Conheça o invejável currículo do cientista ijuiense Cylon Gonçalves da Silva, autor do livro De Sol a Sol, editado pela Oficina de Textos, de Vila Mariana, São Paulo (SP)
Através do nosso amigo Rolando Axt, professor aposentado de Física da UFRGS e nosso colega nos tempos do antigo jornal Correio Serrano, recebemos cópias de páginas do livro De Sol a Sol, escrito pelo cientista ijuiense Cylon Gonçalves da Silva (filho do dr. Solon Gonçalves da Silva e da professora Jorgelina Tricot da Silva, casal de saudosa memória na comunidade ijuiense).
Cylon é membro titular da Academia Brasileira de Ciências, sendo atualmente coordenador adjunto de Programas de Cooperação Internacional e Energia da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Tivemos o nosso interesse despertado por essa obra pelo físico ijuiense Marcus Zwanziger, do Instituto de Física da Unicamp, de Campinas (SP). A leitura daquelas páginas, que trazem um depoimento do autor sobre a sua trajetória de vida, não apenas nos impressionou vivamente como nos levou ao desejo de torná-la conhecida e difundida, principalmente porque deve servir como um belo exemplo às novas gerações.
Assim pensando, não perdemos tempo. Logo procuramos obter, via internet, a devida autorização do autor e da editora Oficina de Textos (www.ofitexto.com.br), rua Cubatão, 959, Vila Mariana, São Paulo (SP). Autorizações concedidas, vamos reproduzir, a seguir, os textos das páginas 125, 126 e 127 do livro De Sol a Sol, que contém dados biográficos do autor e cujo capítulo tem o título
Uma carreira sem tédio
Sou brasileiro de Ijuí (RS) e físico formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Nasci numa época tão antiga, que nem televisão havia. Mas já havia a bomba atômica! O Sputnik, primeiro satélite artificial, subiu quando eu tinha 12 anos inspiração para, com pólvora comprada no armazém da cidadezinha onde cresci, fazer foguetes. Poucos subiam, mas, ao menos, todos faziam barulho. E endoidavam a vizinhança.
Minha mãe era professora, meu pai era médico, mas minha inclinação não era para cuidar de doentes. Como todo adolescente que tinha propensão às exatas, cursei o ensino médio, chamado na época de Científico, cuja grade curricular enfatizava disciplinas como Física, Química e Matemática.
Uma das minhas opções era fazer o vestibular para o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), mas engenharia não me interessava muito... Como sempre na vida, o acaso é muito importante. Um professor de Física do Científico, jovem e muito entusiasmado Anildo Bristoti -, era ligado ao Instituto de Física da UFRGS.
Justamente naquele início dos anos 1960, tornou-se prioridade nacional para os Estados Unidos reformular o ensino de Física, a fim de despertar novos talentos, em parte por causa da competição com os russos pela conquista do espaço. Grandes cientistas criaram o PSSC, Physical Science Study Commitee, que produziu um novo currículo de Física para estudantes da escola secundária.
Esse projeto, que trazia propostas didáticas inovadoras, chegou ao Brasil na época em que eu cursava o Científico. O Anildo oferecia esse curso fora do horário regular de aulas, na garagem de uma casa particular, para quem se interessasse. Lá fui eu, brincar com tanques de água, pêndulos e lentes. No último ano do Científico, ele ofereceu na Universidade um curso de Introdução à Mecânica Quântica e me convidou para assistir. Não tinha a menor ideia do que estava acontecendo, mas serviu para me acostumar com equações diferenciais e com os conceitos muito diferentes da mecânica do átomo.
Acabei prestando o vestibular para Física no final de 1964. Ainda não sabia que rumo tomaria minha vida profissional. Terminei a graduação em 1967, mas não havia pós-graduação formal em Porto Alegre. Passei um ano fazendo pesquisa (cheguei até a ser coautor de um trabalho em Eletrodinâmica Quântica) e dando aulas na Universidade, quando surgiu a oportunidade para fazer um doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley.
Viajar para o exterior, há 40 anos, era bem mais difícil do que hoje em dia. Para um moleque de 22 anos, aquilo era pura aventura. Pedi uma ajuda a meus pais, juntei economias e fui. Cheguei à Califórnia no final de março de 1969.
Nos Estados Unidos, eu só tinha dinheiro para sobreviver três meses. Estudei como um doido, com uma carga horária que era o dobro daquela de um estudante começando a pós-graduação lá (e contra a recomendação do meu orientador acadêmico). Felizmente, passei muito bem em todos os cursos; por coincidência, dois de Mecânica Quântica (o velho Anildo!).
