Notícia

Gazeta Mercantil

Texas abriga maior "concorrente" do Vale do Silício

Publicado em 08 abril 1997

Austin, a capital do estado americano do Texas, é a principal rival do Vale do Silício: com uma qualidade de vida considerada melhor do que na Califórnia, a cidade e seus arredores têm empresas de alta tecnologia que empregam quase cem mil pessoas, como mostra o quarto artigo, de uma série de seis, do relatório da The Economist, que estamos publicando. Não é difícil saber por que, a cada ano, seis mil californianos migram para Austin, a capital do Texas. Com cerca de 600 mil habitantes I(mais 400 mil nos municípios vizinhos), Austin é tão rica, liberal e avançada quanto o norte da Califórnia, mas tem uma vida muito mais fácil. O tipo de residência que custaria US$ 500 mil em Palo Alto é vendido por apenas US$ 150 mil. As escolas públicas de Austin são melhores. E, apesar das queixas sobre sua infra-estrutura ("Os semáforos não são nem sincronizadas", queixa-se um funcionário da Motorola), a circulação é muito mais fácil na capital texana do que no Vale do Silício, e nota-se claramente que seu ar é mais limpo. "Toda vez que vou ao Vale do Silício", afirma Michael Dell, fundador da Dell Computer, "agradeço a Deus por estarmos sediados no Texas". Como custa menos viver em Austin, a mão-de-obra é mais barata. Um programador de software com oito a dez anos de experiência, por exemplo, custaria US$ 75 mil em Austin, mas perto de US$ 100 mil no Vale do Silício. E há uma menor rotatividade nos empregos. Um dos fundadores do Vale do Silício admite: "Se eu fosse um engenheiro de 28 anos com filhos pequenos, e interessado em um estilo de vida agradável, iria para Austin, não para o vale". Perspectivas Se for pedido aos habitantes do Vale do Silício para apontarem sua rival mais próxima, Austin será a resposta mais comum (embora existam muitos outros concorrentes, ver box). Estudantes com especialização em tecnologia saem da Universidade do Texas. Metade do quadro de funcionários da Activer-se, uma empresa de software de Austin, saiu dessa universidade. Da mesma forma que o Vale do Silício, Austin recebe bem os imigrantes. Até o fim da década, a população asiática, em crescimento acelerado na cidade, deverá representar 5% do total de habitantes. George Bush Jr., o governador do Texas, afirma que nos últimos tempos Texas seu estado tem sido mais cordial com os imigrantes do que a Califórnia. Silicon Hills (Colinas do Silício), como alguns gostariam que fosse chamada, levou muito tempo para se pôr em movimento. George Kozmetsky, um empreendedor clássico de Austin (equivalente local de Fred Terman, do Vale do Silício), mudou-se a capital texana em 1966, mas viu-se muito frustrado em suas tentativas iniciais de convencer os residentes da cidade a abrir empresas: "Era uma cidade governamental e acadêmica". Somente no início desta década a Universidade do Texas modificou suas normas, as quais proibiam seus funcionários de dirigir empresas. O setor de alta tecnologia de Austin pode ser dividido em três partes. A maior é a de semicondutores: segundo o "think tank" econômico Angelou Economic Advisers, essa divisão empregava 26 mil pessoas em 1995. Esse número aumentará em mil quando a Samsung, da Coréia do Sul, terminar sua nova e gigantesca fábrica de US$ 1,3 bilhão, neste ano. Entretanto, as perspectivas de longo prazo para o crescimento na fabricação de chips não parecem promissoras. A Motorola, a Advanced Micro Devices e a Cypress Semiconductor estão construindo suas novas fábricas em outros locais. Por outro lado, todas já reclamam que a Samsung rouba seus funcionários: engenheiros estão recebendo propostas de contratos de US$ 25 mil por cabeça. Um motivo para a Samsung ter optado por Austin foi a Dell Computer. A Dell, que emprega sete mil pessoas na área da cidade, é a principal empresa no segundo conjunto de 250 empresas relacionadas com computação de Austin que, juntas, empregam 38 mil pessoas. No ano passado, a Dell, fundada em 1984 com base no palpite de Michael Dell, segundo o qual os computadores pessoais poderiam ser vendidos por encomenda postal, superou a Apple Computer para se tornar a quarta