Pesquisa indica que trabalhadores com mais de 60 anos não são menos produtivos e que a manutenção deles no mercado não cria desemprego para os jovens (foto: Wikimedia)
Uma pesquisa conduzida a cada dois anos, em 27 países da Europa e em Israel, vem desfazendo alguns mitos sobre o impacto do envelhecimento da população na economia.
Os resultados colhidos desde 2004 mostram que trabalhadores mais velhos não são menos produtivos e que a manutenção deles no mercado não cria desemprego para os jovens. Ao mesmo tempo, a aposentadoria não necessariamente leva a uma melhora na saúde das pessoas.
Os dados foram apresentados por Axel Börsch-Supan, pesquisador do Instituto Max Planck para Lei e Política Social, em palestra no Frontiers of Science Symposium FAPESP Max Planck, organizado pelo Instituto Max Planck e pela FAPESP.
Börsch-Supan é coordenador-geral da iniciativa, chamada de SHARE (Pesquisa de Saúde, Envelhecimento e Aposentadoria na Europa, na sigla em inglês) e composta por longos questionários, com as mesmas pessoas ao longo do tempo, a fim de entender como trabalho, saúde e renda são afetados pelo aumento do número de pessoas com mais de 65 anos.
“O envelhecimento da população é o desafio do século 21. Em 2050, haverá muito mais pessoas velhas do que jovens na Europa. Isso cria todo tipo de problema. Será caro pagar as aposentadorias e os jovens de hoje é que vão pagar por isso, querendo ou não”, disse o pesquisador. A estimativa é que, na metade deste século, 28% da população europeia terá mais de 65 anos. Atualmente, essa faixa corresponde a 23%.
No Brasil, a população com mais de 60 anos vai triplicar até 2050, chegando a 29,3%, segundo o IBGE.
“No Brasil, há esse mesmo padrão em que se tem mais gente na meia-idade do que nas idades jovens e isso vai ter um crescimento não tão rápido e não tão forte como na Europa, mas que também afeta o país num grau significante, mais do que outros países como o México”, disse Börsch-Supan.
Esse padrão se reflete no custo da previdência, assunto discutido há alguns anos no Brasil e que voltou à pauta recentemente. Para Antonio Carlos Campino, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), o problema não ocorre apenas no Brasil.
Campino citou um estudo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que afirma que problema semelhante acontece em outros países da América Latina e Caribe. “O que se gasta em aposentadoria está se tornando um problema importante para os governos, para as finanças públicas, de forma que há que se chegar, de alguma maneira, a uma solução”, disse à Agência FAPESP.
Segundo ele, os gastos com os mais velhos são muito maiores do que com os jovens. Em 2015, o Brasil gastou com os idosos (60 anos ou mais) 3,8 vezes o que gastou com os jovens (até 19 anos). Enquanto no primeiro grupo o custo foi de R$ 19.705 per capita, com os jovens foi de R$ 5.136 per capita.
“No Brasil, a consolidação do ensino primário público não ocorreu antes que a maioria da população mais velha começasse a receber aposentadoria”, disse. Com isso, “o desenvolvimento econômico baseado em substituição de importações aumentou a importância do sistema de seguridade social, ao mesmo tempo que negligenciou investimentos em educação e saúde”, disse Campino.
Mitos do envelhecimento
A pesquisa europeia já teve sete edições e coleciona números grandiosos. Foram 350 mil entrevistas, com 130 mil pessoas, em 39 línguas diferentes, além de 27 mil amostras de sangue coletadas.
“Precisamos observar os indivíduos ao longo de seu curso de vida. Essa pesquisa tem que olhar para várias décadas de mudança. Não se pode simplesmente comparar os jovens de hoje com os idosos também de hoje, porque eles vêm de diferentes momentos da história. Basta pensar que o Brasil, por exemplo, teve uma grande mudança nos últimos 50 anos”, disse Börsch-Supan.
Por isso que na SHARE as mesmas pessoas são entrevistadas repetidamente conforme envelhecem. Além das condições econômicas, são levantados detalhes como a rede social da família (com quantas pessoas eles falam), além de se fazer testes cognitivos e serem coletadas amostras de sangue.
As medidas são ainda acompanhadas de dados sobre a produtividade dos trabalhadores. Como é algo difícil de medir, algumas das fontes dos pesquisadores foram observações coletadas pelas próprias empresas sobre os empregados. No total, foram analisados 5 milhões de observações.
Uma das conclusões é que pessoas mais velhas cometem, sim, mais erros, em setores como a indústria automotiva. No entanto, os erros cometidos pelos jovens são muito mais graves.
Um mito derrubado a partir da análise das observações é de que funcionários mais velhos seriam menos produtivos. “Vimos que a produtividade se mantém bastante estável, talvez até com um leve aumento à medida que se envelhece”, disse Börsch-Supan.
Outro engano é pensar que ao manter os mais velhos trabalhando por mais tempo tira-se o emprego de jovens. “Nos países em que muitas pessoas se aposentam cedo, há muito pouco desemprego”, disse o pesquisador, que afirmou que esse é um bom sinal, pois a aposentaria precoce custa caro aos cofres públicos.
Pode-se pensar ainda que se aposentar deixaria o trabalhador mais saudável. Segundo Börsch-Supan, isso é apenas parcialmente verdade. “Porque não condiz com acadêmicos, por exemplo, mas faz sentido para quem sempre fez trabalhos pesados”, disse.
Ao mesmo tempo, as medições das capacidades cognitivas ao longo das sete edições do SHARE mostram que pode haver uma queda depois da aposentadoria, seja qual for o setor em que a pessoa trabalhou.
Na França, há uma perda mais significativa da memória entre aposentados do que na Suécia e nos Estados Unidos. E os franceses se aposentam mais cedo que suecos e norte-americanos.
“Se você apenas fica em casa vendo TV, e aqui estou falando de um extremo, sua capacidade cognitiva decai. Essa é uma razão pela qual é preciso pensar duas vezes antes de dizer que aposentadoria melhora a saúde. É mais complicado do que isso”, disse Börsch-Supan.
O pesquisador ressaltou a importância de se fazer comparações internacionais a fim de tirar conclusões sobre causa e efeito de certas intervenções nas leis trabalhistas e nos investimentos em saúde e aposentadorias.
Fonte: André Julião | Agência FAPESP