Os pediatras poderão contar, em breve, com um novo método de diagnóstico de recém-nascidos com suspeita de fibrose cística – uma doença genética que gera desequilíbrio na concentração de cloro e sódio nas células produtoras de secreções do corpo (glândulas exócrinas), como muco e suor.
Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu uma nova metodologia não invasiva que promete ser mais simples e precisa do que os métodos utilizados hoje.
Resultado de um trabalho feito com apoio da FAPESP, o novo teste foi descrito em artigo publicado na revista Frontiers in Pediatrics.
“Trata-se de uma nova metodologia de screening (rastreamento), capaz de diagnosticar por marcadores de pele a fibrose cística sem necessidade de causar sofrimento ao bebê e de outros processos de coleta de amostras biológicas”, disse Rodrigo Catharino, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp, coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores e orientador do estudo.
De acordo com estimativas da Cystic Fibrosis Foundation, cerca de 70 mil pessoas no mundo vivem com fibrose cística. O principal sintoma da doença é a produção de muco exageradamente espesso, que não é devidamente eliminado pelo organismo e acumula-se em diversos órgãos, como os pulmões, pâncreas, fígado e o intestino. Embora a doença afete todos os grupos raciais e étnicos, os caucasianos são os mais acometidos: 1 em cada 2 mil a 3 mil recém-nascidos europeus apresenta fibrose cística.
“Os dois testes mais utilizados para o diagnóstico laboratorial de fibrose cística hoje são a análise de DNA, por amostra de sangue, e o teste de suor. Mas ambos os testes têm limitações”, disse Cibele Zanardi Esteves, principal autora do estudo.
O teste de análise de DNA é aplicado para reconhecer mutações que afetam um gene, chamado CFTR – sigla em inglês de regulador da condutância transmembrana da fibrose cística –, e causam a doença. Esse tipo de teste, entretanto, é caro, demorado e realizado em laboratórios especializados de genética molecular – o que limita seu acesso pelos pacientes.
Já o segundo teste, o de suor, considerado padrão-ouro para o diagnóstico de fibrose cística, é baseado na concentração de cloro (ou cloretos) no suor do paciente que, entre 30 e 60 milimol por litro (mmol/l), indica a existência da doença.
Esse teste, contudo, pode ser demorado e desconfortável especialmente para bebês e crianças, uma vez que, para coletar o suor, a transpiração é induzida na pele do antebraço por meio da aplicação de nitrato de pilocarpina no local e, em seguida, de uma corrente elétrica por cerca de 30 minutos para estimular a sudorese.
O método também não diferencia com alta sensibilidade e especificidade os pacientes positivos e negativos para fibrose cística que apresentam concentração de cloreto entre 30 e 60 mmol/l. Como foi elaborado com base no diagnóstico de pacientes com sintomas de múltiplos órgãos, os resultados podem ser inconclusivos para pacientes com sintomas da doença em um único órgão, ressalvam os pesquisadores.
“O teste do suor apresenta uma grande janela de limitações que torna o diagnóstico de fibrose cística impreciso em alguns casos e demanda exames complementares”, disse Esteves.
Uma vez que as mutações que afetam o gene CFTR, conhecidas por causar a fibrose cística, induzem muitas alterações metabólicas nos pacientes, os pesquisadores levantaram a hipótese de explorar essas alterações para desenvolver biomarcadores (indicadores químicos do estado da doença) a partir de amostras biológicas, como de pele. E, dessa forma, desenvolver um método mais simples, barato e mais preciso para diagnosticar a doença.
Marcadores químicos da pele
Para obter os marcadores químicos foram selecionados 16 pacientes diagnosticados com fibrose cística, atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unicamp, com a mutação F508del – a mais comum entre as mais de 2 mil mutações no gene CFTR associadas à doença – e 16 pacientes saudáveis.
A partir de placas de sílica, sobrepostas no dorso dos pacientes por 1 minuto, foram extraídas moléculas presentes na superfície da pele deles. Todas as amostras coletadas foram analisadas em um espectrômetro de massas – aparelho que funciona como uma espécie de balança molecular, separando as moléculas que ali entram de acordo com sua massa.
Por meio de análises estatísticas e metabólicas foram comparadas as moléculas da pele dos pacientes com fibrose cística com as dos saudáveis. Os resultados dessas análises permitiram identificar sete moléculas diferentes nos pacientes com fibrose cística, associadas a disfunções metabólicas observadas na doença, que podem ser marcadores químicos cutâneos.
“Os biomarcadores que identificamos não são somente relacionados à glândula do suor, mas ao desbalanço iônico pelo qual o organismo afetado pela doença passa por conta da mutação genética. Isso faz com que o novo método seja mais específico do que o teste de suor”, disse Esteves.
Os pesquisadores patentearam o método e pretendem aplicá-lo agora para avaliar outras mutações relacionadas à fibrose cística, a fim de validar o teste e comercializá-lo.
A ideia é que o novo teste possa ser utilizado em casos de recém-nascidos com suspeita da doença, por exemplo, em que uma placa recoberta com sílica seja colocada sobre a pele da criança por um minuto, sem a necessidade de estimulá-la a suar.
A placa seria injetada em seguida em um espectrômetro de massa, que faria a leitura das moléculas impregnadas nela em 30 segundos e as compararia com os biomarcadores cutâneos identificados pelos pesquisadores. Dessa forma, seria possível obter o diagnóstico da doença com maior rapidez e precisão.
“Alguns hospitais já possuem espectrômetro de massa, usado para realizar exames como dosagem de vitamina D e teste do pezinho, mas que é diferente do que utilizamos para o desenvolvimento da técnica”, disse Esteves. “Nossa ideia é adaptar o método que desenvolvemos para os equipamentos desses hospitais”, afirmou.
O artigo Skin biomarkers for cystic fibrosis: a potential non-invasive approach for patient screening (doi: 10.3389/fped.2017.00290), de Cibele Esteves e outros, pode ser lido na revista Frontiers in Pediatrics emwww.frontiersin.org/articles/10.3389/fped.2017.00290/full.