maior vendedora de computadores pessoais no mercado americano. Estímulo Apesar de o quadro de pessoal da Dell dobrar a cada dois anos, o futuro de Austin depende cada vez mais de suas 425 empresas de software, que, em conjunto, empregam 33 mil pessoas. Em parte devido à sua concentração em chips, Austin descobriu o software com atraso, mas está recuperando o terreno rapidamente. Suas principais áreas de especialização de softwares estão em multimídia, semicondutores, educação e banco de dados. Um estímulo para esse processo foi a saída de meia dúzia de empreendendores da Tivoli, a mais importante empresa local de software (que a IBM comprou no ano passado, por US$ 743 milhões). John Thorton, da Austin Ventures (AV), uma empresa local de capital de risco, afirma que a AV financiou somente em 1996 tantas empresas de alta tecnologia com sede em Austin quanto fez nos cinco anos anteriores, somados. Nos cafés de Austin, ressoam conversas sobre opções de ações. Em contrapartida, como admite Thorton, nenhum capitalista de risco de Austin pode prometer com segurança, a cada candidato potencial, que haverá um emprego para ele na cidade, mesmo que o proposto empreendimento prosperar; e os gerentes de alta tecnologia são escassos. Mas, acima de tudo, o estilo tranqüilo é menos atraente aos empreendedores calejados do que o ritmo incessante do norte da Califórnia. "Ainda recebemos as pessoas realmente gananciosas", queixa-se um empresário do Vale do Silício. De fato, uma das mais sérias barreiras para Austin ser rival do Vale do Silício é que ninguém parece querer se comportar dessa maneira. "Aqui há uma comunidade, e não simplesmente um lugar para trabalhar", observa o prefeito da cidade, Bruce Todd. Seus eleitores já se queixam de que a cidade está ficando muito parecida com a Califórnia, com seus altos preços de habitações e novas fábricas com aparência desagradável. Do ponto de vista do Vale do Silício, o desenvolvimento de locais como Austin é um cumprimento ambíguo. De um lado, a imitação é a forma mais elevada de elogio. Um dos componentes mais importantes da infra-estrutura da capital texana é o "Nerd Bird", um vôo entre San José e Austin, duas vezes ao dia. Só os funcionários da Advanced Micro Devices acumulam 20 mil viagens por ano. Em uma pesquisa recente feita pela revista Fast Company, 35% dos passageiros dessa rota admitiram ser "nerds" e outros 37% disseram rejeitar essa denominação. Um dos entrevistados respondeu: "Carrego um solucionador de problemas com equações diferenciais e uma tabela periódica na minha carteira. O que você acha?" Por outro lado, locais como Austin não precisam, necessariamente, ser parecidos com o Vale do Silício para afetar a singularidade deles. Atualmente, existem 34 empresas de capital aberto com sede em Austin; no ano 2000, provavelmente serão mais de 60. Nesse nível, cada empresa de qualquer porte no setor de alta tecnologia precisa ter pelo menos um posto de reconhecimento na cidade, como ocorre em Boston e Manhattan. Em outras palavras, não se pode supor com segurança que a empresa saberá o que está acontecendo no setor de alta tecnologia apenas freqüentando o "II Fornaio", em Palo Alto. Também é preciso saber o que acontece no "Boar's Head", em Austin, e no "Space Bar", em Nova York. Michael Spence, reitor da Escola de Administração de Empresas de Stanford, sustenta que, no futuro, as grandes empresas de alta tecnologia mais bem-sucedidas serão aquelas que aprenderam como "optar entre tipos diferentes de aglomerados de empresas". Mais uma vez, isso parece sugerir algum tipo de consolidação na faixa superior do setor. Entretanto, o desenvolvimento gradativo de outros miniaglomerados já está sendo obscurecido por algo muito maior: a Internet. Imitações foram formadas por toda parte The Economist O Vale do Silício está se propagando. Segundo Bill Gates, da Microsoft, existem 22 países com o que ele chama de "populações programadoras concentradas" — entre os quais a Santa Sé, a Finlândia e a Nova Zelândia. "É fascinante o trabalho genial que se realiza em Israel, Japão, vários países europeus e até na China, onde há uma população programadora relativamente pequena, mas