor titular José Alfredo Gomes Arêas, coordenador do Grupo de Propriedades Funcionais de Alimentos da FSP-USP. O projeto da equipe é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O teor de gordura do produto desenvolvido pelo grupo também é menor do que o dos salgadinhos que existem no mercado. Arêas explica que foram desenvolvidas duas versões: uma com 10% de gordura e outra com zero. Salgadinhos comuns contêm 23% de gordura saturada.
Teste - O salgadinho que saiu do laboratório da faculdade foi testado com sucesso em Teresina (PI). A nutricionista Regilda dos Reis Araújo, professora da Universidade Federal do Piauí, mediu a incidência de anemia em 260 crianças de 2 anos e meio a 7, em duas creches.
Metade das crianças recebeu porções de 30 gramas do salgadinho, três vezes por semana, por dois meses. A outra metade não teve o produto incluído na merenda. Ao fim do período de uso do salgadinho, Regilda voltou a medir a incidência de anemia.
"Entre as crianças que comeram o salgadinho, a anemia caiu de 61,5% para 11,5%", afirma Regilda. Não houve alteração no grupo que não recebeu o salgadinho.
Com menos anemia, melhorou também o estado nutricional geral da criançada. "As mães notaram que seus filhos passaram a se alimentar melhor." O que faz sentido já que além de causar desânimo e cansaço, a anemia também tira o apetite.
Com aroma de bacon, o salgadinho foi bem aceito pelas crianças. Logo no primeiro mês, 95% delas comiam todo o pacote. No mês seguinte, a porcentagem aumentou para 99%.
Para Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, desenvolvimentos como esse são bem-vindos já que a anemia é a principal carência nutricional infantil.
Pelos cálculos da equipe da FSP-USP, o custo adicional na produção do salgadinho fortificado em comparação ao convencional é de apenas R$ 0,09 para cada pacote de 30 gramas.
O próximo passo é encontrar uma indústria interessada em fabricar o salgadinho em larga escala e colocá-lo no mercado. O professor Arêas já fez vários contatos com o setor, mas ainda não encontrou interessados.
(O Estado de SP, 25/3)
JC e-mail 2491, de 25 de Março de 2004.
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