Notícia

Jornal do Brasil online

Terremotos como o do Chile podem ajudar pesquisa sobre centro da Terra (1 notícias)

Publicado em 03 de março de 2010

Por Fábio Reynol

Terremotos como o ocorrido na semana passada no Chile e o que destruiu o Haiti em janeiro são importantes fontes de informação para os geofísicos. Os dados registrados durante os tremores servem não só para os estudos dos abalos em si, como também para tentar conhecer melhor o centro da Terra.

Ao ser medido do outro lado do planeta, por exemplo, o tremor em terras chilenas pode ajudar a descobrir a constituição do centro terrestre por onde essas ondas sísmicas passaram.

A fim de ampliar as fontes de informações sobre o assunto, um projeto iniciado este mês pretende investigar nos próximos três anos a composição do centro do planeta sem necessitar da ocorrência de abalos sísmicos.

Os pesquisadores ligados ao projeto, intitulado Simulação e modelagem de minerais a altas pressões, reproduzirão por meio de modelos computacionais as condições termodinâmicas a que os minerais estão expostos no subsolo terrestre.

As dificuldades de se estudar o que ocorre no chamado manto terrestre inferior, que compreende profundidades entre 670 e 2.700 quilômetros, pressões entre 20 e 130 gigapascais e temperaturas que chegam a 2 mil graus Kelvin, fazem os cientistas lançarem mão de medidas indiretas, como as geradas pelos abalos sísmicos.

- Só para se ter uma ideia, a camada pré-sal do oceano na qual o Brasil vai explorar petróleo compreende profundidades de cerca de 7 quilômetros. Isso mostra que conhecemos somente a casquinha do nosso planeta - comparou João Francisco Justo Filho, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do projeto.

Especialista em modelagem de materiais e em nanossistemas, Justo Filho começou a se interessar por geofísica em 2007, quando atuou como pesquisador visitante na Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

Na época, notou que não havia muitos estudos teóricos de materiais submetidos a altas pressões e passou a analisar a influência da pressão no magnetismo.

Uma das hipóteses que a nova pesquisa deverá testar é a dos efeitos das transições dos materiais de um estado magnético para um estado não-magnético. Justo Filho especula que a viscosidade deva sofrer um grande efeito como consequência dessas transições, ou seja, à medida que o material, também perde seu magnetismo.

Ao aplicar essas hipóteses em um sistema altamente dinâmico, como é o centro da Terra, o grupo espera correlacionar as propriedades às possíveis combinações de elementos como ferro, magnésio e oxigênio, que ocorrem nas chamadas áreas de recombinação química.

O grupo testará modelos geofísicos computacionais baseados em medições indiretas, como a de abalos sísmicos e da radiação térmica de corpos negros. Este último método é uma ferramenta da astrofísica que consiste no registro da radiação captada na superfície de um corpo, no caso a Terra, e emitida pelo seu interior. Essa medida permite inferir por onde passou a radiação ao analisar sua trajetória, desde o núcleo até a superfície.

Um dos objetivos da pesquisa é a elaboração de um mapa de correlação entre temperaturas e profundidades das várias camadas do planeta.

- Essa ainda é uma questão em aberto no estudo do manto inferior terrestre - disse Justo Filho.

Coração de ferro

Não há como estudar o centro da Terra sem abordar um dos elementos mais abundantes do núcleo incandescente, o ferro. Mas sua concentração ainda é uma incógnita para a qual o projeto tentará levantar pistas.

O interior do planeta contém primordialmente minerais do tipo óxidos, como o óxido de magnésio e o silicato de magnésio, e várias questões a respeito da incorporação do ferro nessas estruturas permanecem em aberto.

O magnetismo terrestre, que faz o ponteiro magnetizado de uma bússola apontar para o norte geográfico da Terra, é atribuído à presença do ferro na composição do planeta.

Por sua vez, as propriedades magnéticas desse mineral estão relacionadas ao seu número spin, o qual também sofre alterações motivadas por temperaturas e pressões diferentes, segundo explica a professora Lucy Vitória Credidio Assali, do Instituto de Física da USP, que também participa do projeto.

- O magnetismo terrestre pode estar associado a essas mudanças ocorridas no interior do planeta - disse.

O projeto de pesquisa permitirá a execução de simulações computacionais dispensando a necessidade de experimentos físicos realizados em laboratório.

Ensaios de minerais a altas pressões exigem equipamentos caros, como células de diamantes, que espremem amostras para medir suas propriedades físicas. Os modelos computacionais, por sua vez, poderão levar à descoberta de novos meios e ferramentas para se chegar a respostas sobre dúvidas a respeito dos mecanismos internos do planeta.

Com as simulações, os pesquisadores esperam aprofundar os conhecimentos sobre a composição química do manto terrestre, a geo e termodinâmica do planeta e a evolução das placas tectônicas, informações essenciais para o melhor entendimento dos terremotos.

Agência FAPESP