Em 2013, com base em amostras colhidas em 360 pontos do Estado de São Paulo, Davi Cunha e outros pesquisadores da USP de São Carlos e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) verificaram que a qualidade da água dos rios paulistas continua aquém dos limites impostos pela legislação. A informação consta da matéria de capa da Revista Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) deste mês de dezembro.
O problema vem sendo objeto de alerta há mais de uma década. Em 2002, somente 17% do esgoto doméstico gerado nos 645 municípios do Estado era tratado antes de ser jogado nos rios, reduzindo a qualidade de água e a diversidade biológica, de acordo com estudo coordenado por Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP de Piracicaba. Em 2006, segundo a reportagem, Juliano Groppo e Jorge de Moraes, do mesmo grupo, verificaram que persistia a degradação na bacia do rio Piracicaba.
"As agências responsáveis pela qualidade de água dizem que o tratamento de esgotos aumentou, mas não vimos melhoria palpável nos rios da região", afirma Martinelli. "Não sei onde está o problema. Temos hoje um bom conjunto de leis, mas algo não está funcionando. Temos de ver onde falhamos".
Antes e depois
A reportagem tem como inspiração a exposição intitulada "O tempo e as águas: formas de representar os rios de São Paulo", que estará em cartaz até março no Arquivo Público do Estado de São Paulo, na capital paulista. Ao todo, são 17 mapas, fotografias e cadernetas com registros de campo de engenheiros e cartógrafos.
Logo na entrada, um choque cultural. Um mapa de 5 metros de largura por quase 2 de altura compara o curso original e sinuoso dos rios Tietê e Pinheiros em 1916 com o curso retificado na Grande São Paulo de 2013. "A sobreposição dos trajetos sintetiza as ideias e interesses que resultaram em uma cidade de rios retos, encobertos, malcheirosos, cruzados por pontes com passagens de pedestres geralmente estreitas", escreve o editor Carlos Fioravanti.
Cachoeiras perdidas
O jornalista conta que ao selecionar o material do período colonial para a exposição, a equipe encontrou um mapa "impressionante" intitulado "Planta do rio Tietê ou Anemby na capitania de São Paulo desde a cidade do mesmo nome até sua confluência com o rio Grande ou Paraná". O documento é importante para se avaliar o que foi feito com o Tietê hoje fétido e estreito da capital e que vai se alargando à medida que corta o Interior Paulista.
A carta cartográfica, com data estimada do início do século 19, detalha a riqueza ainda intocada das cachoeiras e os portos e fazendas que os viajantes encontravam rumo ao portentoso rio Paraná. Registra o salto de Itapura, quase na foz do Tietê. O salto desapareceu com as barragens de Jupiá e de Ilha Solteira e de Itapura restou o nome da cidade reerguida após o represamento.
Alerta ao Interior
Por volta de 1810, o salto de Itapura era tão somente uma das 150 cachoeiras do Tietê posteriormente encobertas pelas usinas geradoras de energia. O assoreamento reduziu a diversidade de peixes. "As cidades do Interior não precisam fazer as mesmas besteiras que fizemos em São Paulo (capital)", alerta o historiador Janes Jorge, da Unifesp. A reportagem de Fioravanti acrescenta: "No entanto, o que se vê, por enquanto, são cidades do Interior que tentam ser modernas canalizando, cobrindo ou aterrando rios que, quando expostos, exibem uma carga crescente de poluição".
Arrependimento
A crítica se refere a contextos como o verificado em Bauru, que há décadas encobriu um curso d'água para construir uma avenida majestosa, a Nações Unidas. Sensível a questões ambientais e pressionado pela população a dar solução às enchentes de verão, o atual prefeito chegou a cogitar descobrir o trecho e fazer aflorar o Córrego das Flores, hoje ignorado pela população. Seria uma forma de prevenir os alagamentos na área urbana que já resultaram até em morte. Mas logo concluiu que a obra seria inviável. É apenas um exemplo que se repete em muitas cidades do Interior Paulista.
"São Paulo afogou os rios"
A frase é de Rodolfo Costa e Silva, coordenador dos programas de despoluição do rio Tietê e da recuperação das marginais dos rios Tietê e Pinheiros, na capital. A cidade de São Paulo, com seus rios maltratados, "é um exemplo do que pode acontecer quando o poder de decisão está concentrado em poucos grupos de poder", afirma o historiador Luis Ferla, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Programas que contam com a participação de municípios da Grande São Paulo, empresas e organizações não governamentais, preveem a construção de ciclovias, calçadões e parques ao longo dos 50 quilômetros de marginais e navegação dos rios, até mesmo unindo, por barco, os aeroportos de Congonhas e de Guarulhos. Um projeto utópico, mas não impossível, que pretende resgatar a paisagem perdida e a imagem saudável que os rios despertaram na natureza explorada pelos pioneiros.
Sonho possível
Rios vivos outra vez?, pergunta a revista Fapesp. A resposta é do arquiteto Fernando de Mello Franco, secretário de Desenvolvimento Urbano da cidade de São Paulo: "Estamos em um momento de inflexão, com novos conceitos, como o de urbanização da paisagem, em que a transformação do território não é realizada prioritariamente para amparar a produção, mas para amparar a vida. A paisagem não é dada, não desfrutamos a paisagem como um viajante do século 16, somos nós que a construímos".