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O Diário (Mogi das Cruzes)

Thamara Strelec, entre a política e a universidade (1 notícias)

Publicado em 11 de agosto de 2019

Por Darwin Valente e Eliane José

Quinze anos separam o lançamento do nome da publicitária Thamara Strelec à Prefeitura de Mogi das Cruzes, em 2004, e hoje, quando ela coordena a Rede de Colaboração Intermunicipal em Educação, integrada por 298 cidades em oito estados brasileiros. Nessa malha de pequenas cidades de frágeis índices educacionais e sociais, ela acompanha a formação de consórcios regionais responsáveis pelo encontro e adoção de soluções conjuntas para resolver as causas de problemas como a evasão e desempenho escolares. Nesta entrevista, Thamara fala das derrotas e aprendizados políticos vividos em três disputas eleitorais, e da carreira acadêmica, ancorada nos títulos de mestre e doutora em Ciências Políticas, pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade de Campinas, a Unicamp. Cientista política e professora universitária, nasceu em Mogi, quando a família residia na Vila Rubens. Admite como um dos grandes arrependimentos ter trocado o apoio prometido a Marco Bertaiolli pelo posto de vice-prefeita na chapa do candidato Luiz Carlos Gondim Teixeira, em 2008. A política segue no radar da publicitária, que obteve 20 mil votos na primeira disputa eleitoral. Confira:

O que você faz hoje?

Desde 2018, atuo na Rede de Colaboração Intermunicipal de Educação do Itaú Cultural presente em 298 cidades de oito estados, e unidas em colegiados regionais para o encontro de soluções educacionais, e sou gestora de projetos para o Instituto Natura. Nesse trabalho, notamos que, em uma mesma região, há ilhas de excelência, municípios com ótimos indicadores educacionais, e vizinhos, que enfrentam fragilidades gravíssimas, relacionadas à evasão de alunos, alfabetização, infraestrutura escolar e quadros da educação.

Há cidades da Região?

Não. A participação é de livre provimento do município. Normalmente, os consórcios estão em cidades com alguma estrutura regional consolidada e dificuldades comuns. Na nossa região, temos o Condemat (Consórcio para o Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê), que possui câmaras técnicas de áreas, como cultura, meio ambiente, saúde. Esse é um primeiro passo para haver um legado para, no futuro se pensar em educação. No meio ambiente, a reunião de municípios em torno de um objetivo é mais simples, porque você possui uma bacia hidrográfica, e todos são co-responsáveis. Na educação, a interdependência é diferente porque os limites estão dentro de cada município. O passivo para a cidade passa a ser considerado quando a lógica é pensar juntos soluções subsidiadas e implantadas com o compartilhamento de tecnologias e conhecimentos.

Qual seria um exemplo prático?

No Alto Vale do Paranapanema, na Bahia, região canavieira, um dos problemas era o baixo índice de matrículas nas datas oficiais, porque coincidiam com o auge da colheita da cana de açúcar, e os pais não iam até à escola porque estavam trabalhando. Um calendário unificado regional possibilitou a redução da evasão escolar de forma gigantesca. Foi solução simples, mas que envolveu percepção, sensibilidade e um olhar técnico. Outro exemplo: os pequenos municípios, têm dificuldades para atrair bons fornecedores com produto de qualidade, preço e entrega adequada. Atas regionais de preço, firmadas pelos municípios, conseguiram reduzir em até 54% o valor dos insumos educacionais (materiais de uso contínuo, kit escolar, limpeza). Já as secretarias da Chapada Diamantina adotaram cadernos de matemática desenvolvidos para a realidade das cidades.

Como surgiu esse convite?

Durante o curso de mestrado, estudei a Lei de Consórcios Públicos, entendi essa legislação, mapeei os consórcios regionais em São Paulo, e comecei a me conectar com pessoas que também trabalhavam esse tema. Quando iniciei o doutorado, observei que havia espaço onde começavam a pulsar experiências semelhantes, feitas pelo terceiro setor, investimentos feitos por institutos (Natura, Itaú, Vale, Votorantim, e outros). Em comum, essas instituições são parceiras do (projeto) Todos pela Educação. No doutorado, estudei a cooperação na educação, e fiz um mapeamento preciso do que existia no Brasil, entre consórcios e outros arranjos de cooperação nesta área. Depois, em uma pesquisa financiada pela Fapesp e desenvolvida na Espanha, onde há uma experiência do consórcio espanhol. Quando concluí, veio o convite do Instituto Natura para ajudá-los em duas câmaras técnicas de educação, na Bahia, no final de 2017. Essa atuação foi verticalizada com a criação de uma rede nacional.