crescente", diz ele. Sua própria empresa em Seattle está no centro de um aglomerado crescente: o estado de Washington tem duas mil outras empresas de software, que produziram faturamento superior a US$ 2,3 bilhões. As principais áreas que reivindicam a condição de Vale do Silício, além de Austin, incluem: - A Grã-Bretanha é a candidata mais promissora da Europa Ocidental. Tem abundância de bons cientistas e três aglomerados atraentes - Silicon Glen (na Escócia), Cambridge e o Vale do Tâmisa. Entretanto, as empresas eletrônicas, mesmo em uma definição ampla, são responsáveis por menos de 5% do índice de ações FTSE; e os empreendedores ainda são considerados excêntricos. - Bangalore, no estado de Karnataka (no Sul da índia), já absorve trabalho de desenvolvimento de software, do Vale do Silício, no valor de cerca de US$ 280 milhões. As universidades indianas formam programadores em grande número, e o setor de alta tecnologia do país emprega, hoje, 140 mil pessoas em 600 empresas. Mas, por enquanto, Bangalore tem desempenho melhor na fabricação de produtos para terceiros do que na criação de novos produtos próprios. E, dada a lastimável infra-estrutura do país e seu governo venal, muitos indianos ainda preferem procurar a sorte na Califórnia. - Israel, que também tem uma proporção bastante elevada de cientistas, abriga cerca de duas mil empresas de alta tecnologia, incluindo as principais participantes de setores como a Check Point, que fornece software "fire-wall" (de segurança), para a proteção das redes. No ano passado, 18 empresas israelenses abriram o capital nos Estados Unidos, o maior número entre todos os países estrangeiros. Muitas empresas do Vale do Silício, incluindo a Sun, a Silicon Graphics, a Bay Networks e a Hewlett-Packard, mantêm escritórios em Israel. A Intel, que desenvolveu seu chip MMX no país, já iniciou as obras de sua terceira fábrica em território israelense. Segundo um capitalista de risco da Califórnia, Israel é extraordinariamente parecido com sua terra natal. "Muitos tipos estranhos. Ninguém usa gravata. É quente. Temos a falha de San Andreas; eles têm a intifada (revolta palestina). Poderia ser nossa casa". - Enquanto Boston parece ter se contentado com um honroso papel de coadjuvante do Vale do Silício, em Manhattan não faltam jovens de roupa escura e calçados esportivos agressivos, que insistem que Nova York é a capital da nova mídia do mundo. De acordo com um estudo recente da Coopers & Lybrand, o setor de multimídia na região de Nova York gerou, no ano passado, uma receita de US$ 3,8 bilhões e empregou 71,5 mil pessoas. Mas muitos economistas californianos contestam esses números. E, apesar de os "nerds" de Nova York fazerem coisas "silicionescas", como comemorar o aniversário do filme "2001: Uma Odisséia no Espaço", de Stanley Kubrick, ainda precisam contratar boa parte da produção de softwares em outros centros da Costa Leste dos EUA. - O Hsinchu Science Park, a uma hora de carro de Taipé, foi estabelecido em 1980 pelo governo de Taiwan, com a meta explícita de atrair tecnólogos taiwaneses, que trabalhavam no Vale do Silício, de volta ao país. Os empreendedores receberam vários incentivos fiscais e a promessa de que não seriam perturbados. Hsinchu abriga uma próspera rede de pequenas empresas, que emprega cerca de 50 mil pessoas. Seu principal foco é a fabricação de chips, mas sua principal empresa, a Acer, é hoje uma das maiores fabricantes de computadores pessoais do mundo. Entretanto, como Bangalore, Hsinchu ainda precisa provar que consegue ter idéias próprias. - Embora seja discutível, os lugares que mais se parecem com o Vale do Silício não são paraísos estrangeiros de softwares, mas outros agrupamentos de empresas impulsionados por imigrantes na Califórnia: desde centros de alta tecnologia, como a rede de biotecnologia de San Diego, até os de baixa tecnologia, como as empresas de móveis e têxteis de Los Angeles. Joel Kotkin, um economista de Los Angeles, cita o caso de Irvine, uma das muitas "cidades periféricas" do condado de Orange, que no ano passado tinha nove das 500 empresas de expansão mais rápida nos Estados Unidos (de acordo com cálculo feito