Notícia

Correio Popular (Campinas, SP)

Trânsito científico

Publicado em 01 fevereiro 2020

Por Adilson Roberto Gonçalves

A ciência é dinâmica e precisa ser diuturnamente afirmada e defendida. Neste espaço, o Acadêmico Gustavo Mazzola (“Ciência e arte todo santo dia”, 22/1) relembrou a importante interligação entre a ciência e a cultura, por meio de parte da história de nosso memorável Centro de Ciências, Letras e Artes.

No dia seguinte, nos deparamos com artigo do Roque Ehrhardt aparentemente dando outra interpretação das palavras de Albert Einstein, uma vez que refutamos conceitos equivocados, como o da viagem no tempo, reforçado pelo minucioso esclarecimento do físico José Lunazzi (Painel do Leitor, 21/1), que foi ler a referência da Nasa para constatar que não se trata daquilo que havia sido defendido. Leitura é o que nos falta para entender estudos científicos, especialmente quando serão a base da tomada de decisões. Por exemplo, há um clamor para que se evite a direção — ou condução — perigosa, que não será atendido, porque o argumento principal para a manutenção dos controles no trânsito é de base científica, renegada peremptoriamente por esse governo que aí está.

Outro assunto que volta à baila é o esclarecimento do uso de armas de fogo. Apesar de uma resenha bem elaborada por Renato Sérgio de Lima para jornal da capital paulista sobre o livro de Antônio Rangel Bandeira “Armas para quê?”, abordando aspectos multifacetados do uso e controle de armas de fogo, estudos científicos como esse não são importantes para o governo teocrático da ignorância instalado em Brasília. A obra é necessária, no entanto, para que entendamos como a cegueira sobre a segurança está fazendo crescer ainda mais a criminalidade. Isso nos leva à necessária divulgação científica. É pertinente o questionamento sobre a forma e o conteúdo da divulgação científica que deve ser feita, avaliando o que queremos e que não queremos. No entanto, afirmase que a divulgação hoje é feita ad nauseum, o que não é verdade. Exatamente pela pouca abrangência das informações científicas é que vivemos estes períodos de trevas do conhecimento. Prova disso é o futuro diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Luiz Eugênio Mello, defender que a agência, uma das maiores e mais importantes do Brasil e do mundo, deva divulgar muito mais o que faz. Alguma discussão tem sido trazida ao público pela mídia impressa, tal qual a importância da recente reinauguração da base científica brasileira na Antártica e o início dos primeiros testes no projeto Sirius em Campinas. Foi também anunciada a parceria com o Instituto Serrapilheira na produção do Blog Ciência Fundamental.

Em tempos de volta às trevas no saber, promover o jornalismo científico é fundamental para a sobrevivência da civilização. Instituições de pesquisa estão atentas à questão e oferecendo especialização nesse campo, como o Labjor da Unicamp, pois a fala do cientista não pode ser apenas para seus pares e o jornalista precisa saber até onde vai a simplificação da informação para não incorrer em erros conceituais. O Serrapilheira já inovou ao favorecer jovens e mulheres em seus financiamentos e dá mais este passo importante na divulgação científica. Façamos o mesmo, mantendo a discussão científica em bom trânsito, longe de arroubos míticos e místicos.

Adilson Roberto Gonçalves é pesquisador da Unesp, membro da Academia Campineira de Letras e Artes, da Academia de Letras de Lorena e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas