Notícia

Gazeta Mercantil

UM PAÍS CHAMADO SÃO PAULO

Publicado em 23 janeiro 2004

Por Marcelo Moreira
O empresário e engenheiro gaúcho César Paz criou em 1998 uma pequena empresa de informática em Porto Alegre com o ambicioso objetivo de criar soluções integradas administrativas e de conteúdo para empresas usando a internet. A idéia logo mostrou-se bastante viável e sua empresa, a AG2, expandiu-se para Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, o principal pólo tecnológico do estado. A grande mudança ocorreu quando a Embraer contratou os serviços da empresa para estruturar todo o seu portal de negócios e, depois, toda a solução geral de internet para integrar os seus parques industriais. Tornou-se necessária, então, a abertura de uma filial da AG2 na cidade de São Paulo. A velocidade com que os negócios foram surgindo fizeram com que a empresa crescesse de tal forma que a filial paulistana rivalizasse em importância com a matriz. "Os grandes clientes e os grandes negócios estão em São Paulo, não há como fugir disso. A tecnologia está ao alcance de nossas mãos", afirma Paz. A AG2 é um dos milhares de exemplos que estão transformando a cidade de São Paulo em um dos mais importantes pólos disseminadores de tecnologia do continente. A globalização e a saída de grandes indústrias para o interior paulista e outras regiões do Brasil obrigaram a economia paulistana — levando junto a região da Cirande São Paulo — a se reinventar. E a resposta foi bastante rápida, segundo os especialistas: a alta tecnologia é a saída para a região metropolitana e São Paulo pode se tornar em poucos anos um gigantesco centro tecnológico, disseminando pesquisa e soluções em alta tecnologia e biotecnologia. O triângulo São Paulo-São José dos Campos-Campinas e suas respectivas regiões metropolitanas já desponta em publicações internacionais como o grande pólo tecnológico da próxima década no hemisfério Sul. Um dos mais interessantes estudos sobre a industrialização da cidade de São Paulo já alertava para o fenômeno. No artigo "O impacto da globalização em São Paulo e a precarÍzação das condições de vida", publicado em agosto do ano passado no site chileno Scielo Chile, a professora Maria Cristina da Silva Leme, da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, relata o abandono pelas indústrias dos eixos ferroviários da capital paulista. "Grandes e médias indústrias deixaram a localização junto aos grandes eixos ferroviários e rodoviários (antiga ferrovia Santos-Jundiai e rodovias Anchieta e Presidente Dutra), havendo a dispersão de milhares de pequenas indústrias misturando-se com outros usos e ocupando inclusive áreas da periferia. Nas novas territorializações da produção em São Paulo convivem a modernização tecnológica e gerencial das empresas mais capitalizadas, em geral transnacional, e a precarização dos vínculos empregatícios e das condições de trabalho nas micros e pequenas unidades. As grandes indústrias com mais de 500 empregados ou fecham sua fábrica e migram para outras regiões ou reduzem o seu quadro de empregados", escreveu a professora. Perda de investimento A pesquisa de investimento para o estado de São Paulo, realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), mostra que do total de U$$ 7.4 bilhões anunciados no primeiro semestre de 2003, 48,7% (U$$ 3.6 bilhões) destinaram-se a municípios do interior e litoral. (Veja, no alto na página, a tabela "Força concentrada") Os municípios da região metropolitana de São Paulo apresentam anúncios de investimentos de US$ 2,9 bilhões, o que corresponde a 39,8% do total. "Isso é um debate grande da desconcentração da atividade produtiva. O interior está lentamente alcançando seu espaço, mas há decadência de investimentos na região metropolitana", explica o analista e economista do Seade, Guilherme Montoro. De acordo com a pesquisa, 14% dos investimentos na indústria destinam-se a municípios da região metropolitana de São Paulo, enquanto 60% dos investimentos ficaram com os serviços. Em contrapartida, no interior, 75% dos investimentos vão para a indústria. Outra pesquisa, esta realizada pelo Ieme (Instituto de Estudos Metropolitanos), mostra que a economia da Grande São Paulo, fortemente influenciada pelo esvaziamento industrial do ABC, no período entre janeiro de 1996 e dezembro de 2002, foi marcada pela perda de R$ 46,1 bilhões no índice de Potencial de Consumo — que mede a capacidade de gasto da população com produtos e serviços. A Grande São Paulo viu desaparecer R$ 15,9 bilhões de sua indústria de transformação, como é definido o valor adicionado. Essa pesquisa foi baseada em dados oficiais dos governos federal e estadual. O valor de R$ 46,1 bilhões representa praticamente o poder de compra do estado do Paraná, de acordo com a revista Atlas do Mercado Brasileiro. (Veja a tabela "O segundo estado", na página 2 da presente edição.) Rosa afirma que esse "é um caminho muito interessante para seguir, com alto valor agregado e excelente inserção no mercado mundial globalizado". Ele acredita que o conceito de parques tecnológicos cabe muito bem à realidade aluai das principais regiões metropolitanas industrializadas do estado. "Tanto pelo custo baixo quanto pela estrutura que o gerenciador do projeto tem que permite maiores facilidades na atração de capital de risco, sem falar que as empresas, durante o desenvolvimento dos produtos, praticamente, não teriam custos tributários". Diferentemente das incubadoras de empresas, o parque tecnológico não faz restrição para uma empresa se instalar no local. No começo, é claro, será um reduto de pequenas empresas com ótimas idéias mas sem condições para iniciar o negócio. Entretanto, grandes empresas interessadas em aproveitar a proximidade com as universidades para desenvolver produtos, são bem-vindas. O parque tecnológico consiste na reunião em um mesmo terreno de empresas de base tecnológica para a criação/produção/desenvolvimento de novos projetos, utilizando infra-estrutura comum — jurídica e de marketing, por exemplo — com apoio de universidades e seus laboratórios. Os primeiros parques serão instalados em São Carlos, Campinas, São Paulo e São José dos Campos. O sonho de Rosa é ver surgir desses novos parques de 70 a 80 empresas sólidas de base tecnológica por ano. "Creio que, com apoio da iniciativa privada, possam receber em dez anos investimentos em torno de US$ 10 milhões a US$ 20 milhões", calcula. Dentro da prefeitura de São Paulo esses conceitos são temas freqüentes de discussão entre os técnicos e estudiosos que planejam o crescimento da cidade. Milhares de empresas de base tecnológica avançada mudaram a cara de bairros de classe média como Pinheiros, na zona oeste, Vila Olímpia e Brooklin Novo, na zona sul. O fenômeno pode repetir-se em outras áreas, como a zona leste, a mais pobre de São Paulo. Revitalização São várias as idéias de revitalizar economicamente aquela região, mas é consenso dentro da administração paulistana de que bairros como Penha, Tatuapé, Vila Carrão e até alguns mais afastados, como Vila Matilde e São Mateus, podem se transformar em pólos importantes, aproveitando a proximidade dos imponentes parques industriais de Santo André e Mauá, cidades vizinhas pelo lado leste da Grande São Paulo. O governo estadual compartilha dessas opiniões e já tem em mãos projetos de infra-estrutura que facilitariam a transformação da zona leste. O Rodoanel Mário Covas, quando completo, será uma ligação vital das rodovias Presidente Dutra, Ayrton Senna e Fernão Dias - e conseqüentemente do aeroporto internacional de Guarulhos — com as rodovias Anchieta e Imigrantes, encurtando a distância do porto de Santos. O pacote incluiria também o prolongamento da estrada Jacu-Pêssego até o aeroporto de Guarulhos, e uma via de interligação dessa com o bairro de Sertãozinho, em Mauá, até a Anchieta. "Essas intervenções praticamente resolveriam os gargalos produtivos e os problemas logísticos que asfixiam a Grande São Paulo", diz o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Logística é a palavra-chave para a atração de novos investimentos. São Bernardo, por exemplo, conseguiu aprovar projeto de US$ 275 milhões a serem gastos até 2009 no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para remodelar seus principais acessos viários. Santo André já está no terceiro ano de implantação do projeto Eixo Tamanduatehy, destinado a revitalizar a região leste do município e que prevê investimentos de US$ 1 bilhão até 2020. A mudança da vocação econômica de São Paulo e de sua região metropolitana passa também pelos estudos e considerações de especialistas reunidos nas chamadas agências de desenvolvimento. "A idéia é instigante, pois oferece novos paradigmas para que haja a modernização urbana e, maior democratização nas discussões sobre como disciplinar as atividades econômicas e a busca de novos recursos", diz Marcos Pazzini, outro coordenador de pesquisas do Ieme. Participação integrada Para o economista Jeroen Klink, secretário de Desenvolvimento e Ação Regional de Santo André, um dos maiores especialistas em regionalidades do Pais, a