pela revista Inc) - mais do que em outro lugar. Vale do Silício cai nas malhas da rede John Micklethwait - The Economist A Internet representa um salto tecnológico ao qual o Vale do Silício vem mostrando capacidade de adaptação, apesar dos riscos que a rede representa para aglomerados de empresas, como mostra o quinto artigo, de uma série de seis do relatório da The Economist, que estamos publicando. Em 1970, Akron, no estado de Ohio, era a incontestável capital dos pneus dos Estados Unidos, sede de quatro das cinco principais (e intensamente competitivas) indústrias de pneus do país. Agora, somente uma dessas empresas, a Goodyear, permanece tanto um líder nos EUA como no mercado. Akron foi minada pelo entusiasmo dos americanos por pneus radiais, de duração mais longa, depois da crise do petróleo de 1973. O problema de Akron não foi a incapacidade de as indústrias fabricarem pneus radiais: a tecnologia já existia havia décadas. Elas foram, na verdade, incapazes de reformar seu modelo empresarial, que dependia de pneus de vida curta. Richard Tedlow, um historiador da Escola de Administração de Empresas de Harvard, diz que ninguém conseguiu ainda explicar por que alguns aglomerados de empresas, tais como Akron, se perderam no caminho, enquanto outros, como o Vale do Silício, vêm conseguindo se renovar. Isto é, com certeza, uma questão complicada. Por exemplo, um aglomerado pode ser dominado por grandes empresas (como Detroit, antes que a Toyota e a Honda se estabelecessem na cidade), mas também pode ser fragmentado (digamos, as fábricas têxteis de Lancashire). Entretanto, parece que os aglomerados são freqüentemente derrubados por uma mistura letal de três fatores: auto-absorção (a Sears, Roebuck competiu tão acirradamente com a Montgomery Ward, loja de departamentos congênere de Chicago, que se deu conta da presença da Wal-Mart); esquecer o que seus clientes querem (Detroit oferecia aos compradores de automóveis modelos "rabo de peixe", em vez de veículos confiáveis, de baixo preço); e algum tipo de choque externo grave, que pode ser um acontecimento político (a guerra civil americana interrompeu temporariamente o fornecimento de algodão às fábricas de Lancashire), ou algo que Tedlow e outros preferem chamar de "descontinuidades tecnológicas". O problema com tais guinadas tecnológicas é que são muito difíceis de ser detectadas, Na virada do século, não foi um passo óbvio, para a empresa Studebaker, passar da fabricação de carruagens puxadas por cavalos para a produção automóveis, já que, nos cinco anos precedentes, os nova-iorquinos tinham comprado 350 mil carruagens e apenas 125 carros. Dinheiro O Vale do Silício já sobreviveu a uma "descontinuidade tecnológica": o salto do mainframe (computador central) para o computador pessoal, o PC. A reviravolta mais recente, e de alcance muito maior - a Internet -apresenta expõe dois riscos. A curto prazo, o Vale do Silício, na sua preocupação de não ticar para trás, pode saltar muito à frente de seus clientes. A um prazo mais longo, a Internet poderá tornar todos os aglomerados de alta tecnologia menos importantes. Parte do problema de curto prazo é dinheiro: o Vale do Silício está cheio dele. Em Wall Street, as empresas de tecnologia dos EUA são negociadas, no momento, em níveis múltiplos, o que trás à memória o período do "boom" econômico do Japão, há suposição de que todas ganharão com a Internet. John Hagel, consultor da McKinsey, ressalta que mudanças produzem tanto vencedores como perdedores; pelos seus cálculos, o salto do mainframe para o PC acrescentou cerca de US$ 23 bilhões ao valor de mercado de um conjunto de empresas de computadores entre 1985 e 1990, mas também levou outro grupo a perder US$ 35 bilhões, no mesmo período. Com a ajuda das elevadas valorizações do mercado de Wall Street, até mesmo capitalistas de risco, de médio porte, acumularam retornos acima de 35% ao ano, e o dinheiro continuou: a vir. No ano passado, segundo a publicação Private Equity Analyst, o setor de capital de risco dos EUA arrecadou US$ 6,5 bilhões, cerca de 40% de aumento em relação ao ano anterior. Uma empresa de primeira linha, a Draper Fisher Associates, levantou