Quando surgiu, em 2009, a Agência Unesp de Inovação (AUIN) não era exatamente uma novidade. Seis anos antes, já havia sido inaugurada a Inova, da Unicamp, e em 2005, criada outra coirmã – a Agência USP de Inovação. Em universidades e institutos de pesquisa de todo o país nasciam órgãos semelhantes, frutos da Lei de Inovação nº 10.973 de 2004, que previa a criação dos NITs (Núcleos de Inovação Tecnológica), nome formal desse tipo de estrutura, que hoje somam mais de 200.
“Nós ainda não tínhamos aqui a separação entre as Pró-Reitorias de Pesquisa e de Pós-Graduação, e essa distinção se mostrou fundamental para iniciarmos o Q processo de criação do nosso NIT”, afirma Marcos Macari, reitor da Unesp de 2005 a 2009, período em que a AUIN foi projetada e inaugurada. “Enquanto fazíamos essa mudança estrutural, tivemos a chance de refletir e planejar os passos da agência, inclusive aprendendo com os erros das agências em outras instituições.”
A AUIN está entre os 15 NITs do Estado certificados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Isso garante que as criações decorrentes de pesquisas da Unesp feitas com recursos da Fapesp possam ser geridas na própria Agência, e que a titularidade dos ativos de propriedade intelectual (patentes, desenhos industriais, programas de computador etc.) não precisa ser dividida com a Fundação, embora a Fapesp mantenha seus direitos sobre parte da remuneração eventualmente recebida pela Universidade em caso de licenciamento da criação.
De acordo com José Arana Varela, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp, isso só é permitido a NITs que tenham notada eficiência. “Embora apresente uma estrutura enxuta, a AUIN tem alta produtividade e competência para negociar e fechar contratos”, declara Varela, que foi o diretor-executivo da agência no momento de sua fundação.
“Outra vantagem de termos começado depois é que iniciamos nosso processo num momento em que a busca por números de patente já não era importante”, acrescenta Vanderlan Bolzani, diretora-executiva da AUIN. A professora lembra que, nos primeiros anos de implantação, a AUIN precisou divulgar a si mesma e convencer os pesquisadores a procurar o núcleo para intermediar o processo de proteção de propriedade intelectual. Hoje, conforme Bolzani, já há uma busca acentuada pelos serviços da Agência. “Nossa forma de trabalho agora está mais concentrada em selecionar os projetos mais robustos, que tenham mais potencial para chegar à sociedade”, afirma.
Para entender o atual processo de busca por excelência, o Jornal Unesp entrevistou a advogada e engenheira de materiais Fabíola Spiandorello, gerente de Propriedade Intelectual, e o advogado Leopoldo Zuaneti, assessor jurídico da Agência.
Passo a passo
Nem todas as criações levadas à AUIN precisam ou podem virar uma patente. A agência também auxilia os pesquisadores na adoção de outras modalidades mais adequadas para proteger cada tipo de criação: desenho industrial, marca e programa de computador são alguns dos exemplos. Assim, a primeira análise pela qual o resultado de um estudo passa ao chegar à Agência é a indicação de qual seria a melhor forma de proteção.
“Uma patente é um bem industrial, ou seja, um tipo de registro voltado a algo que vai ser fabricado ou usado na fabricação de produto manufaturado”, explica Fabíola. Antes disso, é preciso provar que o conhecimento produzido é de fato uma novidade, ou seja, representa um incremento sobre o estado da técnica. E é nesse ponto que a busca por patentes concorre com a necessidade de publicar em periódicos científicos. “É necessária uma mudança de cultura do pesquisador para que as etapas de patenteamento e publicação sejam feitas em conjunto, para que uma ação não anule a outra”, afirma Leopoldo.
Ele explica que, no Brasil, a Lei de Inovação prevê um “período de graça”, para estudiosos que querem proteger um invento que já foi divulgado, com limite de doze meses após a data da publicação. “Mas, nesses casos, já não há mais a possibilidade de depositar essa patente no exterior”, alerta o advogado.
