No seu aniversário de 455 anos, a Cidade recebe um presente magnífico - três volumes, em edição de luxo, sobre cem anos de imigração em São Paulo, de
Fotos, ilustrações, mapas e gráficos, em cores e em preto e branco, em plenitude de beleza e informação, povoam o Atlas da Imigração Internacional em São Paulo 1850-1950. Nele temos dados ilustrados sobre a população estrangeira no estado de São Paulo desde os tempos do Império, com capítulos especiais sobre italianos, portugueses, espanhóis, alemães, japoneses e um capítulo especial sobre outros estrangeiros. Como nos outros dois volumes, Roteiro de Fontes sobre a Imigração em São Paulo 1850-1950 e Repertório de Legislação Brasileira e Paulista Referente à Imigração, estes só com minuciosas informações por escrito, a edição é das historiadoras Maria Silvia C. Beozzo Bassanezi e Ana Silvia Volpi Scott, do historiador Carlos de Almeida Prado Bacellar e do sociólogo Oswaldo Mário Serra Truzzi; no Repertório colaborou também a historiadora Marina Gouvêa.
De um certo modo, também está documentada a contribuição africana para a formação da população paulista, pois há dados no Atlas sobre os escravos durante o Império. Um gráfico nos informa que,de 1872 a 1874, está registrada a entrada de 100 mil estrangeiros no Brasil, mas nenhum na então Província de São Paulo. Em compensação,dos 600 mil imigrantes entrados no País de 1890 a 1894,400 mil vieram para o já estado de São Paulo.
Em 1854, na Província paulista, a população escrava representava 28 % dos habitantes, com 70,4 % e 1,5 % de estrangeiros. Já em 1886 os escravos eram 12,1 %, os brasileiros livres eram 83,7 % -e os estrangeiros eram 4,2 %. Em 1900 os estrangeiros, no Estado, já representavam um quinto da população total.
Em 1850, quando a população estrangeira era mais numerosa no Litoral Sul da Província, em Iguapé, o colono T. Davatz assinalava: "É lamentável, em todo caso, a sorte desses negros. Eles sabem que são espoliados e isso deve tornar-lhes ainda mais amargos os espancamentos e outros maus tratos que sofrem. Existem, porém, senhores que, sob todos os aspectos, tratam muito bem seus escravos, de sorte que estes vivem por assim dizer melhor do que muitos pretos livres, forçados a cuidar eles próprios de arranjar trabalho e sustento. E isto é particularmente exato em relação às cidades do litoral. Também é preciso ter em mente que muitos negros deixam de trabalhar bem se não forem convenientemente espancados. E se desprezássemos a primeira iniquidade a que se sujeitam, isto é, sua introdução e submissão forçada, se por outro lado admitíssemos a escravidão como condição justa, teríamos de considerar em grande parte merecidos os castigos que lhes impõem os seus senhores. Mas a verdade é que também há escravos sérios e ativos, capazes de*trabalhar mesmo sem fiscalização, e,-em alguns casos melhor do que muito branco". Assim, o atlas inova, pois, ao tratar da saga da imigração, não deixa de lado os negros, que podem ser considerados "imigrantes forçados".
No entanto, é claro que o espaço principal é dedicado aos imigrantes livres, na prática exclusivamente brancos. Nesse campo são comoventes particularmente as fotos, em especial as mais antigas, mas também há documentações reveladoras, como a petição de imigrantes italianos que declaram que foram forçados a se declararem brasileiros (possivelmente para os fazendeiros escaparem à fiscalização pelo governo italiano), também nos anos 1850, quando sua vontade era continuarem sendo "italianos livres".
No Roteiro de Fontes, são pesquisados todos os arquivos do Arquivo Público do Estado de São Paulo, do Memorial do Imigrante, da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados-SEADE, do Arquivo Edgard Leuenroth do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, e do Instituto. Agronômico de Campinas.
São literalmente milhares de itens, a começar, em meados do século 19, de "ofícios encaminhados ao Secretário da Agricultura por autoridades da Hospedaria dos Imigrantes, Inspetoria de Terras, Colonização e Imigração, Núcleos Coloniais, Instituto Agronômico", a respeito de "solicitações de pagamentos de passagens; solicitações de fornecimento de materiais e gêneros; leilões de bagagens; mapas sobre entrada de imigrantes na Hospedaria de Imigrantes; anteprojeto de um regulamento para o serviço dos Núcleos Coloniais do Estado, 1893; orçamento para a construção de uma hospedaria de imigrantes em Santos, 1893; pedidos de nomeação, pedidos de verba; assuntos funcionais diversos; pedidos de repatriação de imigrantes".
Por exemplo, a 24 de agosto de 1898, o inspetor Tertuliano Gonçalves enviava ó seguinte informe ao secretário da Agricultura: "Envio-vos os inclusos documentos referentes a 799 imigrantes italianos e austríacos, os quais introduzidos pelos contratantes A. Fiorita &Cia., vieram pelo vapor 'Vapor S. Gottardo' e deram entrada na hospedaria desta Capital no dia 10 de junho p. passado. Desses Imigrantes aceitou em número de 474, correspondem a 336 ¼ passagens que importam em L1.625.10.0, para cujo pagamento aos contratantes, até o dia 7 de setembro p. vindouro, rogo-vos as necessárias providências". Pode-se deduzir que, dos 799 recém-chegados, apenas 474 estavam em situação plenamente regular e foram aceitos pela Hospedaria dos Imigrantes. Desses 474, muitos "deviam ser menores que pagavam menos pela passagem de navio; as passagens deviam ser ressarcidas, em liras italianas, pela Secretaria da Agricultura à firma que contratara os imigrantes. Dessas 474, muitos deviam ser menores que pagavam menos pela passagem de navio; as passagens deviam ser ressarcidas, em liras italianas, pela Secretaria da Agricultura à firma que contrata os imigrantes.
No Repertório de Legislação, o primeiro item é a provisão colonial de 9 de agosto de 1747, que “dá providências para condução e o estabelecimento de casais de açorianos no Brasil, e o segundo, já depois da vinda da Família Real, é o decreto colonial de 25 de novembro de 1808, que "permite a concessão de sesmarias aos estrangeiros residentes no Brasil". Em suma, o triplo presente é belo esteticamente, dramático do ponto de vista humano, e extremamente informativo.
Renato Pompeu é jornalista e escritor, autor do romance-ensaio O Mundo Como Obra de Arte Criada pelo Brasil, Editora Casa Amarela.