SÃO PAULO - Um estudo inédito de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) traçou um perfil das principais torcidas organizadas do Rio e de São Paulo. As pesquisas, financiadas por CNPQ e Fapesp, mostram desde as percepções sobre a violência das uniformizadas até suas opiniões sobre as novas arenas.Os dados, a que O GLOBO teve acesso com exclusividade, apontam que 59% dos paulistas admitem que suas torcidas são violentas. No Rio, essa proporção é de 38%. Os resultados serão divulgados neste sábado, às 14h, no seminário “20 anos da batalha campal do Pacaembu”, no Museu do Futebol, na Zona Oeste paulistana, com entrada gratuita.
Entre os 426 entrevistados no Maracanã e em São Januário, estão integrantes torcidas organizadas de Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. Na capital paulista, foram 612 entrevistados de uniformizadas do Corinthians, Juventus, Palmeiras, Portuguesa, Santos e São Paulo, no Pacaembu, Itaquerão, Vila Belmiro, Morumbi, Arena do Palmeiras, Rua Javari e Canindé.
O cruzamento dos dados dos questionários aplicados também mostra que as brigas acontecem principalmente antes e depois dos jogos: 79% em São Paulo, e 55% no Rio. O impacto da derrota do time na chance de confronto com outras torcidas organizadas também aumenta em maior proporção de acordo com os paulistas (54%), contra 46% no Rio.
Coordenador do estudo, o professor doutor Bernardo Buarque de Hollanda, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV), aponta os efeitos colaterais da proibição e extinção de torcidas.
- O processo de interdição se mostrou ineficiente. As torcidas voltaram mais fortes e se dispersaram. Você reprimiu dentro do estádio, e (a briga) migrou para mais longe. A dispersão dos focos de encontro continua aumentando: independente de ser jogo ou não, o conflito existe - diz ele.
Quase 100% dos torcedores organizados cariocas acham legítima a cobrança durante os treinamentos dos seus times: 94% concordam que a torcida organizada pode ir ao treino cobrar dos jogadores quando o time joga mal. A adesão a uma cobrança mais violenta é menor. Para 54% deles, se o time está em crise no campeonato, a torcida pode ir ao treinamento e entrar no gramado para cobrar com maior rigidez.
- Havia duas equipes que iam para os estádios antes dos jogos e identificava quem estivesse com vestimentas das torcidas organizadas (camisa, boné, calça ou bermuda), bandeiras ou instrumentos musicais. Distribuíamos o questionário com caneta e pedíamos para eles preencherem - explica Jimmy Medeiros, pesquisador da FGV/CPDOC, responsável pela análise comparativa “Mapeando as torcidas organizadas”.
Documentário e livro dão voz a torcedores organizados no Museu do Futebol
Além dos dados que serão divulgados durante o seminário “20 anos da batalha campal do Pacaembu”, a programação do seminário inclui o lançamento do documentário “Territórios do torcer”, com líderes das torcidas Mancha Verde (Palmeiras), Independente (São Paulo), Sangue Jovem (Santos) e Gaviões da Fiel (Corinthians).
A briga generalizada entre torcedores do Palmeiras e do São Paulo no gramado do Pacaembu, que completa duas décadas no próximo dia 20, é apenas o mote para o evento, em que também será lançado o livro “A voz da arquibancada: narrativas de lideranças da Federação de Torcidas Organizadas do Rio de Janeiro”, com entrevistas de representantes da Força Jovem do Vasco, Fúria Jovem do Botafogo, Young Flu e Torcida Jovem do Flamengo.
Ambos os trabalhos são frutos do estudo coordenado por Bernardo Buarque de Hollanda. O documentário foi possível graças a uma parceria com o Museu do Futebol. O acervo com o filme e os áudios das 50 horas das 25 entrevistas na íntegra ficarão disponíveis para consulta no na instituição, bem como fotos inéditas tiradas durante o processo de produção e registros fotográficos do arquivo pessoal dos entrevistados.
Com a pesquisa e o seminário, a diretora do Museu do Futebol, Daniela Alfonsi, espera atrair um público maior de torcedores organizados para conhecer o acervo:
- Se vão 30 mil pessoas a um jogo no fim de semana por que não vão ao Museu do Futebol? Tentamos uma aproximação e chamamos lideranças, que foram muito abertas aos nossos convites. Mas como chegar a essa massa de torcedores que pode ter no museu um espaço para conhecer a história do futebol e refletir o que é torcer? Queríamos entender o que faltava no museu para que viesse a torcida. Esse projeto é uma forma de começar a pensar sobre isso.
O Globo