parceria entre iniciativa privada e poder público será um dos principais motores de desenvolvimento regional. "São Paulo e sua região metropolitana são terrenos férteis para o florescimento de iniciativas capazes de acelerar o desenvolvimento econômico e social, além de atrair novos recursos e estimular a diversificação de atividades." O conceito - e experiência - da Agência Regional de Desenvolvimento Econômico do ABC, podem servir como modelo para São Paulo. Segundo Klink, também um dos executivos da agência do ABC, organismos internacionais de financiamento têm interesse crescente em agências de desenvolvimento que não sejam conduzidas apenas por governos locais (que podem abandonar projetos depois de uma eleição), mas que contem com associações de empresários, sindicatos de trabalhadores e universidades. O setor público tem participação minoritária (49%) na agência do ABC. O ABC, atingido fortemente pela abertura comercial dos anos 90 e sobretudo pela descentralização da produção automotiva, teve redução de 31,3% na transformação industrial entre 1996 e 2002, segundo pesquisa do leme, e 25,5% no potencial de consumo. A Região Metropolitana de São Paulo, de 39 municípios, apresentou resultados menos dramáticos que os do ABC. com queda de 25,9% no potencial de consumo e 10,2% no valor adicionado. Quando excluída a região, o que reduz a Grande São Paulo a 32 cidades, os resultados são menos tensos: a metrópole sem o ABC perdeu 26% em potencial de consumo e apenas 3,3% em valor adicionado. A Região Metropolitana de Campinas, formada por 19 municípios e cuja população de 2,450 milhões de pessoas equivale a pouco mais que o Grande ABC, apresenta resultados menos satisfatórios que os da Baixada Santista: o potencial de consumo da Grande Campinas mergulhou 13,4%, enquanto a riqueza de transformação industrial subiu 26,6%. A microrregião de São José dos Campos, no Vale do Paraíba, com oito municípios, aparece com números parecidos: o produto de transformação industrial avançou 29,2% e o potencial de consumo caiu 14,1%. Completando os estudos, o leme detectou que a microrregião de Sorocaba, de 15 municípios, reduziu em 6,3% o potencial de consumo, enquanto o valor adicionado praticamente estacionou, com queda de 0,4%. "O que se transformou em realidade indisfarçável é que a Região Metropolitana de São Paulo e o Grande ABC em particular se tornaram espécie de zonas cinzentas, de desenvolvimento econômico, com conseqüências sociais que as estatísticas de criminalidade escancaram", afirma Daniel Lima, um dos coordenadores do leme. O pesquisador diz quer a transferência de plantas industriais em direção principalmente às regiões de Campinas, São José dos Campos e Sorocaba solidifica a tendência de a Grande São Paulo ganhar roupagem mais expressiva de prestação de serviços. Como as atividades do setor terciário da Grande São Paulo não são exatamente de valor agregado, exceto em uma gama de atividades na capital, o desenho de rebaixamento salarial formal e informal entre os empregados e desempregados industriais ganha tiragens recordes e afeta duramente o potencial de consumo. Parques tecnológicos Tanto Lima, do leme, quanto Montoro, da Fundação Sede, concordam em que a alta tecnologia oferece possibilidades interessantes como alternativa à indústria tradicional. A cidade de São Paulo possui infra-estrutura completa e necessária para empresas do setor, além de contar com algumas das principais universidades do País, bem como centros de pesquisa de primeiro mundo, como o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), os vários laboratórios da USP, a Fapesp (Fundarão de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), a FEI (Faculdade de Engenharia Industrial, de São Bernardo do Campo), Instituto de Engenharia Mauá (São Caetano) e muitos outros. "As bases estão lançadas e a cidade tem capital intelectual e tecnológico para liderar as pesquisas e o desenvolvimento de uma nova indústria", diz o professor Sylvio Rosa, presidente da Fundação ParcTec — primeira incubadora de empresas da América Latina bem sucedida, surgida em 1985 em São Carlos (interior de São Paulo). Segundo ele, já existe um movimento bastante avançado no estado de São Paulo, e fundamentalmente na capital e na Região Metropolitana, de investimento em tecnologia. São Bernardo do Campo e Santo André já possuem suas incubadoras de empresas com base na alta tecnologia e na química fina; São Caetano está implantando um distrito industrial no bairro Cerâmica para empresas do setor e Osasco segue os mesmos passos.