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Um reconhecimento da comunidade científica (1 notícias)

Publicado em 23 de março de 2015

Por Leila Kiyomura

Quando chegou ao Brasil, em 1973, Aldo Felix Craievich, nascido na província de Santa Fé, na Argentina, e depois naturalizado brasileiro, imaginou que as suas atividades de pesquisa e ensino no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP fossem se estender por apenas um ano. Mas o professor foi travando um desafio atrás do outro, em um tempo em que a física era, como ele próprio ressaltou, “embrionária” no Brasil.
Diante dessa realidade, o estágio temporário se transformou numa longa travessia de mais de 40 anos, contribuindo sempre com o desenvolvimento da física no Brasil. Aldo Craievich se destaca pela sua participação em novos projetos e iniciativas pioneiras de novas organizações, havendo sido um dos responsáveis pela implantação, em Campinas, do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), o primeiro desse tipo no Hemisfério Sul.
Aos 75 anos, o professor foi eleito recentemente membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), na área de Ciências Físicas. Será empossado em maio, na sede da instituição, no Rio de Janeiro. “Considero minha eleição na ABC como um generoso reconhecimento da comunidade científica brasileira à relevância dos resultados de meu trabalho como cientista, docente e participante na criação e consolidação de diversos laboratórios, centros de pesquisa e sociedades científicas brasileiras.” A seguir, trechos da longa conversa de Craievich com o Jornal da USP.

Jornal da USP – Professor, como o senhor iniciou suas atividades na USP?
Aldo Felix Craievich –
Numa reunião da Sociedade Chilena de Física, realizada em Valdivia, no Chile, em janeiro de 1972, conheci Yvonne Mascarenhas, professora do então Instituto de Física e Química de São Carlos (IFQSC) da USP, hoje Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, que me fez uma proposta para ingressar no Laboratório de Cristalografia. Aceitei o convite e, em março 1973, iniciei minhas atividades de pesquisa e ensino, que se prolongaram em tempo integral até 1980. Nesse ano me transferi para o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) do Rio de Janeiro, atendendo a convite do seu diretor, Roberto Lobo.

JUSP – O senhor disse que a sua meta era ficar só um ano no Brasil. O que o levou a mudar de ideia?
Craievich –
Depois de iniciado meu trabalho no IFQSC, em 1973, a situação política geral na Argentina e particularmente as atividades de ensino e pesquisa nas universidades foram se deteriorando, o que me induziu a estender em várias oportunidades meu estágio temporário no Brasil. Essa situação nas universidades argentinas e, por outro lado, os interessantes novos desafios que se foram apresentando no IFQSC e o forte apoio que recebi da comunidade local e das agências de fomento, como a Fapesp e o CNPq, me levaram a decidir transformar meu estágio temporário no Brasil em transferência definitiva. Percebi, nessa época, que tinha encontrado no Brasil condições básicas excelentes e perspectivas promissoras para realizar um bom trabalho de pesquisa.

JUSP – Depois de mais de 40 anos no Brasil, como o senhor avalia a sua contribuição como cientista e professor?
Craievich –
Durante meus 42 anos de atividades de ensino e pesquisa no Brasil, atuei sucessivamente como professor e pesquisador em quatro instituições: O IFQSC, de 1973 a 1980, o CBPF, de 1981 a 1986, o LNLS, de 1987 a 1997, e o Instituto de Física da USP, a partir de 1998, onde continuo até hoje.

JUSP – Quais suas principais realizações?
Craievich –
No então IFQSC, implantei o primeiro laboratório de espalhamento de raios X a baixos ângulos em operação no Brasil. Também iniciei uma linha de pesquisa pioneira sobre materiais vítreos. Por outro lado, em colaboração com Yvonne Mascarenhas, concluí pesquisas estruturais sobre proteínas, também pioneiras.  No CBPF, fui coordenador do Comitê Executivo do Projeto Radiação Sincrotroinica (PRS) do CNPq, que promoveu a posterior criação do LNLS, em 1987. No LNLS atuei como vice-diretor e chefe do Departamento Científico, tendo sido responsável pelo projeto e a construção das primeiras sete linhas de luz e pela organização de um amplo programa de formação de futuros usuários. De volta à USP, contribuí para a consolidação do Laboratório de Cristalografia do Instituto de Física. Por outro lado, continuei minha interação com o LNLS, como usuário frequente, havendo publicado desde 1998 até hoje mais de 120 artigos em revistas indexadas.

JUSP – E como foi a sua participação nas organizações científicas do Brasil?
Craievich –
No decorrer da década de 1990, também participei de diversas ações que conduziram à fundação de duas novas organizações científicas: a Sociedade Brasileira de Pesquisa de Materiais (SBPMat), que já organizou 13 encontros anuais em diversas cidades brasileiras, e a Rede Latino-Americana Matéria, que já promoveu 12 reuniões científicas em oito diferentes países da América Latina.
Durante meu período de trabalho no Instituto de Física, atuei como chefe do Departamento de Física Aplicada, presidente da Comissão de Pesquisa, coordenador do projeto “Propriedades estruturais e magnéticas de materiais” e co-editor do Journal of Synchrotron Radiation. Desde minha aposentadoria compulsória, em fevereiro de 2009 até hoje, continuo realizando atividades de pesquisa no Instituto de Física.

JUSP – O que o senhor considera importante na formação dos futuros físicos?
Craievich –
A transformação de um jovem estudante num bom cientista depende menos da natureza dos temas específicos de estudo e muito mais da forma como os novos conhecimentos são transmitidos e adquiridos. Tanto o professor quanto o estudante devem tratar a compreensão dos novos temas de estudo como desafios a ser enfrentados. Por outro lado, o estudante deve reconhecer e valorizar o trabalho mais difícil dos professores que apresentam os temas de aula, visando à sua compreensão profunda, evitando caminhos fáceis. Sugiro aos jovens estudantes que, na medida do possível, procurem os ensinamentos, conselhos e orientação dos professores que não sejam somente cientistas destacados, mas também mestres dedicados e exigentes.