O estudo intitulado “ Exploring Cross-Docking on the DockThor Program ” apresentado pela pesquisadora e doutoranda do Programa de Pós-Graduação do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), Ana Luiza Karl, ficou entre os trabalhos premiados como o melhor pôster no II Workshop of Molecular Modelling in Drug Discovery and Design, realizado entre os dias 29/11 e 01/12/2022.
O evento II Workshop of Molecular Modeling in Drug Discovery and Design é coordenado pelo Laboratório de Bioinformática e Biologia Computacional (LBCB) do Centro de Matemática, Computação e Cognição (CMCC) da Universidade Federal do ABC (UFABC), pela faculdade de Ciências Farmacêutica da Universidade de São Paulo (USP) e com o apoio da FAPESP e da Sociedade Brasileira de Bioquímica.
“As áreas de modelagem molecular e Drug Discovery & Drug Design são multidisciplinares e envolvem diversas áreas do conhecimento, entre elas Computação, Matemática, Estatística, Biologia Molecular, Bioquímica, Biofísica, Genética, Medicina, Química e Física. Entre as contribuições nessas áreas, tem-se uma melhor compreensão da origem de diversas doenças, a possibilidade de desenvolvimento de novos fármacos e a melhoria genética de organismos, como plantas.” (UFABC)
Sobre o estudo em questão e as pesquisas realizadas pela autora, a equipe do Serviço de Comunicação Institucional do LNCC teve a oportunidade de conversar com a pesquisadora e doutoranda Ana Luiza Karl. Confira!
Pode nos contar sobre a pesquisa realizada e no âmbito de qual projeto do LNCC foi formulada?
Esse trabalho faz parte da minha pesquisa de doutorado e entra no escopo do projeto “Desenvolvimento de ferramentas e ambientes computacionais para o planejamento de novos fármacos contra patógenos clínicos suportados por técnicas de Inteligência Artificial” coordenado pelo professor Laurent Dardenne (LNCC) e apoiado pela FAPERJ (E-26/211.357/2021).
O programa DockThor é um programa de atracamento molecular totalmente desenvolvido por alunos de pós-graduação do Grupo de Modelagem Molecular de Sistemas Biológicos (GMMSB/LNCC) que auxilia a comunidade científica a entender os detalhes físico-químicos e geométricos da interação de uma pequena molécula ligante (por exemplo, um candidato a novo fármaco) e seu alvo receptor (geralmente uma proteína envolvida em algum processo biológico de interesse).
O programa DockThor atualmente considera a molécula do receptor como uma molécula estruturalmente rígida. Entretanto, sabemos que em meios fisiológicos, essas moléculas são bastante flexíveis e essa característica está totalmente associada a sua função biológica e interação com outras moléculas. A correta consideração dessa flexibilidade estrutural é considerada um dos grandes desafios no desenvolvimento das ferramentas de atracamento molecular, especialmente por ser altamente custosa computacionalmente.
Assim, o objetivo da minha tese de doutorado é a implementação de estratégias eficientes de flexibilização do receptor, sem grandes perdas no desempenho do programa DockThor, aumentando a capacidade preditiva do programa ao considerar uma situação mais realista. O trabalho intitulado “Exploring cross-docking on the DockThor program” é parte desse projeto, que visa avaliar o desempenho do dockthor em experimentos de atracamento mais realistas, entendendo as principais dificuldades e sucessos do programa em experimentos de cross-docking. Esse entendimento é crucial para a incorporação de estratégias mais eficientes de flexibilidade do receptor.
Quais são os desafios encontrados no seu estudo?
Nosso estudo realizou 1087 experimentos de docking utilizando um conjunto teste para docking molecular bem conhecido na literatura: o Astex Non Native Set.
Os resultados reportados para esse conjunto mostram que os programas de atracamento molecular no geral possuem duas principais dificuldades: a correta representação da flexibilidade e as funções de pontuação (usadas para classificar as poses).
Nossos resultados mostram um desempenho do DockThor muito equivalente a outros programas de atracamento considerados estado da arte, superando até resultados publicados para alguns programas amplamente utilizados pela comunidade científica, tal como o AutoDock Vina. Entretanto, esses resultados ainda ficam em torno de 55% de taxa de sucesso quando consideramos apenas o melhor modo de ligação predito pelo programa.
Os principais desafios identificados para o DockThor são semelhantes a outras dificuldades já reportadas na literatura: a ferramenta encontra corretamente o modo de ligação entre o composto químico e a proteína, mas não o classifica como sendo “o melhor”. Isso indica que a nossa função de pontuação ainda não é tão eficiente quanto nosso algoritmo de busca das poses. Atualmente o DockThor utiliza uma função de pontuação baseada em campo de força para explorar o espaço conformacional e utiliza funções modeladas por algoritmos de aprendizado de máquina para “reclassificar” essas poses e tentar contornar esse problema. Além disso, nós identificamos a consideração da flexibilidade do receptor como uma das questões centrais para o sucesso do experimento de atracamento molecular, uma vez que, considerando essa característica estrutural, o modelo da proteína irá se encaixar geométrica e energeticamente de forma mais eficiente com a conformação do ligante, influindo na pontuação da pose e aumentando a capacidade preditiva do programa.
Quais os benefícios do seu estudo para a sociedade?
As ferramentas de atracamento molecular são amplamente utilizadas pela indústria farmacêutica e pela academia para auxiliar no entendimento do “encaixe” de um composto químico e seu alvo molecular. Uma vez que o processo de desenvolvimento de fármacos possui, no geral, alto custo financeiro e de tempo, essa técnica é utilizada para aumentar as chances desses compostos seguirem para as fases clínicas de testes, e consequentemente, de chegar ao mercado. Isso porque, ao possibilitar o entendimento de como essa interação ocorre, o químico farmacêutico pode propor modificações nessas moléculas que façam com que elas possuam ainda mais afinidade de ligação com o alvo molecular.
Todos os esforços realizados neste trabalho têm como resultado direto a avaliação e aprimoramento da nossa ferramenta de atracamento molecular. O programa DockThor é provavelmente a única ferramenta de docking do hemisfério sul do planeta a ser amplamente utilizada e disponibilizada gratuitamente através de um web server. Ele possui resultados bastante competitivos com os principais programas considerados estado da arte. A ideia é que o programa possa ter cada vez mais capacidade preditiva em situações mais realistas e produza resultados confiáveis para potencializar as demais etapas do processo de desenvolvimento de fármacos.
Os resultados deste trabalho permitirão a implementação de novas estratégias para a consideração da flexibilidade do receptor, o que é atualmente considerado um dos grandes desafios na área. Nós esperamos que a implementação dessas estratégias aumentem a acurácia do programa em experimentos de triagem virtual de grandes bibliotecas de compostos. Com a consolidação desses resultados e a incorporação dessas novas estratégias, a nova versão do DockThor será prontamente disponibilizada para uso pela comunidade científica, de forma gratuita, no portal DockThor-VS (disponível em dockthor.lncc.br).
Para conhecer mais, acesse o estudo: dockthor.lncc.br
Créditos
Anmily Paula Martins (SECIN-LNCC) com a participação de Ana Luiza Karl e colaboração de Graziele Soares (SECIN-LNCC) e Tathiana Tapajós (SECIN-LNCC).