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Da Agência Fapesp
Uma pesquisa em 2010 e divulgada este mês pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP (Universidade de São Paulo) realizada em 11 capitais brasileiras revelou que mais de 70% dos 4.025 entrevistados apanharam quando crianças. Para 20% deles, a punição física ocorreu de forma regular -uma vez por semana ou mais.
Castigos com vara, cinto, pedaço de pau e outros objetos capazes de provocar danos graves foram mais frequentes do que a palmada, principalmente entre aqueles que disseram apanhar quase todos os dias. O objetivo da pesquisa, segundo Nancy Cardia, vice-coordenadora do NEV, foi examinar como a exposição à violência afeta as atitudes, normas e valores dos cidadãos em relação à violência, aos direitos humanos e às instituições encarregadas de garantir a segurança.
Embora o percentual dos que afirmam ter sofrido punição física regular tenha diminuído na última década -passando de um em cada quatro entrevistados para um em cada cinco-, ainda é considerado alto. A pesquisa mostrou também que a percepção da população sobre crescimento da violência diminuiu, passando de 93,4% em 1999 para 72,8% em 2010. No último levantamento, porém, foi maior a quantidade de entrevistados que disse ter presenciado em seus bairros uso de drogas, prisão, assalto e agressão.
"A pergunta sobre a punição corporal na infância se mostrou absolutamente vital para a pesquisa. Ao cruzar esses resultados com diversas outras questões, podemos notar que as vítimas de violência grave na infância estão mais sujeitas a serem vítimas de violência ao longo de toda a vida", disse Cardia. A explicação mais provável para o fenômeno é que as vítimas de punição corporal abusiva na infância têm maior probabilidade de adotar a violência como linguagem ao lidar com situações do cotidiano.
"A criança entende que a violência é uma opção legítima e vai usá-la quando tiver um conflito com colegas da escola, por exemplo",disse Cardia.
Os entrevistados que relataram ter apanhado muito quando criança foram os que mais escolheram a opção "bater muito" em seus filhos caso esses apresentassem mau comportamento. Também foram os que mais esperariam que os filhos respondessem com violência caso fossem vítimas de agressão física na escola. Segundo os pesquisadores, os dados sugerem um ciclo perverso de uso de força física que precisa ser combatido.
Os resultados foram comparados com levantamento semelhante ao de 1999, realizado pelo NEV nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Recife, Belém, Manaus, Porto Velho e Goiânia. No levantamento de 2010, a capital Fortaleza também foi incluída.
Um achado considerado preocupante pelos pesquisadores foi o crescimento da tolerância ao uso de violência policial contra suspeitos em determinados casos. O número de pessoas que discorda claramente da tortura para obtenção de provas caiu de 71,2% para 52,5%, o que significa que quase a metade dos entrevistados (47%) toleraria a violência nessa situação.
Também caiu o percentual dos que discordam totalmente que a polícia possa "invadir uma casa"; (de 78,4% para 63,8%),"atirar em um suspeito" (de 87,9% para 68,6%), "agredir um suspeito"; (de 88,7%, para 67,9%) e "atirar em suspeito armado"; (de 45,4% para 38%).
Quando questionados sobre qual seria a punição mais adequada para delitos considerados graves -entre eles sequestro, estupro, homicídio praticado por jovem, terrorismo, tráfico de drogas, marido que mata mulher e corrupção por político-, muitos entrevistados defenderam penas que não fazem parte do Código Penal brasileiro, como prisão perpétua, pena de morte e prisão com trabalhos forçados.
A pena de morte foi mais aceita em casos de estupro (39,5%) e a prisão com trabalhos forçados foi mais defendida para políticos corruptos (28,3%).
"Já esperávamos que a população apoiasse penas mais duras por causa da frustração que existe em relação à impunidade. O conjunto das respostas indica que as pessoas consideram as prisões como um depósito",avaliou Cardia.
Para a maioria dos entrevistados, a prisão é percebida como pouco ou nada eficiente tanto para punir (60,7%) e reabilitar (65,7%) criminosos como para dissuadir (60,9%) e controlar (63%) possíveis infratores. Essa questão foi avaliada apenas na pesquisa de 2010.