US$ 90 milhões para um fundo relacionado à Internet, em 1996. "Poderíamos ter captado US$ 200 milhões", afirma seu fundador, Tim Draper. Como se poderia esperar, os preços subiram rapidamente. Jim Breyer, da Accel Partners, diz que, há 18 meses, um investimento de US$ 3 milhões em uma empresa recém-criada teria obtido metade das ações; agora, a firma de capital de risco pode ter de se contentar com um terço. Nas rodadas posteriores de financiamento, quando é mais fácil aos capitalistas de risco menos experientes investirem, os preços se tornam ainda mais exorbitantes: há 18 meses, uma empresa promissora com US$ 2 milhões de faturamento poderia ter sido avaliada em US$ 15 milhões; agora, o valor pode ficar bem acima de US$ 45 milhões, já que todos suspeitam de que a firma certamente abrirá o capital em breve. Tais aumentos de preço não são novidade (Josh Lerner, da Escola de Administração de Empresas de Harvard, ressalta que em períodos anteriores nos quais a entrada de capital em fundos de empreendimentos de risco americanos dobrou, os preços médios pagos por esses fundos subiram mais de 20%). Os otimistas sustentam que o atual mercado desequilibrado se corrigirá sozinho. Wall Street já perdeu parte de seu entusiasmo por empresas relacionadas à Internet jovens: as ações das empresas apoiadas por capital de risco negociadas na bolsa em 1996 subiram apenas 13% durante o ano, a metade da taxa do mercado inteiro. À medida que as ofertas públicas de ações ficarem menos generosas, os capitalistas de risco entrarão em cena com parte de seu próprio dinheiro em excesso. Como a maioria dos fundos já contabiliza lucros fartos, isso não afetará demasiadamente os retornos. Entretanto, nem todos os problemas desaparecerão sozinhos. A atual abundância de dinheiro criou um número excessivo de empresas imitadoras, especialmente nas áreas relacionadas à Internet. Capitalistas de risco mais antigos temem uma repetição do "fenômeno de disk drive", com o setor ficando tão congestionado que praticamente ninguém ganha dinheiro. Alguns capitalistas de risco estão em tantas diretorias que precisam se fazer representar por principiantes. Por outro lado, mercados financeiros menos prósperos poderão causar danos às empresas do Vale do Silício. As opções de ações formam hoje uma larga parcela da remuneração de muitos funcionários. Quando os preços das ações começam a despencar, fica difícil manter os bons funcionários, como descobriram a Silicon Graphics, a Subase, a Apple Computer e outras empresas. No ano passado, a Apple decidiu substituir seu plano normal de bonificação de executivos, vinculado a resultados do ano inteiro, por outro ligado aos resultados da empresa para o trimestre que se encerra em setembro; estranhamente, foi o único trimestre em que suas contas não ficaram deficitárias. O Vale do Silício, afirma Garth Saloner, professor da Escola de Administração de Empresas de Stan-ford, trabalha em um plano de empresarial do tipo "campo de sonhos": se você construir algo, os clientes virão. O medidor do ritmo do setor tem sido a Lei de Moore - a previsão feita há 30 anos por Gordon Moore, da Intel, e até agora comprovada como correta: o desempenho do microprocessamento dobraria a cada 18 meses. A implicação da Lei de Moore é a de que o mercado de alta tecnologia continuará a crescer rapidamente, à medida que as pessoas continuarem a comprar novas máquinas, especialmente computadores pessoais, para tirar proveito dessa nova capacidade. Há todos os motivos para se esperar que o mercado internacional de PCs acelere sua expansão enquanto o resto do mundo luta para alcançar os Estados Unidos. Isso significa dinheiro para algumas empresas com marcas firmemente estabelecidas, especialmente a Microsoft. Entretanto, muitas partes de um computador pessoal podem ser copiadas em poucos meses por companhias de preços mais baixos (apesar de que alguns componentes podem precisar de um pouco mais de tempo: para os chips da Intel, o intervalo é de cerca de dois anos). O dinamismo do Vale do Silício e a oportunidade para suas jovens empresas ganharem dinheiro dependem de se estimular o setor de alta tecnologia em mercados