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Tubarões de Miami têm mais gordura acumulada que animais de áreas conservadas, indica estudo (16 notícias)

Publicado em 06 de maio de 2022

Por André Julião, da Agência FAPESP

Nem mesmo os animais marinhos parecem imunes ao modo de vida americano. Pesquisadores do Brasil e dos Estados Unidos descobriram que tubarões-lixa (Ginglymostoma cirratum) que vivem em áreas próximas à cidade urbana de Miami têm mais gordura acumulada e marcadores bacterianos em sua dieta do que habitantes de áreas mais conservadas.

Os resultados da pesquisa, suportado pela FAPESP, foram Publicados na revista Ciência do Meio Ambiente Total.

“Esta espécie parece ser mais afetada pela urbanização, pois está muito próxima de marinas, onde há muitos barcos, detritos de pesca e poluição. No entanto, esse ambiente também pode estar proporcionando maior quantidade de presas e maior proteção contra predadores, o que pode contribuir para o maior acúmulo de gordura”, relata. Bianca Rangelprimeira autora do estudo realizado no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) durante sua doutorado.

Em outro trabalho, Publicados na mesma revista, o grupo de pesquisadores constatou que a urbanização parece não afetar outra espécie, o tubarão-galha-preta (Carcharhinus limbatus).

Com hábitos menos sedentários, o abrunheiro transita mais entre áreas próximas à cidade e outras mais conservadas, como Florida Bay e Everglades National Park, consumindo uma maior variedade de presas e vivenciando ambientes mais diversos.

“Esperávamos que os animais desta espécie expostos ao ambiente com maior influência da urbanização apresentassem uma deficiência alimentar, principalmente relacionada aos ácidos graxos essenciais, o que não aconteceu. Da mesma forma, esperávamos encontrar uma maior presença de ácidos graxos que servissem como indicadores da presença de bactérias nesses animais, o que também não ocorreu”, afirma. Renata Guimarães Moreiraprofessor do IB-USP e coordenador de pesquisa.

Curiosamente, a condição corporal dos tubarões-galha-preta era melhor na área urbanizada. O motivo pode ser semelhante ao observado no caso dos tubarões-lixa urbanos: a maior disponibilidade de presas mais calóricas, incluindo os restos da pesca humana, além da menor competição com outros predadores.

Como esperado, em tubarões-lixa, os ácidos graxos bacterianos foram maiores em indivíduos urbanos do que naqueles de áreas conservadas. O marcador é provavelmente um indicativo da maior presença de esgoto e, por sua vez, da maior proliferação de microrganismos, fator que influencia na qualidade da dieta dos tubarões.

Na avaliação dos pesquisadores, estudos futuros devem monitorar a qualidade nutricional tanto de predadores quanto de presas, principalmente porque o aumento de ácidos graxos saturados, bem como o desequilíbrio entre esse tipo de lipídio e ácidos graxos poliinsaturados, podem comprometer diversos processos fisiológicos, inclusive cardiovasculares tônus, resposta inflamatória, reprodução, funções renais e neurais.

vida nas Bahamas

Os resultados descritos no artigo foram obtidos por meio de análises feitas por pesquisadores da USP em amostras coletadas pelo grupo de Neil Hammerschlag, professor da Universidade de Miami que desde 2011 realiza monitoramento de tubarões tanto na Flórida, onde fica Miami, quanto nas Bahamas, um arquipélago a cerca de 500 quilômetros ao sul do estado norte-americano.

Os pesquisadores usam um método de captura que não mata os tubarões – a maioria dos estudos de peixes marinhos são baseados em indivíduos capturados pela pesca comercial.

Neste estudo, por sua vez, após a coleta, os animais são medidos e recebem amostras de sangue e tecidos. Uma etiqueta numérica é colocada em cada tubarão antes que o animal seja solto, o que pode ajudar a comparar os dados se ele for recapturado no futuro.

em um terceiro estudarque também tem Rangel como primeiro autor, os pesquisadores avaliaram diferentes marcadores no sangue de outra espécie, o tubarão-tigre (Galeocerdo Cuvier). Neste caso, os animais capturados na Flórida e nas Bahamas foram comparados.

Embora não se aproximem das cidades, esses grandes migrantes podem estar sofrendo alguma influência das atividades humanas. As quantidades de ácidos graxos bacterianos, por exemplo, foram maiores nos animais das Bahamas do que nos da Flórida.

“Neste caso, analisamos apenas tubarões juvenis. Nas Bahamas, provavelmente há uma competição feroz entre os adultos. Inferimos que, para evitar essa disputa, os juvenis se alimentam de peixes do fundo, que são fortemente influenciados por matéria orgânica e, consequentemente, por bactérias”, explica Rangel.

Os pesquisadores ainda não descartam a influência da poluição por fertilizantes químicos. Quando utilizados em excesso, esses nutrientes acabam atingindo rios e mares, favorecendo a proliferação de microrganismos.

Surpreendentemente, os pesquisadores encontraram uma baixa qualidade nutricional nos tubarões-tigre das Bahamas, ainda menor do que a observada na Flórida. Um dos motivos pode ser que os animais vivam em áreas próximas a pontos de turismo de mergulho.

Nesses locais, os guias turísticos costumam usar carcaças de peixes para atrair tubarões. Os pesquisadores acreditam que os animais acabam gastando uma quantidade significativa de energia para obter alimentos de baixa qualidade, já que as carcaças são basicamente ossos, com pouca carne.

Como até agora poucos estudos realizaram esse tipo de avaliação, Rangel e Moreira ressaltam que os resultados são preliminares e que novas análises ainda precisam ser realizadas para dar maior robustez aos achados. No entanto, os trabalhos trazem alertas importantes para a gestão dos ambientes, que devem ser considerados nas políticas de conservação.

“Qualquer ação na conservação desses animais precisa de uma base de informações sobre a biologia e fisiologia das espécies – e também sobre seu comportamento, sua genética e outros aspectos. Somente entendendo as mudanças que a urbanização provoca nos processos metabólicos e endócrinos desses animais será possível traçar planos de conservação e manejo que minimizem o impacto da ação humana sobre essas espécies”, finaliza Moreira.

O artigo A vida urbana influencia a qualidade nutricional de uma espécie de tubarão juvenil pode ser lido em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969721010925.

a publicação Efeitos da urbanização na ecologia nutricional de um tubarão costeiro altamente ativo: insights preliminares de marcadores tróficos e corpo condição está disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969722011743.

e o estudo Condição metabólica e nutricional de tubarões-tigre juvenis expostos a diferenças regionais na urbanização costeira pode ser acessado pelo link: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969721016168.