São municípios pobres?

Pobre não seria a melhor definição, mas com fragilidades econômicas e educacionais. A questão não é disponibilidade de recursos, mas a maneira de empregá-los. Há cidades com recursos financeiros e naturais, mas os resultados educacionais não convergem para essa realidade.

Quando você estudou o tema, mapeou os números e foi conferir a realidade dos indicadores, o que você encontrou?

Do ponto de vista dos indicadores a realidade batia, mas quando você chega, é um choque. Eu estive na floresta dos Guarás, no Maranhão, depois de passar por São Luís. Viaja mais de seis horas até chegar lá. No trajeto final, por 30 quilômetros, há lixo dos dois lados da via. E a Secretaria de Educação é uma casa. Para nós que temos, em Mogi, um prédio como o da Secretaria da Educação (no Shangai) é um choque, e você cria imediatamente uma empatia, compreende que o secretário faz o melhor com o pior que ele possui para fazer.

É um novo jeito de fazer escola? Há como projetar resultados dessa atuação do terceiro setor?

É muito difícil. Quando você cria um aterro regional, você mensura de imediato o volume de lixo que irá coletar e tratar. Na educação, você não terá um resultado imediato, há uma melhor capacitação técnica do secretário, dos instrumentos de colaboração, mas o processo educacional exige mais, exige professores de qualidade, tempo para obter um Ideb melhor. E o gestor público precisa ser convencido sobre isso. A educação não é algo emergencial, como o lixo, e nem terá um impacto imediato.

Como começou a sua participação na política, em Mogi?

A minha primeira filiação foi ao PPS, quando me relacionei com Mário Berti, que na época era do diretório, e Delmiro Goveia, o presidente. Eu tinha 21, 22 anos. Ainda estudava e era uma curiosa. Os cartórios eleitorais não estavam informatizados. Eu estava em um ambiente, vou reconhecer, de dinossauros, e assumi esse papel de cuidar das rotinas documentais. As mulheres, na América Latina, começavam a participar mais da política. Na Câmara, tínhamos a Inês Paz, a Rosa Portela, Sonia Sampaio. Havia disputa interna no partido, tive apoio e cheguei à presidência. O nosso candidato, à época, era o doutor Machado (ex-prefeito Antonio Carlos Machado Teixeira), isso em 2003. Em 2004, ele declinou do convite e o grupo sugeriu o meu nome como uma aposta, sem qualquer embasamento, sem condição de elevar a candidatura a um patamar razoável, sem dinheiro ou reconhecimento público. E assim aconteceu. O meu vice foi o Fred Dias.

Quantos votos você teve?

Foram 20 mil votos, foi um bom começo, uma ótima experiência, e os candidatos eram o Junji, Gondim, e o próprio Mário Berti que, num pulo do gato, acabou sendo candidato pelo PC do B. Mas eu devo a ele o meu ingresso na política.

Qual foi a lição naquela época?

Que a visibilidade é instantânea. É um gosto muito amargo, quando você perde, e vê que não tem mais uma agenda, nem quem queira te ouvir. Você perde, mas o movimento externo continua, com os partidos fazendo convites para as eleições seguintes. Eu decidia sozinha, e voltei a me candidatar a deputada federal, após um convite do Marco Vinholi (hoje, secretário do governador Doria).

Como foi a disputa?

Fui bem, pelo PDT, tive 10 mil votos. Como eram só de Mogi, foi uma belíssima votação. Mas termina a eleição e você precisa cuidar da vida. Acabei percebendo que precisava aproveitar o recall, o reconhecimento da cidade. Mas fiquei mais quieta, eu não era empresária, nem líder estudantil, nem secretária municipal, e fui convidada pelo Anderson Pomini para integrar a executiva do PSC Mogi.

E veio uma nova campanha…

Esse foi o momento que eu mais aprendi. Surgiu um convite do Marco Bertaiolli para disputar uma cadeira de vereadora e apoiá-lo para prefeito. Eu aceitei com medo, sempre temi a disputa pela Câmara. Eu aceitei, mas estava insegura. Até que a candidatura do doutor Gondim (Luiz Carlos Gondim Teixeira) teve uma reviravolta, ele ficou sem o vice, e me procuraram.

E você aceitou.

E eu cometi o meu maior erro e não tenho nenhum problema em falar sobre esse tema. Foi um grande arrependimento, porque eu não me senti à vontade em nenhum dia da campanha.

Por que aceitou?