Além de ser uma novidade, uma inovação também só pode virar uma patente quando tiver o que é chamado de “atividade inventiva”, um critério subjetivo para atestar que esse processo de criação de um novo produto não representa algo óbvio para um técnico daquela área.
Uma particularidade do Brasil é o grande volume de pesquisas com recursos genéticos (plantas, microrganismos, animais). As leis brasileiras preveem procedimentos específicos quando um estudo envolve esse tipo de material ou o conhecimento tradicional associado a ele e obtido em comunidades indígenas, quilombolas e caiçaras, entre outras. Se o autor de uma descoberta não tiver, por exemplo, informado o uso desse material ou conhecimento já no início da pesquisa, a universidade pode receber uma multa de até R$ 5 milhões.
“Quando o processo passa por nossas mãos, procuramos garantir que o que apresentamos para um pedido de patente tenha cumprido todos esses requisitos”, afirma Fabíola. “Nosso rigor nas triagens não busca apenas certificar que os inventos tenham chance de sucesso, mas usar os recursos públicos de modo eficiente e com segurança jurídica para a instituição e para os inventores.”
O pós-patente
No Brasil, os pedidos de patente são depositados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e, como em qualquer lugar do mundo, cada solicitação acarreta, entre outros custos, o pagamento de uma anuidade de valor variável de acordo com a natureza da patente e com o tempo em que ela permanece depositada.
Feito o pedido, a AUIN passa então a fazer o seu acompanhamento e estabelece estratégias para a chamada transferência tecnológica, que ocorre se a inovação chegar à sociedade em forma de produto. Uma das opções mais comuns de transferência é o licenciamento, isto é, quando alguma empresa paga uma espécie de aluguel pelo uso da criação protegida.
Para a transferência, a Agência tem fortalecido a parceria com feiras de inovação, para a apresentação do portfólio de inventos. E, no caso do acompanhamento, a equipe já estuda a criação de uma política de abandono, quando há a descontinuidade do pagamento do pedido de patente junto ao Inpi ou a órgãos equivalentes no exterior, no caso de pedidos feitos também em outros países.
Para essas duas ações, segundo a gerente de Propriedade Intelectual da AUIN, foi fundamental o uso pioneiro no Brasil do software Inteum, da empresa homônima com sede nos EUA. “Estamos, inclusive, apoiando outras agências que querem conhecer melhor a rotina de trabalho com o uso dessa ferramenta”, diz. A utilização desse programa, de acordo com Fabíola, permite organizar toda a vida da tecnologia, do momento em que ela entra na Agência aos eventos em que foi apresentada, negociações para licenciamento, despesas de manutenção do pedido, entre outros aspectos. “Com isso, nós poderemos argumentar com informações técnicas quando será interessante o abandono de um registro no Inpi.”
Mercado
“Sempre questionei se era papel da universidade criar patentes. Tudo isso tem um custo, um risco financeiro, que deveria ser assumido por aqueles que vão potencialmente lucrar com a inovação”, afirma Macari. “Com algumas exceções, a cultura do empresariado brasileiro ainda não favorece o incremento tecnológico”, declara Vanderlan.
O que os dois professores destacam é apontado por especialistas como um dos maiores desafios da inovação no país: o baixo investimento das companhias em pesquisa. Com os trabalhos nessa área concentrados nas universidades e outras instituições públicas e a falta de identificação do setor empresarial com o mundo acadêmico, as inovações têm dificuldade de chegar à sociedade.
“Um dos esforços da nossa agência para vencer essa barreira é o investimento em outras estratégias de transferência diferentes do licenciamento”, afirma Fabíola. Entre essas alternativas implementadas na AUIN, ela cita o contrato de parceria, em que a empresa e a universidade desenvolverão conjuntamente um projeto de pesquisa, cujos resultados serão compartilhados e cuja implementação será facilitada para a empresa.