desenvolvidos, principalmente nos Estados Unidos, que no ano passado foram responsáveis por cerca de 40% dos 70 milhões de computadores pessoais vendidos ao redor do mundo. Paul Turner, um consultor da Price Waterhouse, ressalta que a proporção de computadores pessoais para uso doméstico em mercados desenvolvidos aumentou de 20%, em 1985, para quase 50%, atualmente. O computador pessoal, afirma ele, está se tornando lentamente parte do mercado de eletrônicos de consumo. Este mercado não está apenas mais volátil, mas também é o território menos obviamente cativo do Vale do Silício, que está mais interessado na idéia genial do que na facilidade de uso com baixo custo (lembram-se do Apple Newton?). EXCESSOS Até o momento, o computador pessoal vem mantendo sua posição. Há dois anos, a empolgação com a Internet e a chegada de CD-ROMs de multimídia ajudaram a convencer os consumidores a atualizarem seus PCs, usando o chip Pentium, da Intel. Agora, o Vale do Silício está começando a comercializar PCs com multimídia mais avançados, baseados nos chips MMX, ligeiramente mais potentes, da Intel. Para seus adeptos, os PC MMX oferece a promessa de entretenimento interativo, compras e assim por diante. Mas, mesmo supondo que americanos esforçados prefeririam passar suas noites digitando em seus computadores do que assistindo à televisão (não é uma suposição segura), existe um problema técnico: os sistemas telefônicos não possuem larguras de banda suficientes para levar serviços interativos sofisticados aos lares. O problema pode demorar cinco anos para ser resolvido. Além disso, existe uma suspeita crescente de que muitos consumidores - exatamente da mesma forma que os compradores americanos de automóveis, há 30 anos - querem na verdade menos acessórios, e não o oposto. Comprar um PC moderno é parecido com a aquisição de um prédio inteiro de apartamentos, quando o que se deseja é apenas alugar alguns quartos. Muitos usuários precisam apenas de uma pequena parcela dos programas que acompanham as máquinas compradas; todo o resto de software supérfluo apenas desacelera o computador. Quem sugerir que há capacidade excessiva em um "desktop", metade do Vale do Silício o chamará de "ludista" (alusão aos operários que quebravam máquinas no início da Revolução Industrial). Moore, por exemplo, salienta educadamente que as pessoas sempre encontraram novas maneiras de usar qualquer capacidade que a Intel pusesse em suas mãos. Entretanto, a r outra metade do Vale do Silício - incluindo a Oracle, a Sun, a Netscape e muitas outras empresas principiantes ligadas à Internet - aposta pesadamente no computador de rede (NC), um terminal de baixo custo para tomar emprestados programas e arquivos da Internet quando o usuário precisar deles. Para muita gente no Vale do Silício, a guerra NC-PC tem tudo a ver com a destruição da hegemonia da "Wintel", estabelecida pelo software Windows, da Microsoft, e pelos chips da Intel. Foi só há dois anos que a Sun Microsystems lançou o Java, a linguagem de computador que tornou possível o NC, mas já existem 250 mil programadores que a utilizam. A Netscape, a criadora do "browser" Navigator para Internet, demonstrou o poder dessa rede como sistema de distribuição para pequenas empresas, ao espalhar 50 milhões de cópias do programa pelo mundo. Por outro lado, o PC tem vantagem sobre o NC em termos de tecnologia e de custo; a Microsoft está investindo bilhões de dólares para tornar o Windows mais fácil de se usar com a Internet. Bill Gates tem, acima de tudo, a vantagem de, ao contrário da aliança um tanto caótica montada contra ele, oferecer uma solução integrada. Dada a complexidade da Internet, os consumidores podem preferir se ater a algo que conhecem, mesmo que isso possa significar perder a maioria das engenhocas avançadas. A um prazo mais longo, uma vitória para a Microsoft e o PC afetaria mais o orgulho do que a conta bancária do Vale do Silício. Mas, a curto prazo, as guerras sobre padrões deverão afastar clientes potenciais, que não querem comprar equipamentos que possam ficar rapidamente obsoletos. Os compradores empresariais são responsáveis por cerca de 80% do total dos gastos, e para muitas