Notícia

Jornal da Unesp

Um dia para não esquecer

Publicado em 01 setembro 2002

O ano de 2002 ficará marcado na memória do povo brasileiro pela conquista do pentacampeonato Mundial de Futebol na Copa da Ásia. Para a UNESP, porém, a palavra "penta" estará também associada a uma outra conquista. A bezerra da raça nelore, Penta, assim batizada para homenagear a conquista da equipe brasileira, nascida em julho último, no Hospital Veterinário da UNESP, em Jaboticabal, é o primeiro ser vivo da América Latina a ser clonado a partir do núcleo de uma célula adulta. "Usamos o mesmo método utilizado para a produção da ovelha Dolly, o primeiro clone mundial de um mamífero adulto, nascido há cinco anos na Escócia", explica o coordenador do projeto, o médico veterinário Joaquim Mansano Garcia, da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da UNESP, campus de Jaboticabal. Penta nasceu, de cesariana, dia 11 de julho, às 11h, pesando 42 kg, peso superior à média de um animal da sua raça - que varia entre 35 kg e 38 kg. A cirurgia foi necessária porque a receptora ("mãe de aluguel") não apresentava sinais clínicos de entrada em trabalho de parto, mesmo com a proximidade do prazo máximo de gestação de 290 dias. "A falta de sinalização para a parturição e o sobrepeso são algumas das características verificadas em animais clonados, possivelmente devido a deficiências funcionais da placenta", diz o docente. A bezerra é o terceiro animal clonado do País. Os primeiros foram a bezerra Vitória (da Embrapa, em Brasília) e o bezerro Marcolino (da USP), gerados, respectivamente, a partir de células embrionárias e fetais, processos considerados mais simples. "O sucesso com a clonagem a partir de uma célula de animal adulto foi obtido graças a uma equipe que inclui, além do chefe da pesquisa, três doutorandos orientados por ele e cerca de 20 cientistas da UNESP e dos campi da USP de Pirassununga e Ribeirão Preto", frisa Garcia, que, graduado pela FCAV, realizou seu pós-doutorado na Universidade de Montreal, Canadá, no laboratório do brasileiro Lawrence Charles Smith, também formado pela FCAV. (Veja quadro.) Além da utilização da célula de um animal adulto, outra inovação da pesquisa foi o uso de um método inédito no País: a ativação do embrião com cloreto de estrôncio, técnica já utilizada no Exterior em camundongos, mas transferida para bovinos em trabalho desenvolvido como tema da dissertação de mestrado apresentada na FCAV pela médica veterinária Simone Cristina Méo. "O cloreto de estrôncio é um sal que, ao induzir a formação de vários picos de cálcio, mimetiza o processo de fecundação natural", explica a pesquisadora. Dessa maneira, a utilização do estrôncio para a produção de Penta difere das ativações anteriormente realizadas com clonagem no Brasil - e mesmo com a de Dolly -, que utilizaram enzimas bloqueadoras de síntese protéica 6-DMAP ou pulso elétrico, métodos menos fisiológicos. O objetivo da clonagem que resultou na bezerra Penta, além de aprimorar a técnica da clonagem e buscar o melhoramento genético animal, é uma futura utilização dos resultados nas pesquisas em seres humanos. "Estudamos o que ocorre com as mitocôndrias, estruturas celulares que produzem a energia das células e estão relacionadas a várias doenças degenerativas em humanos. Por isso, precisamos conhecê-las melhor", afirma a médica veterinária Christina Ramires Ferreira, doutoranda da FCAV, que trabalha com herança mitocondrial em embriões bovinos. O material genético da célula adulta de Penta foi retirado da vaca da raça nelore POI (puro de origem importada) BP4212, de 19 anos, e o óvulo no qual ele foi inserido foi proveniente de uma vaca de abatedouro sem identificação, mas contendo mitocôndrias da linhagem européia Taurus. Quando o citoplasma e o núcleo da primeira - o animal copiado - são colocados no óvulo da segunda - a doadora - surge o embrião, que é inserido na "mãe de aluguel", a receptora, a vaca mestiça holandesa número 2132, após um período de desenvolvimento embrionário inicial in vitro, ainda em laboratório. "Parte de nosso esforço foi implantar a técnica de clonagem de animais adultos buscando um método que melhor se adequasse às condições de nosso laboratório", explica o médico veterinário e doutorando da FCAV Walt Yamazaki, que trabalha especificamente com a técnica de clonagem, testando métodos de transferência nuclear e de ativação citoplasmática. "Ele, ao manipular o material genético, é o pai da Penta, mas eu sou o avô", brinca, orgulhoso, Garcia. Para a pesquisa, foram desenvolvidos cerca de 300 embriões, mas apenas 19 reuniam condições de ser transferidos para 15 vacas receptoras. Em 30 dias, elas foram avaliadas e somente quatro embriões se desenvolveram. Destes, três não suportaram 75 dias. O que se desenvolveu, a futura Penta, nasceu de cesariana. Passados 288 dias da gestação, foi feita a indução com corticóide para levar à maturação pulmonar do feto e estimular o parto. Mesmo assim, não houve contrações. Procedeu-se então à cesariana, que teve como único problema a aspiração de líquido da placenta pela bezerra, que poderia provocar uma pneumonia asséptica. Passadas as primeiras 72 horas, em que havia risco de vida, Penta se recuperou bem. "Devido às dificuldades no parto, a 'mãe de aluguel' não pôde lamber a bezerra e não a reconheceu como a sua cria. Por isso Penta foi alimentada com mamadeira até o sétimo dia de vida, quando foi adotada por duas "mães de leite", duas vacas holandesas", conta Yamazaki Oscar D'Ambrosio OS PASSOS DA CRIAÇÃO É removida uma célula da pele da cauda da vaca nelore BP 4212. É ultilizado o óvulo de uma vaca cujo núcleo é removido O citoplasma e o núcleo, com o DNA da célula que se deseja clonar, são fundidos ao óvulo. O embrião é induzido a se desenvolver in vitro como se fosse proveniente da fertilização de um óvulo por um espermatozóide. Para garantir o processo, é realizada a ativação com cloreto de estrôncio. Nasce Penta, uma bezerra nelore geneticamente idêntica à vaca que foi copiada. O embrião obtido é implantado na "mãe de aluguel", a vaca mestiça holandesa número 2132. QUALIDADE EM PESQUISA Investimentos de mais de R$ 900 mil O projeto para obter a tecnologia de clonagem na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) recebeu, desde 1999, um montante de recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) que superou R$ 935 mil. Nesse valor, estão incluídos equipamentos, bolsas para os pesquisadores, materiais e gastos com importações, entre outros itens. Apenas em equipamentos foram gastos aproximadamente R$ 560 mil, dos quais R$ 420 mil em produtos importados. "É gratificante ver nossos pesquisadores ocuparem uma posição de liderança na América Latina", avalia José Carlos Souza Trindade, reitor da UNESP. O diretor científico da Fapesp. José Fernando Perez. ressalta a importância do projeto para a ciência brasileira. "É uma demonstração da qualidade da pesquisa em ciência e tecnologia desenvolvida hoje no País." Com esse trabalho, o grupo da UNESP se consolida como uma liderança nacional e internacional na área de reprodução bovina", afirma. Os projetos para atingir a tecnologia de clonagem começaram em 1986, com pesquisas voltadas para fecundação. "Quando retomei, em 1997 do meu pós-doutorado na Universidade de Montreal, no laboratório em que trabalha o brasileiro especialista em clonagem Lawrence Charles Smith, formado na FCAV, começamos de fato a nos preparar para a clonagem", conta Garcia.