Eu me vi prestigiada, entrou ali a vaidade, eu acreditei que ele (Gondim) iria ganhar, eu tinha um impulso do Executivo muito forte. E foi a primeira vez que eu vi pessoas importantes me acionando, creditando a mim a responsabilidade de liderar um processo eleitoral. Estou falando do senhor Henrique (Borenstein), de representantes da Universidade (de Mogi das Cruzes), da Regina (Bezerra de Melo, reitora da UMC), de realizadores da cidade que apoiaram o Gondim, e eu, Thamara, me senti importante, mas isso é muito pouco. Com o tempo, soube diferenciar o que é concreto, o que é ilusão. A política tem isso, o vencedor leva tudo. Foi um grande arrependimento porque me expus, perdi a oportunidade de realizar junto com um novo governo, de aprender, em um departamento ou secretaria. Fica uma mancha na sua história, de alguém que não honra compromisso. Eu errei, assumi meu erro, paguei por ele, foi mais difícil criar compromissos depois disso, ficou uma lição fortemente aprendida.

Daí veio a guinada na vida profissional?

Um dia, no Jardim Universo, eu subi no palanque e, depois de minha fala, vi que era uma fala muito rasa. Nesse momento eu conheci o Adolfo Calderón, pesquisador, sociólogo e professor universitário. Ele me perguntou o que eu queria fazer, e eu disse que queria ser professora. Estava cansada de uma campanha em cima da outra, e sempre com a mochila cheia de histórias, mas vazia. Nesse período, me candidatei ao mestrado da Fundação Getúlio Vargas, de Políticas Públicas. Perdi a eleição, mas fui aprovada para o mestrado.

Mas houve uma nova campanha…

Me sentia pronta, me filiei ao PMDB, a Vanessa Damo, era deputada estadual, à época, e eu tive problemas para me filiar a partidos menores. Disputei as eleições para a Câmara, e tive cerca de 2 mil votos. Fui uma eleição legal, mas eu já tinha disputado uma vaga para o doutorado. Perdi a eleição, mas tinha para onde voltar. Fechei o comitê e defini que a carreira acadêmica mais abre portas do que fecha, para mim.

E hoje você está alinhada a algum partido?

Sou filiada ao MDB, mas não tenho nenhuma predileção por um partido ou outro. Tenho acompanhado algumas lideranças e movimentos, como o Novo, e o surgimento de lideranças, como o Caio Cunha, a Maria Luisa, o Renova BR e outros. É uma nova escola, jovens que possuem visão mais conciliadora na solução dos conflitos políticos, que não cedem com facilidade aos caminhos curtos.

Você tem planos políticos?

Não há planos políticos, não tenho essa ambição hoje. Para um dia estar mais próxima da gestão pública de minha cidade, eu precisaria ser provocada a isso. E esse caminho, necessariamente, não é disputar uma nova eleição.

Como foi a mudança do ambiente político para o acadêmico?

A minha principal dificuldade, nos primeiros anos, foi sair do palanque. Voltar para a teoria, os dados concretos. Até para falar sobre a cidade e defender melhorias, você não fala porque acha que é bom, não defende com base no que acredita. Eu não conseguiria adotar uma posição, baseada hoje em um impulso político.

Que avaliação você faz desse início do governo Bolsonaro?

Do ponto de vista político é um governo que cultiva muita animosidade, que gera forte instabilidade política porque, a cada momento, cria uma crise institucional. Em um olhar, como cientista de políticas públicas, é um governo contraditório, porque ao mesmo tempo que defende uma política econômica liberal, restringe as liberdades pessoais.

E como as instituições estão lidando com essa instabilidade?

Percebo que o terceiro setor está buscando outros caminhos, como o contato direto com os governadores e prefeitos, e soluções por meio do congresso e não com o governo.

O combate à corrupção muda a forma de fazer política no Brasil?

Eu confio que sim, embora os analistas sejam pessimistas. Há engrenagem muito antiga estabelecida, mas os meios de fiscalização melhoraram e o eleitor está menos inerte. Hoje, não cabe prática como a manutenção de cofres dentro dos gabinetes dos prefeitos, como antigamente.

E como está Mogi hoje?

É uma cidade privilegiada entre os municípios de médio e grande porte, com bons índices educacionais e sociais. Porém, ainda concentra a riqueza nas mãos de 50% da população. Ela se desenvolve mas não promove equidade social, e poderia abraçar essa meta como prioridade. Notamos a desigualdade na periferia, no acesso ao saneamento básico e no tratamento de pouco mais da metade do esgoto. Mogi possui ativos para ter uma função social melhor e atender aos direitos individuais de seus cidadãos.