Comparar a quantidade de açúcar em um suco normal e outro light ou, então, verificar a qualidade do leite longa vida. Esses testes, hoje limitados a laboratórios e indústrias, estão cada vez mais perto do consumidor. Isso graças, inclusive, à colaboração de uma série de estudos do Campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde um grupo de pesquisadores tem desenvolvido material em filmes ultrafinos para aplicação em sensores voltados a produtos das indústrias de alimentos e análises clínicas.
"Já temos vários sensores prontos. Precisamos, agora, buscar as áreas de desenvolvimento de software e engenharia para produção e disponibilização no mercado", revela a professora do Departamento de Física, Química e Matemática (DFQM-So) da UFSCar Marystela Ferreira, líder do Grupo de Pesquisa em Nanociência e Nanotecnologia Aplicada em Sensoriamento, cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Entre os sensores já produzidos estão aqueles que medem a quantidade de açúcar nos leites sem lactose. "Os leites zero lactose têm altos níveis de açúcar", relata Ferreira, que também liderou estudos que resultaram no desenvolvimento de sensores que medem a quantidade de açúcares em refrigerantes e outros que aferem o colesterol no organismo. Outro sensor mede a quantidade de peróxido (água oxigenada) no leite. "O leite tem muito peróxido, muito mais do que deveria ter, que é adicionado pela indústria para conservar e estende a data de validade do produto", alerta a professora.
Para viabilizar os sensores, são desenvolvidos novos materiais em forma de filmes, de espessura menor que 100 nanômetros (um nanômetro tem um milionésimo de centímetro), utilizando polímeros orgânicos, híbridos (orgânico e inorgânico), enzimas e proteínas. Os filmes ultrafinos são fabricados pelas técnicas espectroscópicas e de imagem. "Usamos as técnicas espectroscópicas para analisar grupos funcionais da molécula, ligações que estão se formando entre os materiais e como esses materiais estão organizados no filme (se estão deitados, em pé ou perpendicular ao substrato)", detalha Ferreira. Já a técnica de imagem permite aos pesquisadores verificarem as dimensões das moléculas e também aferir qual a contribuição do material orgânico e do inorgânico nos materiais híbridos.
É justamente a preocupação em caracterizar os materiais por meio dessas técnicas para posterior aplicação nos dispositivos um dos diferenciais da pesquisa em relação aos estudos na área. "Exploramos a propriedade nanométrica desses materiais e aproveitamos o efeito sinergético dessa junção, tirando o melhor de cada um deles, na mistura, em forma de filmes", diz a professora do DFQM-So.
A aplicação desses materiais é feita predominantemente em dispositivos eletroquímicos tais como sensores e biossensores e aplicados ao sensoriamento ambiental e clínico e em sistemas drug delivery, que direcionam a droga a alvos específicos no organismo. "Por exemplo, no caso de um câncer de pele, é possível fazer um filme com uma determinada droga e aplicá-lo como um adesivo ou tatuagem, para liberar o medicamento só na região afetada pela doença, ou seja, o drug delivery direciona [o medicamento] para o alvo e evita os efeitos colaterais", exemplifica a docente.
FORMAÇÃO EM PESQUISA
A pesquisa tem como título geral "Fabricação, Caracterização e Desenvolvimento de Dispositivos Eletroquímicos visando sensoriamento e drug delivery" e abarca estudos em vários níveis de formação. Atualmente, a equipe é formada por pesquisadores de pós-doutorado, doutorado, mestrado e alunos da graduação que desenvolvem iniciação científica, todos com bolsas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) ou do CNPq. O grupo conta, também, com colaboradores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP), Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (Unesp, campus de Presidente Prudente) e da Universidade de Dublin, na Irlanda.
Os estudos tiveram origem na Unesp, quando Ferreira era bolsista na categoria de Jovem Pesquisador da Fapesp. A partir de 2007, ano em que ingressou na UFSCar, ela implantou a linha de pesquisa na Universidade. Os estudos são desenvolvidos no Laboratório de Materiais Finep 1, do Campus Sorocaba, e, além dos resultados práticos, Ferreira busca a formação de recursos humanos e a consolidação da linha de pesquisa na Instituição. "A nossa pesquisa tem incentivado a vinda de pós-doutores para o grupo e publicações dos artigos em revistas de relevância cientifica na área de Materiais e apresentações dos trabalhos em congressos nacionais e internacionais", diz a professora, que conclui afirmando que isso fortalece também os programas de pós-graduação em Ciência dos Materiais (PPGCM-So) e Biotecnologia e Monitoramento Animal (PPGBMA-So) do Campus Sorocaba, com resultados positivos para toda a comunidade científica local.