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Teste aponta presença de contaminantes em amostras de salame comercializadas em São Paulo (49 notícias)

Publicado em 13 de fevereiro de 2023

Por Mônica Tarantino, da Agência FAPESP

Seja no bar ou em casa, o salame tem lugar garantido na mesa do brasileiro. Diante de sua popularidade e da variedade de marcas e tipos existentes no país, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz (IAL) em parceria com cientistas do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) analisaram 14 marcas comerciais de embutidos para rastrear a presença de quatro contaminantes do grupo dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (PAHs), nocivos à saúde humana e animal. “Avaliamos 22 amostras de salames adquiridos em supermercados e lojas de varejo da cidade de São Paulo entre 2019 e 2021”, descreve Simone Alves da Silva, pesquisadora do Núcleo de Contaminantes Orgânicos do IAL e uma das autoras da pesquisa.

As amostras foram trituradas, homogeneizadas e depois submetidas a uma nova metodologia de rastreamento desenvolvida pelo grupo. O resultado mostrou que seis das 22 amostras (quase um terço do total) continham pelo menos um dos quatro PAHs procurados. Felizmente, na maioria das amostras positivas, os valores ficaram abaixo dos limites estabelecidos pela legislação europeia, o que foi adotado como parâmetro devido à falta de normas específicas no Brasil para o controle desses compostos em embutidos cárneos. “Duas amostras apresentaram contaminação por PAHs acima do limite máximo tolerável no Regulamento da Comissão Européia”, relata o pesquisador.

Como o rótulo de dois salames indicava que os produtos eram defumados, os cientistas decidiram analisar o conteúdo (a carne) e a tripa (a pele que cobre o salame) de cada uma dessas amostras separadamente. “Encontramos níveis mais elevados de contaminantes no intestino do que na carne, indicando maior presença de PAHs na superfície do produto”, disse a bióloga Geni Rodrigues Sampaio, gerente técnica dos Laboratórios de Componentes Alimentares e Saúde e Genômica Nutricional e Inflamação da FSP-USP e coautor do estudo.

Os hidrocarbonetos aromáticos policíclicos são uma classe de compostos que inclui mais de uma centena de substâncias químicas que surgem da queima incompleta de matéria orgânica, como ocorre com carvão, madeira e combustíveis fósseis. Suas fontes mais frequentes são incêndios florestais, veículos automotores, fumaça de cigarro e diversos processos industriais. A degradação dessas partículas no meio ambiente é lenta e elas podem ser incorporadas aos alimentos por meio da contaminação do ar, da água ou do solo e também pelo cozimento ou em alguma etapa do processo produtivo. Para monitorar sua presença, desde 2008 a Comissão Europeia orientou o rastreamento de quatro PAHs: benzopireno (BaP), benzoantraceno (BaA), criseno (Chr) e benzofluoranteno (BbF). Uma quantidade considerável de evidências científicas sobre a ação do benzopireno convenceu a Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) a declará-lo cancerígeno. Aguardando dados conclusivos, a entidade mantém os outros três HAP citados sob suspeita de causar alterações no código genético e de causar efeitos imunossupressores. Nas amostras brasileiras, o hidrocarboneto mais frequente foi o benzoantraceno.

Os resultados da pesquisa, realizada com apoiar da FAPESPPublicados na revista Métodos analíticos de alimentos, atue como um alerta. “Alguns produtos podem passar por processos tradicionais de defumação, sem a utilização de filtros de fumaça que reduzem a presença de compostos HPA”, diz Silva.

métodos de processamento

Conforme explica a agrônoma Elizabeth Ferraz Torres, professora do Departamento de Nutrição da FSP-USP e autora correspondente do artigo, defumar salames é um processo opcional. A forma mais comum é a defumação indireta, com uso de fumaça líquida ou aroma de fumaça.

“Esse método tem sido utilizado principalmente pela Indústria para substituir a defumação tradicional devido à sustentabilidade, facilidade e possibilidade de obtenção de produtos com maior uniformidade de sabor, cor e com características organolépticas diferenciadas, já que estão disponíveis aromas com diferentes composições”, explica. Torres.

A legislação brasileira também permite a defumação tradicional, em que a fumaça é produzida na mesma câmara onde a carne é processada e fica em contato direto com os alimentos. É considerado mais crítico, pois pode levar à formação de PAHs se a queima da madeira (resinosa, seca e dura) não for bem controlada.

A contaminação por PAHs costuma ser avaliada em produtos exportados nos países de destino, mas os consumidos no território nacional ainda escapam dessas análises. “É nosso erro ser corrigido. Os dados obtidos não só servem de subsídio para a formulação de legislação para o setor, como também mostram a necessidade de avaliações periódicas para monitorar a contaminação em alimentos cárneos e avaliar se são seguros para o Consumo”, acrescenta.

No Brasil, a presença de HPAs é monitorada apenas em peixes, crustáceos e moluscos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), segundo a assessoria de imprensa do ministério. O monitoramento começou a ser feito em 2019, depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu limites de segurança para contaminantes em peixes a fim de gerenciar o risco associado ao vazamento de óleo que atingiu, em agosto do mesmo ano, uma extensão estimada de 4 mil quilômetros da costa brasileira. Em 2022, a Anvisa também estabeleceu limites para benzopireno em bagaço de azeitona e/ou óleo de semente de azeitona. Não há parâmetros para outros alimentos no momento.

Um dos objetivos do estudo com salames foi validar o método desenvolvido pelos autores a pedido da Anvisa, que solicitou ao Instituto Adolfo Lutz metodologias atualizadas para monitorar HPAs em produtos cárneos.

“Conseguimos reduzir o tempo e o custo da análise de duas a três vezes”, diz Torres.

O mesmo grupo já validou métodos para identificar a presença de PAHs em óleos de soja, óleos vegetais e chocolates.

A reportagem procurou a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do Estado de São Paulo, mas não houve resposta até o fechamento desta edição .

O artigo Quantificação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos em salames comumente consumidos no Brasil pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s12161-022-02414-z.