Outra ação de aproximação com o setor produtivo é a identificação, por parte da Agência, de unidades ou pesquisadores aptos a prestar serviços para a indústria. Exemplo desse tipo de interação, o professor Alcides Leão, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Unesp em Botucatu, participa de pesquisas sob encomenda ou em parceria com indústrias, além de realizar consultorias, testes e ensaios, sobretudo para setores automotivos, de papel e celulose, embalagens e cosméticos.
Há, também, projetos de escritórios de negócios, como o instalado no Parque Tecnológico de Sorocaba. E a Agência apoia, ainda, o Sistema Integrado de Respostas Técnicas (SIRT) da Unesp, que fica em Araraquara, sob a direção do professor Sérgio Fonseca. As instituições integrantes do Serviço Brasileiro de Respostas Técnicas (SBRT) são apenas doze em todo o Brasil – dão respostas técnicas de baixa complexidade a empresários, trabalho realizado de forma gratuita por bolsistas de graduação ou pós para solicitantes de diferentes regiões do país.
O exemplo da Engemap
Há casos de empresas, como a Engemap, que mantiveram uma relação constante com a Universidade após a experiência de negociar por meio da AUIN. A companhia, que está desde 1989 no mercado de cartografia e geoinformação, estabeleceu um plano de negócios para licenciamento de uma tecnologia de aerolevantamento desenvolvida em parceria com o então doutorando da Unesp em Presidente Prudente, o engenheiro cartográfico Roberto Ruy.
A empresa, que gerava entre R$ 4 e R$ 6 milhões ao ano, viu seu faturamento saltar para cerca de R$ 20 milhões. O contrato, firmado em 2009 entre a Fapesp, a Unesp e a Engemap, foi repactuado ao longo dos anos, de acordo com o investimento de cada parte, e ainda gera receita para a Universidade.
A experiência levou a empresa a criar um setor de P&D, que acabou se transformando em uma outra empresa do grupo: a Sensormap, que deve faturar sozinha este ano R$ 2,5 milhões e da qual Ruy é sócio-diretor, cargo acumulado com o de responsável técnico da Engemap. “Instalamos a Sensormap em Presidente Prudente exatamente para manter esse vínculo com a Unesp, que nos fornece recursos humanos qualificados, desde estagiários de graduação até doutores para estudos em parceria”, afirma o engenheiro cartográfico.
Outro exemplo de interação com as demandas do mercado foi a criação de um equipamento de exame gastrointestinal baseado na tecnologia de Biossusceptometria de Corrente Alternada (BCA), uma alternativa de baixo custo e menos invasiva do que as técnicas atuais de diagnóstico gastrointestinal, como a cintilografia. Fabiano Carlos Paixão, um dos inventores, fez a pesquisa durante seu doutorado na Unesp e hoje é professor da Universidade Federal de São Paulo. A patente de sua criação, depositada pela AUIN, foi licenciada pela empresa americana Paix Medical Instruments, que o próprio Paixão ajudou a fundar em 2011.
Para a professora Vanderlan, a própria existência da AUIN permite uma maior proximidade da Unesp com o setor produtivo. “Ao fazer uma parceria com a Universidade via Agência, há mais segurança técnica e jurídica, o que é bom para o empresário, para o cientista e para a instituição”, diz a pesquisadora. “O investidor sabe que aquele recurso tecnológico passou por uma triagem e que todo o processo está garantido do ponto de vista legal.”
Mais informações sobre a AUIN podem ser obtidas no site da agência, no endereço http://goo.gl/DympAK
Ou pelo e-mail auin@unesp.br
UIN mostra sua cara
A seguir, apresentamos dez pedidos de patente da AUIN que buscam empresários interessados. O portfólio conta com 179 inventos.
AGUARDENTE DE RESÍDUOS
Utiliza o bagaço da laranja rejeitado pela indústria de sucos concentrados e o fermento residual de cervejarias. O processo, concebido por uma equipe da Unesp em Araraquara, consiste na criação de um licor com os restos da fruta, que, depois de fermentado, é destilado e envelhecido em tonéis de madeira. Além de dar uma destinação ecológica para os resíduos, o projeto permite um ganho econômico para o setor envolvido. Empresa de ex-aluno da unidade pode licenciar e produzir a bebida.
