A USP está liderando um movimento que poderá mudar radicalmente o ensino de química no estado de São Paulo. Trata-se de um projeto orientado pela professora Reiko Isuyama, do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química da USP, denominado Desenvolvimento e Avaliação de Material Didático de Química para o Secundo Grau. Financiado com recursos da Fapesp - através de seu programa de apoio ao ensino público -, esse projeto nasceu para suprir a falta de recursos didáticos com que se defronta o professor de química do ensino médio.
Hoje, os professores secundaristas de química simplesmente não dispõem de nenhum material que possa ajudá-los a ministrar suas aulas - a não ser o mesmo livro usado pelos alunos. Com seu projeto, a professora Reiko pretende justamente oferecer aos docentes livros que forneçam mais informações e novos modos do apresentar as lições. "Na Europa. Estados Unidos e Japão, os professores contam com livros volumosos, que auxiliam o seu trabalho durante todo o ano", afirma Reiko. "No Brasil, não existe nada disso."
Essa situação deve mudar em breve, porém, graças ao trabalho da equipe da professora Reiko. Em um ano de atividades, a equipe já preparou 50 aulas - hoje ainda em forma de apostilas sob o título "Material complementar do professor" -, que cobrem todo o conteúdo de química das primeiras e segundas séries do segundo grau. Esse material é aplicado como uma complementação do curso de química do Telecurso 2000 - produzido pela Fundação Roberto Marinho e formado por dois volumes com 25 aulas cada -, que a Secretaria Estadual de Educação resolveu estender aos alunos regulares da rede pública. Cada volume do Telecurso 2000 é acompanhado por um vídeo de 15 minutos cada.
O OZÔNIO E O GÁS CARBÔNICO
O material produzido pela equipe da professora Reiko é, de fato, bastante enriquecedor. Tome-se como exemplo a apostila referente às aulas 13 a 18. Nela, além de encontrar mais informações sobre a matéria a ser ensinada, o professor recebe orientações sobre a melhor forma de conduzir a aula. Para fazer com que os alunos entendam os conceitos apresentados, por exemplo, a apostila sugere que o professor, ao assistir ao vídeo junto com os alunos, "pare as imagens e converse sobre o que está acontecendo". "Nas cenas das experiências a câmera focaliza os detalhes. Pare o vídeo e chame a atenção para esses detalhes", orienta a apostila.
E mais: em cada apostila, o professor conta com uma segunda parte em que são explicadas questões que se relacionam com as lições e podem surgir nas aulas - como, por exemplo. "Por que o gás carbônico ajuda a manter a temperatura da Terra?". "O que é radiação solar?". "O que é o buraco na camada de ozônio.'" e "O que é ozônio?". "Os professores que tem usado esse material dizem que, com isso, entram na classe com muito mais segurança", afirma Reiko.
Mas o comentário dos professores não é a única evidência de que o trabalho de Reiko tem dado ótimos resultados. A equipe se preocupou em ouvir o que os alunos da rede pública acham das aulas ministra d a s com o auxílio das apostilas. Numa pesquisa feita com 31 alunos de primeira série do segundo grau da Escola Estadual Andrônico de Mello, na Capital, as respostas foram até inesperadas. Nada menos que 97% dos alunos responderam que gostam, sim, das aulas de química. Outros 3% responderam "mais ou menos". Ou seja, nenhum aluno daquela classe disse não gostar da disciplina. Na mesma classe. 55% dos alunos disseram estar entendendo as aulas de química - e 45% afirmaram que estão aprendendo, mas gostariam de entender mais.
A razão desse interesse pela química, segundo Reiko, está na forma como o seu material a apresenta. Nas apostilas da professora, a química está diretamente relacionada à realidade do aluno. Ao invés de incompreensíveis fórmulas e conceitos abstratos - que fizeram sofrer os estudantes de química nas últimas décadas -, o que se vê ali é a explicação de substâncias e materiais comuns no cotidiano, como o amarelamento dos livros ou gibis e a reação provocada pelos catalisadores instalados nos veículos. É dessa forma que o aluno é introduzido ao estudo. "O que nós tentamos é fazer com que o aluno tenha uma atitude investigativa e busque saber por que acontece aquilo que ele vê", explica Reiko. "E importante que ele desenvolva essa capacidade não só nas aulas de química, mas também em todas as suas atividades."
É com esse mesmo objetivo que a professora edita a cada dois meses o folheto Reação, que tem tiragem de 20 mil exemplares e é distribuído gratuitamente para as escolas públicas. Numa linguagem fácil e acessível ao aluno secundarista. Reação explica, por exemplo, como ocorrem as reações que bronzeiam a pele e por que acontece a transformação da amônia em uréia, que é eliminada pela urina. O folheto pode ser solicitado pelo telefone (011) 818-3865. O material da equipe da professora Reiko está sendo distribuído aos professores da rede pública através dos cursos de capacitação promovidos pela Secretaria Estadual de Educação, com financiamento da Capes e da Fapesp. Iniciado em fevereiro e com término previsto para dezembro, esses cursos estão aperfeiçoando 114 professores de química, que freqüentam aulas uma vez por mês - na USP ou nas delegacias de ensino -, participam de cursos intensivos em fevereiro, julho e dezembro e, ao final, recebem um certificado de extensão universitária fornecido pela USP.
Embora ainda experimental, o trabalho da professora Reiko já despertou a atenção de especialistas. Tanto que ela deverá firmar um convênio com empresas e instituições de ensino, a fim de dar continuidade ao projeto de aprimoramento dos professores de química do secundário. Essas instituições são a Secretaria Estadual de Educação, USP, Unicamp. Unesp, Associação de Escolas Particulares, Associação Brasileira de Engenharia Química e Conselho Regional de Química, entre outras. "Esse convênio será importante para fortalecer o projeto", diz Reiko. A professora lembra que a Fundação s Carlos Chagas fará a avaliação permanente do trabalho, que conta com o - apoio do Conselho Britânico, órgão cultural do Consulado Britânico em São Paulo.
Notícia
Jornal da USP