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Jornal da USP online

Um resolvedor de problemas belos (1 notícias)

Publicado em 19 de janeiro de 2015

Por Paulo Hebmüller

Artur Ávila tinha 21 anos quando terminou o doutorado no Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, concluía a graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Antes fizera o mestrado, também no Impa, paralelamente ao ensino médio num tradicional colégio carioca. A trajetória inusitada é consequência de um talento também incomum reconhecido com vários prêmios – o maior deles, a Medalha Fields, considerado o “Nobel” da área (leia mais no quadro), que o pesquisador recebeu da União Matemática Internacional no ano passado.
O laureado falou na USP como convidado especial da abertura do I Congresso Brasileiro de Jovens Pesquisadores em Matemática Pura e Aplicada, organizado por professores e alunos do Instituto de Matemática e Estatística (IME), em dezembro, na Biblioteca Mindlin, na Cidade Universitária. “O Artur existe porque o Impa atropelou, e eu fui o atropelador-mor”, disse Jacob Palis, professor do Impa e presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), à plateia que lotava o auditório e também o saguão do complexo, onde foram colocadas cadeiras para que o público acompanhasse a conferência num telão.
Palis foi um dos responsáveis pelo acolhimento no instituto do então estudante secundarista que em 1995, aos 16 anos, ganhou a medalha de ouro na Olimpíada Internacional de Matemática. “Claro que estou falando um sacrilégio aqui numa universidade importante como a USP”, reconheceu o presidente da ABC, “mas, se a pessoa tem talento, deve ser permitido que ela vá até o fim”, continuou. E que fique bem claro, advertiu: para “atropelar”, não basta querer: é preciso haver um ambiente propício e é preciso também “ter um Artur, ou pessoas que possam enfrentar esse desafio”.
A Medalha Fields – maior premiação internacional já conquistada por um pesquisador brasileiro – traz uma oportunidade de falar em matemática para o grande público e permite que os jovens considerem a possibilidade de ingressar nessa carreira, diz Artur Ávila. “Na época da entrega do Nobel, se fala sobre ciência durante uma semana, as descobertas são divulgadas e o público toma conhecimento de que a ciência está avançando”, compara. “Mas a motivação de entrar numa carreira não deve ser ganhar um prêmio, porque coisas assim não dependem exclusivamente de você, nem da dedicação colocada no seu trabalho.”

Desbloqueios – Artur Ávila trabalha na área de sistemas dinâmicos, definida em linhas gerais por ele em entrevista à revista Pesquisa Fapesp como “o estudo de temas que evoluem com o tempo, com uma regra que descreve a transição de um momento ao próximo, do momento atual até o momento de amanhã, por exemplo”. Modelos desenvolvidos por matemáticos são utilizados em áreas tão diversas quanto a meteorologia até a análise do crescimento ou diminuição da população de uma espécie num determinado ambiente. “É muito importante o fluxo de informações e a troca com pessoas da sua área e de outras. Não existe uma fronteira, mas sim uma transferência contínua”, defende. “Quando se consegue dizer alguma coisa inteligente sobre um comportamento de longo prazo, mesmo que seja de natureza estatística, a gente se dá por muito satisfeito, porque isso pode ser usado na análise de vários problemas.”
O método de trabalho do jovem matemático é também peculiar. Artur Ávila divide seu tempo entre o Impa e o Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês), em Paris. Quando está no Rio, costuma encontrar alunos e colaboradores perto de sua casa – e, quando trabalha sozinho, frequentemente o faz caminhando pela orla. Não tem o hábito de ler, nem mesmo muitos livros ou papers de matemática. Boa parte dos papers que ele mesmo assina – até hoje, mais de cinquenta – é feita em colaboração com outros pesquisadores com quem conversa e que lhe mostram qual o “pulo do gato” naquele tema. “Tive a sorte de resolver vários problemas interessantes em questões que desbloquearam algumas partes de sistemas dinâmicos”, considera. Entre esses desbloqueios estão, por exemplo, soluções para operadores de Schrödinger, utilizados na descrição das mudanças ao longo do tempo do estado quântico de um sistema físico.

Bom gosto – Parece difícil para os mortais comuns – e é, até mesmo para um talento privilegiado como o de Artur Ávila. “Na maior parte do tempo a gente não sabe o que fazer, está perdido e frustrado. Isso é para todo mundo, não é um problema especificamente seu”, afirmou para responder a uma pergunta da plateia. O pesquisador contou também que às vezes, mesmo quando se trabalha intensamente, a solução não vem. “Se você não faz progresso, é porque ainda existe algo que não sabe, e em geral é inútil bater a cabeça na parede até sair a solução. Não vou criar uma ideia só porque quero. Ela vai amadurecendo e aparece no tempo dela. É muito difícil forçar esse momento.”
Enquanto não chega o amadurecimento de uma ideia, Artur Ávila ocupa-se com outras questões simultaneamente. “Continuo trabalhando em problemas que me dizem algo, e existe uma gama deles que vou ‘trocando’ de vez em quando. Trabalho porque gosto dos problemas, porque existe um alinhamento de bom gosto, interesse da própria comunidade e da riqueza matemática dos objetos”, explica. “O matemático puro frequentemente faz matemática porque achou bonito o que está ali em termos de exercícios interessantes que ele vai fazer em torno daquilo, e isso o diverte. Ele considera isso bonito, belo, importante e todas as demais palavras associadas que o motivam.”

"O cientista precisa ser ousado"

A Medalha Fields, que homenageia o matemático canadense John Charles Fields (1863-1932), é entregue a cada quatro anos a um número que varia de dois a quatro matemáticos com, no máximo, 40 anos de idade. Artur Ávila, de 35 anos, é o primeiro latino-americano a receber a honraria, e também o primeiro ganhador a ter feito toda a formação até o doutorado num país não desenvolvido. São apenas 56 laureados desde a instituição do prêmio, em 1936.
A última entrega, realizada no 27º Congresso Internacional de Matemáticos, na Coreia do Sul, em agosto de 2014, marcou também a primeira vez que a medalha foi concedida a uma mulher, a iraniana Maryam Mirzakhani. Os outros premiados da edição foram o canadense de origem indiana Manjul Bhargava e o austríaco Martin Hairer. O Rio de Janeiro abrigará o próximo congresso, em 2018.
“O cientista precisa ser ousado. Essa é uma característica do Artur, de outros matemáticos muito competentes e de cientistas brilhantes. Ousadia é uma palavra essencial, que transcende a ciência”, atesta Jacob Palis. Como bom “atropelador” que é, o professor do Impa critica o apego do Brasil a regras e normas burocráticas que emperram avanços – por exemplo, na contratação de professores estrangeiros, feita com muito mais facilidade em outros países. A respeito, Artur Ávila considera que o fato de ter ido para a França – que reúne a maior comunidade da área do mundo – depois do doutorado foi importante porque o fez “sair da zona de conforto” e trabalhar em temas diferentes dos quais estava acostumado