Estudo da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP revela que a tuberculose tem se manifestado numa taxa altíssima nas populações socialmente mais vulneráveis. A pesquisa aponta para a dificuldade de acesso da rede de assistência social a casos cronificados em situação de rua e usuários de bebidas alcoólicas e a necessária ampliação das discussões em torno da criação de uma unidade de referência em saúde exclusivamente voltada a moradores de rua.
"A combinação de serviços de higiene e acolhimento terapêutico, num espaço de recepção incondicional destas pessoas, oferecerá o suporte necessário a uma equipe de profissionais que trabalhe diretamente nas ruas, intermediando a relação entre essas pessoas e o Sistema Único de Saúde (SUS)", afirmam os autores da pesquisa, o professor Rubens de Camargo Ferreira Adorno e o doutorando da FSP, Walter Varanda. "O avanço do programa de agentes comunitários de saúde tem se mostrado insuficiente em quantidade e pela falta de um posto avançado que considere as particularidades de uma população que não tem domicílio, não usa agenda e nem sempre tem condições de administrar o uso dos próprios medicamentos."
A pesquisa, realizada sob patrocínio da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) por intermédio do Ministério da Saúde, considerou o universo dos usuários de albergues públicos, organizações sociais e 2.704 pessoas contadas em 10 circuitos de rua das regiões Sé e Pinheiros da Capital paulista, cada um deles constituídos de uma seqüência de logradouros com alguma concentração de moradores de rua, utilizando-se o método conhecido como "captura e recaptura".
Foram detectados 12 casos por meio do exame de escarro, numa amostra de 300 pessoas testadas, entre 860 entrevistados. Estes resultados indicam uma incidência de tuberculose a uma razão de 4,00% do grupo testado e uma razão de 1,39% do grupo de pessoas entrevistadas, valores estes coerentes com a alta incidência da doença entre moradores de rua cadastrados no Programa de Saúde da Família, no âmbito municipal.
A Secretaria Municipal da Saúde registrou, em 2003, uma taxa de 3,36 % de casos de tuberculose em um total de 3.270 moradores de rua com cadastro no programa, número 67 vezes maior que a ocorrência na população em geral, em torno de 0,05 %, em 3.325.000 pessoas cadastradas. "Um total de 106 pessoas do grupo de 860 entrevistados na pesquisa reportaram o contágio e tratamento de tuberculose no passado. Se esses casos pudessem ser confirmados, teríamos o histórico de 1 (uma) ocorrência da doença para cada 7,3 pessoas em situação de rua", contam.
Lacuna
Para uma melhor análise qualitativa, os pesquisadores observaram as condições de vida, contágio e risco nesta população, entrevistando moradores de rua, profissionais de saúde e profissionais de organizações sociais, e estudando a dinâmica da sobrevivência sob um viaduto na área central da Capital durante seis meses.
Segundo os pesquisadores, as condições de vida destas pessoas e a lacuna existente entre a população de rua e o sistema de saúde criaram condições propícias para o desenvolvimento e propagação do bacilo de Kock, causador da tuberculose, apesar das facilidades de tratamento via Sistema Único de Saúde (SUS). Enquanto o sistema de saúde não chega onde essas pessoas estão, o tratamento começa muito tarde, reduzindo-se as chances de sucesso, enquanto o bacilo encontra novos hospedeiros. "A atuação dos agentes comunitários de saúde significou um avanço na detecção de novos casos, mas a equipe, que oscila em torno de 30 integrantes, ainda é insuficiente para penetrar num universo estimado em 12 mil pessoas em situação de rua, onde cerca de 5 mil não encontrariam vagas em albergues públicos", finalizam.
Fonte: Agência Fapesp
Notícia
Revista Brasileira de Risco e Seguro