delas a opção entre NC e PC poderá ser a gota d'água. Até o momento, essas empresas clientes seguiram lealmente as ordens do Vale do Silício - atualizando não apenas seus PCs, mas também sua infra-estrutura de alta tecnologia. De cada dólar de investimento de capital nos Estados Unidos, cerca de US$ 0,40 vão para tecnologias da informação (TI) de uma espécie ou outra. Há um debate intenso sobre o ganho de produtividade, se é que existe algum, que esse enorme investimento produziu. Saloner, da Escola de Administração de Empresas de Stanford, que realiza pesquisas regulares sobre clientes empresariais, sustenta que uma crescente "brecha de comercialização" está se abrindo entre o que o Vale do Silício faz e o que seus clientes conseguem usar. Quando se trata de gerenciamento de banco de dados, por exemplo, a maioria das empresas, compradoras tem algumas prioridades, práticas, como ser capaz de distinguir entre clientes atuais e potenciais e de partilhar dados internos com segurança e facilidade. Mas o Vale do Silício está fascinado com a idéia de levar esses bancos de dados (com som e vídeo completos) para a Internet. Retornos Saloner observa que algumas empresas do Vale do Silício, notada-mente a Hewlett-Packard, tentaram cobrir essa brecha, criando unidades que se concentram em segmentos específicos. Uma empresa que prosperou com a negligência do Vale do Silício foi a SAP Software, uma indústria alemã que produz softwares sem muita criatividade, mas genéricos e robustos, para tarefas como rodar sistemas de pessoal e de manufatura. Hagel, da McKinsey, acredita que a brecha de comercialização é especialmente marcante quando se trata da Internet. Se os futurólogos estiverem corretos, no ano 2000 os clientes terão aplicado o total de US$ 200 bilhões em softwares de rede e equipamentos correlatos; mas a maioria das previsões de faturamento de atividades ligadas à Internet, como a publicidade em sites na rede, não ultrapassa de US$ 35 bilhões - um retorno considerado lento. Hagel acaba de publicar um livro, "Net Gain" ("Lucro Líquido", Harvard Business School Press), que exorta as empresas a formar "comunidades virtuais" de clientes para a economia via Internet. Isto é possível? "Quando se trata da Internet, sou pessimista a curto prazo mas otimista a longo prazo." Saloner tem opinião parecida: "Sem dúvida, a abordagem de 'campo de sonhos' funcionará — futuramente". Talvez funcione. Subestimar o efeito da Internet a longo prazo seria certamente ainda mais insensato do que superestimar os lucros a curto prazo derivados da rede. Uma pesquisa recente entre as mil maiores empresas dos Estados Unidos, realizada pela Forrester Research, uma empresa de consultoria de Boston, mostrou que 62% delas já utilizam o Java. No ano passado, o número de famílias americanas com acesso à Internet aumentou em 60%, totalizando 15,4 milhões; neste ano, esse total deverá subir para 23 milhões. Será que a Internet torna os aglomerados de empresas menos importantes? Gates apresenta uma longa lista de maneiras nas quais uma futura rede de informações de banda larga fornecerá "a oportunidade para as pessoas se propagarem mais do que conseguem hoje". Haverá videoconferências sofisticadas, colaboração remota e um aumento marcante em televiagem. Ele também acredita que as empresas conservarão um quadro de pessoal menor, para se concentrarem em suas atividades principais, e distribuírem trabalhos menos essenciais a consultores, que poderão viver onde bem entenderem. O resto do mundo poderá ficar um pouco mais próximo do Vale do Silício; mas são grandes as probabilidades de que a alta tecnologia, não menos dó que o entretenimento, continuará a precisar de um sustentáculo. Há coisas que a realidade virtual não consegue fornecer, como as confidencias de um longo almoço ou as queixas mútuas ao redor de uma máquina de café. O Vale do Silício pode se consolar com a experiência da City de Londres que, segundo seus críticos, está pagando os aluguéis de escritórios mais elevados do mundo apenas para fazer negociações cambiais pelo telefone. No entanto, ela sobrevive. Deve haver mais nos aglomerados de empresas do que os olhos conseguem ver.