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Correio da Paraíba

Tese mostra qualidade de vida na era digital (1 notícias)

Publicado em 13 de maio de 2007

São Paulo (Fapesp) - Desde muito pequena, a paulistana Analívia Cordeiro se acostumou a sentar-se à mesa com amigos de seu pai, o artista plástico Waldemar Cordeiro (1925-1973). Dentre eles, nomes como Pierre Boulez (1925) e Federico Fellini (1920-1993). A primeira paixão pela arte, no entanto, manifestou-se nela pela dança. Aos 11 anos, já era bailarina. Ao mesmo tempo que cursava arquitetura na FAU-USP, virou coreógrafa, dançarina e pesquisadora corporal. Depois de se formar no Brasil pelo método Laban — com Maria Duschenes — tornou-se pioneira internacional em computer-dance e em videoarte no país, com experiências realizadas em 1973. Posteriormente, estudou dança moderna americana nos estúdios de Alvin Nikolais e Merce Cunningham (Nova York), entre 1977 e 1979, e formou-se em eutonia em 2002.
Em 1975, com auxílio da Fapesp, Analívia filmou em Super-8 a cerimônia ritual Kuarup na tribo kamaiurá, no Parque Nacional do Xingu. Teve suas obras apresentadas em importantes mostras internacionais em todo o mundo nos últimos 30 anos. Incansável, criou vários vídeos, espetáculos multimídia e um software de notação de movimento, publicado no livro/vídeo Nota-Anna — Uma notação eletrônica dos movimentos do corpo humano baseada no método Laban (editora Annablume). Também produziu o CD-ROM Waldemar Cordeiro (2001) e o DVD duCorpo em versão em português, inglês e espanhol. Trabalhou como professora de dança moderna do método Laban e de eutonia em escolas infantis, academias de dança e faculdades de psicologia (USP) e moda (Santa Marcelina). Por fim, fez mestrado em multimeios na Unicamp.

"Ciber-Harmonia"
Tudo o que Analívia viveu, aprendeu e acumulou em experiência e conhecimento direcionou para produzir o doutorado em comunicação "Ciber-Harmonia: um diálogo entre a consciência corporal e os meios eletrônicos", que defendeu na PUC-SP, em 2004, sob orientação de Arlindo Machado. A tese foi composta de quatro itens complementares: os sites www.ducorpo.com.br e www.notaanna.com.br, o DVD duCorpo e a teoria escrita. Para absorver seu conteúdo, a artista convenceu antes a banca examinadora da necessidade de fazer previamente tanto a leitura dos textos escrito e imagético quanto uma prática corporal para que sua pesquisa fosse mais bem compreendida. E todos os participantes gentilmente se dispuseram a isso.
O que pode parecer apenas um método de relaxamento e condicionamento corporal aplicável em qualquer academia de ginástica ou num desses manuais de livraria é um laborioso e complexo processo de autoconhecimento e das descobertas a partir do estímulo ao respeito pela organicidade intrínseca aos movimentos do corpo. Um trabalho que resultou de três décadas de estudos, que inclui uma forma desenvolvida pela autora para descrever o movimento do corpo, denominado de Nota-Anna. Sua característica principal é visualizar o rastro do movimento para mostrar "a essência de sua expressão emocional em nuanças". O programa foi escrito em linguagem Java e pode ser utilizado em qualquer computador. Em seu estágio atual, é um instrumento que permite o registro e a visualização do movimento, de forma direta e natural.

Uso continuo de eletrônica
Com a sua evolução, pela incorporação de técnicas de visão computacional e inteligência artificial, Nota-Anna tem chance de se tornar também uma ferramenta de análise e concepção do movimento. "Quem sabe, até vir a ser utilizada amplamente por todos aqueles que cultivam essa arte", observou Luiz Velho, pesquisador associado do Instituto de Matemática Pura e Aplicada. A autora explica que o projeto de doutorado nasceu da observação de que atualmente milhões de pessoas são afetadas diariamente pelo uso contínuo de instrumentos eletrônicos, que interfere nas relações humanas. Daí a necessidade de uma reflexão a respeito. Esses instrumentos, prossegue ela, ditam comportamentos físicos e emocionais que moldam o corpo, transformam-se em hábitos cotidianos e podem causar sofrimento e dor física (como a síndrome do carpo, por exemplo).
A pesquisadora observa que, se levar em conta que o corpo é uma estrutura óssea recoberta de pele e com diversos tipos de tecidos, é possível afirmar que suas características se alteram com seu uso diário. "Os tecidos, apesar de resistirem naturalmente a esforços mecânicos de dobrar, torcer, rasgar, comprimir, correm o risco de ficar comprometidos definitivamente em sua estrutura e funcionamento, se solicitados em excesso, por esforços repetitivos." Como terapias para se buscar um equilíbrio no plano da movimentação corporal tem-se desde tratamentos médicos até rituais místicos ou religiosos. "Ainda não existem, porém, propostas para uma atuação nova e saudável do usuário das novas tecnologias em seu próprio meio de ação. Por isso, considero útil, necessária e significativa esta tese", justifica.
Como ferramenta, a bailarina criou e produziu duCorpo, cujo DVD foi escolhido como o meio eletrônico para a solução dos problemas causados por ele próprio.