Dirigentes de instituições públicas de ensino superior de Minas Gerais e de associações científicas estão preocupados com o futuro da pesquisa no Estado, diante dos cortes orçamentários enfrentados nos últimos anos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Os contingenciamentos financeiros pelos quais passa a fundação já afetaram o cotidiano da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Nos últimos anos, a instituição deixou de receber da Fapemig repasses que totalizam R$ 23.681.650,93, comprometendo pesquisas científicas já em andamento na cidade.
“Desde 2017 não são pagos os editais, e pedimos à Fapemig que fizesse o levantamento dos recursos que não entraram na universidade até o final de 2018. O impacto é enorme. Muitas pesquisas estão paralisadas. Outras, com seu cronograma de pagamento mais lento”, destaca a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFJF, Mônica Ribeiro de Oliveira. Os recursos represados financiam várias etapas dos processos de pesquisa, desde a compra de insumos e manutenção de equipamentos até a publicação dos resultados em veículos nacionais e internacionais.
O impacto na UFJF é minimizado pelo fato de a instituição manter um programa de iniciação científica com recurso (Foto: Fernando Priamo)
Após se reunirem na última sexta-feira na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), representantes de universidades e associações científicas tornaram público, nesta quinta-feira (14), uma carta em que cobram do Governo de Minas a integralidade dos repasses à Fapemig, que é uma agência de indução e fomento. No documento, eles reforçam que os cortes orçamentários sofridos pela fundação podem resultar “no atraso ou na paralisação de milhares de pesquisas no nosso estado, comprometendo anos de desenvolvimento científico, social e econômico”.
Segundo o grupo, o impacto da asfixia financeira já se faz sentir no cotidiano acadêmico. “A restrição orçamentária tem como consequência a interrupção do pagamento dos editais Universal e Pesquisador Mineiro, a suspensão da implementação das bolsas de iniciação científica, voltadas para a graduação, e de iniciação científica júnior, direcionadas ao ensino médio, além da não implantação de novas bolsas de mestrado e doutorado para o ano de 2019”, diz a carta.
Orçamento segue previsões constitucionais
De acordo com a Constituição mineira, a Fapemig teria direito a 1% da receita orçamentária corrente, para apoio a atividades de ciência, tecnologia e inovação. Segundo as instituições de ensino que assinam a carta, “este percentual não vem sendo repassado integralmente e que, mesmo insuficiente, este repasse vem sendo demandado para outras rubricas fora do controle da Fapemig.”
Segundo informações repassadas pela UFJF, a fundação afirma que a última vez em que os repasses foram feitos em sua integralidade aconteceu no ano de 2015 e, em 2018, os valores corresponderam a apenas 30% do total constitucional ao qual a Fapemig tinha direito.
Há ainda receio de que a situação seja ainda pior, uma vez que a legislação estadual determina que 40% da verba que a fundação recebe seja transferida a projetos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o que poderia reduzir ainda mais a capacidade de financiamento de projetos de pesquisa. “Neste momento de diminuição de recursos, se esse repasse for mantido, o prejuízo será ainda maior do que o anunciado. De acordo com o que foi informado na reunião, a Fapemig não terá condições de pagar nem as bolsas de pós-graduação em vigência”, resume a pró-reitora da UFJF.
“Calamidade financeira”
Por e-mail, a reportagem tentou contato com a Fapemig e com o Governo de Minas para comentar os cortes orçamentários, mas não obteve um posicionamento até a edição deste texto. Em nota publicada no último dia 22 de fevereiro, a fundação afirmou que “o Estado de Minas Gerais vem enfrentando severa crise fiscal, com decretação de calamidade financeira. Esta realidade tem afetado diretamente a capacidade da Fapemig de honrar com os compromissos assumidos junto a seus parceiros e beneficiários”.
“Geralmente, o pesquisador busca, além da Fapemig, agências de apoio federais. Mas a Fapemig sempre foi muito constante. É a segunda maior agência estadual do Brasil, atrás da Fapesp. Então, tínhamos ali uma forma de buscar recursos que nos davam as contrapartidas necessárias para captar valores mais altos, nas agências nacionais. Estamos perdendo, então, nosso poder de barganha e nossas contrapartidas para buscar outros recursos”, lamentou a pró-reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da UFJF.
Fundação ficará sem repassar 170 bolsas
A UFJF reforçou ainda que os cortes no orçamento da Fapemig ocasionaram a suspensão de novos editais para o financiamento de pesquisas científicas, programas de bolsas de iniciação científica e iniciação científica júnior. Ainda segundo a instituição, no Programa de Apoio à Pós-Graduação, no que diz respeito às bolsas de mestrado e doutorado, serão mantidas as cotas já implementadas. Assim, o sistema da fundação estará habilitado apenas para a submissão das renovações. Com isso, os alunos da universidade deixarão de receber 170 bolsas de iniciação científica.
“É emergencial que as instituições de ensino e pesquisa se mobilizem para tentar reverter essa situação. O impacto no desenvolvimento científico será incalculável, caso esse corte se estabeleça. O apoio à iniciação científica, por exemplo, é fundamental para a capacitação de novos cientistas, aqueles que irão substituir os pesquisadores de agora; é uma das bolsas mais importantes do país. O Brasil é tido como um excelente modelo de fomento à pesquisa por conta, em grande parte, das bolsas disponíveis. Esse corte gera uma expectativa muito ruim”, afirma Mônica.
Ainda segundo Mônica, os impactos das dificuldades financeiras da Fapemig na UFJF têm sido minimizados pelo fato de a universidade manter, em paralelo, um programa de iniciação científica com recursos próprios. Atualmente, o projeto concede a estudantes de graduação 530 bolsas, com valor unitário de R$ 400. “Muitas vezes, o pesquisador contava com este fomento como contrapartida para obter outros financiamentos de agências federais, como o CNPq e a Capes. Isso gera impacto na produção de artigos e na continuidade de algumas pesquisas implementadas. O impacto acadêmico é, sem dúvida, imenso”, relata a pró-reitora.
ALMG
A situação de engessamento financeiro enfrentado pela Fapemig será debatido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Na última quarta-feira, a Casa aprovou requerimento apresentado pela deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), solicitando o agendamento de audiência pública para abordar a situação dos bolsistas da fundação e os cortes em projetos financiados pela entidade. A realização do encontro foi aprovada pela Comissão de Participação Popular, uma data, porém, ainda não foi definida.