Pronto, as portas se abriram: consegui uma vaga de monitor (corrigindo listas de exercícios e respondendo a perguntas dos alunos), com isenção das taxas pesadas que a Universidade cobrava de estudantes estrangeiros. Naquela época, o Brasil não dava muitas bolsas para estudantes fazerem pós-graduação no exterior, mas fiz um pedido ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Como eu já estava fora e meu desempenho tinha sido bom, consegui uma. Porém, eu havia ingressado direto no doutorado, e o CNPq exigia mestrado. Burrocracia brasileira... Felizmente, lá fora o pessoal é mais flexível. A Universidade da Califórnia me concedeu um mestrado por eu passar no exame de entrada no doutorado.
Aliás, meus dois diplomas da Califórnia são assinados por Ronald Reagan (estrela de filmes B americanos e ex-presidente dos EUA). Não é que sejam falsos, comprados em um estúdio em Hollywood: ele era, na época, o governador do Estado.
Creio que é fundamental para um cientista, ter experiência profissional fora do seu país. Os cientistas no Brasil ainda são muito protegidos! Há aluno que vai do jardim da infância à aposentadoria sem sair da mesma universidade. Faz pós-doutorado com o mesmo orientador do doutorado (e mestrado e iniciação científica), às vezes por sugestão do próprio orientador! Isso não estimula o crescimento profissional, o amadurecimento como pesquisador independente. O bom profissional tem de cortar o cordão umbilical e fazer seu próprio caminho.
Ainda durante o doutorado, estudei um ano na Dinamarca e, lá, conheci minha esposa, Jennifer, uma australiana. Temos dois meninos: um de 30 anos (Anders, Biologia) e outro (Per, Ciência da Computação) de 26. Nas estadias mais prolongadas que fiz como pesquisador fora do Brasil, quando eles eram crianças, íamos todos juntos.
Ao retornar ao Brasil, passei um período ainda em Porto Alegre, mas depois fui para a Universidade Estadual de Campinas, em 1974, onde fiz a maior parte da minha carreira. Em 2001, tornei-me Professor Emérito da Unicamp. Lembro-me de que, quando me perguntaram se aceitaria a homenagem, disse que sim, se pudesse dar uma aula. Escolhi como tema a Nanotecnologia.
Quando dei essa aula, no início de 2002, pouca gente tinha ouvido falar no assunto. Hoje, a Nanotecnologia está em toda a parte. Durante 2002, ajudei o Ministério da Ciência e Tecnologia a começar a formular uma política de desenvolvimento da Nanotecnologia para o Brasil.
Em 2004, aceitei um convite para dirigir a Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia. Fiquei apenas um ano e meio no cargo. Foi uma grande experiência profissional, mas saí porque não me sentia bem na função. Um cargo em Brasília tem muita atividade de representação. Almoços, discursos, reuniões, exposição pública. Sou uma pessoa reservada; não gosto dessas coisas.
Fui secretário por um tempo curto, mas aprendi muito: Biotecnologia, Biodiversidade, Mudanças Climáticas, Antártica, Oceanos, Nanotecnologia, Amazônia eram alguns dos temas de ciência sob a responsabilidade da Secretaria. Em 2005, quando o Ministro Eduardo Campos, que me havia convidado, saiu do Ministério, optei por voltar para São Paulo para dirigir um instituto privado de pesquisa, onde fiquei até 2007.
Acho que minha carreira, entre universidade, governo e institutos de pesquisa, inclusive um privado, mostra que há muito trabalho que pode ser feito por um físico. Hoje em dia, além do mais, há oportunidades para jovens empreendedores que desejam transformar seu conhecimento em produtos e serviços no mercado.
Estão surgindo inúmeras novas empresas a partir dessas novas ideias de jovens talentosos. É uma mudança muito positiva para o Brasil. É assim que nossa economia vai crescer, gerar empregos e tornar-se competitiva internacionalmente, assegurando o desenvolvimento do País.
Seja em que área for, a Ciência é uma das carreiras mais interessantes que se pode seguir na vida. Sempre existe uma coisa diferente para fazer. Cada problema bem resolvido faz surgir outros problemas, igualmente fascinantes.
Veja o tema deste livro: Energia. É uma questão central para a sobrevivência de nossa civilização. Envolve Física, Química, Meio Ambiente, Computação, Engenharia, Economia e tantos outros temas. O bonito da carreira científica é que o trabalho não entedia. Cada dia é uma novidade ou no seu trabalho ou no trabalho dos outros.
Sobretudo hoje em dia, quando a Ciência e a Tecnologia se tornam cada vez mais multi e interdisciplinares. E o contato com os jovens que vão ingressando na pesquisa é renovador. Impede nosso cérebro de esclerosar antes do tempo.
A carreira de Ciência e Tecnologia é a única que conheço na qual você pode enriquecer constantemente (intelectualmente, claro!). Você não cansa do que faz. Por isso, é raro ver um bom cientista realmente aposentado.