KIT PARA IDENTIFICAR VÍTIMAS DE DESASTRES
Parceria da Unesp em Araraquara e da Universidade de Munster, na Alemanha, tecnologia permite a identificação de pessoas a partir de amostras muito degradadas de DNA ou mesmo de quantidades muito pequenas de material genético. Método também utiliza número maior de marcadores, ou seja, características genéticas que permitem a diferenciação dos indivíduos: são 42 contra 16 dos testes convencionais. Isso garante mais chances de identificar vítimas com alta variabilidade genética, como é o caso da maioria da população brasileira. Projeto está em fase de transformação num kit para defesa civil, paramédicos e bombeiros.
SENSOR PARA EQUILÍBRIO DE TRATOR
O dispositivo, chamado inclinômetro, detecta a inclinação e emite um alerta quando há risco de tombamento do veículo. O projeto foi contemplado pelo Acelerador Tecnológico (edital realizado pela própria AUIN em 2012) e ganhou uma prova de conceito – um teste adicional que dá ainda mais garantias de que a tecnologia funciona. Desenvolvido na Faculdade de Engenharia da Unesp de Bauru, o mecanismo tem baixo custo e pode ser acoplado a qualquer trator.
HERBICIDA NANOENCAPSULADO
Com a aparência de um herbicida líquido comum, o defensivo nanoencapsulado é mais eficiente no combate a fungos nas plantações e tem menos impacto ambiental. Também foi contemplado com recursos do Acelerador Tecnológico de 2012 para sua prova de conceito, e os testes laboratoriais confirmaram os efeitos esperados. A equipe de criadores é da Unesp de Sorocaba. GOMA DE MASCAR ANTICÁRIE Um chiclete que, além de não fazer mal aos dentes porque não contém açúcar, também inibe a formação de cáries a partir da liberação de probióticos (microrganismos benéficos para a saúde) durante a mastigação. A ideia foi desenvolvida na Unesp em Araraquara e há mais de uma empresa interessada no produto. As negociações ocorrem em sigilo.
COLA BIOLÓGICA
Selante de fibrina feito a partir de veneno de cascavel e sangue de grandes animais de criação (bubalinos, equinos, bovinos ou ovinos), com aplicação para redução de perda sanguínea em pós-operatórios e para coleta e transporte de células. Desenvolvido pelo Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (Cevap), da Unesp em Botucatu, o produto está em fase clínica (testes em humanos). Já tem programada uma produção em escala piloto e atraiu a atenção de laboratórios públicos para a produção em escala industrial.
SENSOR PARA DIAGNÓSTICO DE HEPATITE C
Um grupo da Unesp em Araraquara criou um teste mais eficiente para detectar hepatite C do que o modelo importado utilizado pelo SUS. O tempo de resposta é de 6 minutos, contra 30 minutos do sistema atualmente usado. O sensor tem aplicação ainda para indicar hemorragia em partos e potencial para uso em hemocentros e bancos de órgãos.
TESTE DE ALBINISMO EM BÚFALOS
O albinismo pode levar búfalos a ter severos problemas de pele e fotofobia, com impactos para o manejo e a produtividade do rebanho. Um teste desenvolvido na Unesp de Botucatu, que não tem concorrente no mercado, promete diagnóstico rápido e preciso, permitindo ao produtor preparar acasalamentos que garantam um rebanho 100% livre de albinismo.
NOVO TRATAMENTO DE TUBERCULOSE
Desenvolvido pela Unesp de Araraquara, consiste em um conjunto de compostos ativos que combatem o bacilo da tuberculose. O produto tem baixo custo de obtenção e potencial para tratar pacientes com infecções resistentes às drogas atuais.
SENSOR DE GÁS TÓXICO
Parceria da Unesp de Araraquara com o Massachusetts Institute of Tecnology (MIT) criou um sensor químico que detecta a presença do dióxido de nitrogênio com a maior sensibilidade e a maior seletividade já obtida. Com aparência de confetes de papel, o produto foi patenteado nos EUA pelo MIT e no Brasil em 2014.