Notícia

Jornal da USP online

Terapia celular da USP para o SUS (3 notícias)

Publicado em 29 de abril de 2025

Essa notícia também repercutiu nos veículos:
Estadão.com O Estado de S. Paulo

Por Diego V. Clé, professor doutor de Hematologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) e coordenador no Nutera RP, e Rodrigo T. Calado, professor titular de Hematologia da FMRP, pró-reitor de Pós-Graduação da USP e coordenador do Centro de Terapia Celular

Diego V. Clé – Foto: hemocentro.fmrp

Rodrigo Calado – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

A Universidade de São Paulo (USP) inaugurou, na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o Centro de Terapia Celular (CTC), um dos 11 Centros de Pesquisa e Inovação Especiais (Cepix) da Universidade. Sediado no Hemocentro de Ribeirão Preto, o CTC é resultado de mais de 20 anos de pesquisa sobre a biologia das células-tronco e hematopoéticas e suas modificações, com foco em aplicação clínica. Um esforço colaborativo envolvendo professores, alunos, médicos, biólogos, farmacêuticos, geneticistas e imunologistas resultou no desenvolvimento de uma terapia celular inovadora. Essa tecnologia, criada no Hemocentro, modifica geneticamente os linfócitos T, que são células de defesa do sistema imune do paciente, permitindo que estes reconheçam e destruam células de leucemias e linfomas. Essas células modificadas são conhecidas como células CAR-T (do inglês “ Chimeric Antigen Receptor T cells “).

As células CAR-T estão transformando o paradigma do tratamento oncológico, uma vez que não utilizam métodos convencionais, como quimioterapia, radioterapia ou cirurgias. Para certos tipos de câncer hematológico, como leucemia, linfoma e mieloma múltiplo, as células CAR-T são tratamentos estabelecidos e estão incluídas nas principais diretrizes internacionais.

Atualmente, no Brasil, existem produtos comerciais importados de células CAR-T, mas o custo para tratar um único paciente com essas células, produzidas nos EUA ou na Europa, pode superar R$ 2,5 milhões. Esse alto custo, denominado “toxicidade econômica”, contribui para a desigualdade no acesso a essa terapia entre países. Nos EUA, mais de 30 mil pessoas já foram tratadas com CAR-T, enquanto no Brasil, menos de 100 pacientes receberam esse tratamento até o momento.

Além disso, há disparidade no acesso a novos tratamentos dentro do Brasil. A maioria dos brasileiros que recebeu células CAR-T o fez por meio da saúde suplementar. Considerando que mais de 70% da população depende exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), financiar esse tratamento com os preços comerciais atuais poderia consumir todo o orçamento do Ministério da Saúde para oncologia, que foi de R$ 4,75 bilhões em 2023, apenas para a demanda atual de CAR-T para linfomas. Outro fator que agrava essa desigualdade é o lento avanço em biotecnologia e inovação do complexo industrial de saúde no Brasil nas últimas décadas.

A ciência nacional desenvolvida em universidades, institutos de pesquisa e empresas pode mudar essa realidade. Nesse contexto, o CTC da USP assume um papel fundamental ao aplicar ciência e inovação para beneficiar a sociedade, buscando garantir acesso a tratamentos complexos e eficazes para pacientes do SUS.

Após anos de pesquisa no laboratório, com investimentos da FAPESP, CNPq, FINEP, Fundação Butantan e Ministério da Saúde, desenvolvemos um produto próprio de células CAR-T que é eficaz e seguro. Em 2019, fomos pioneiros na América Latina ao tratar um paciente com linfoma refratário, no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto (HCRP), com as células CAR-T desenvolvidas no Hemocentro. Desde então, mais de 20 pacientes com leucemia ou linfoma foram tratados com sucesso e um estudo clínico fase II para tratar outros 81 pacientes foi recentemente aprovado pela Anvisa, envolvendo três hospitais universitários no Estado de São Paulo e dois outros hospitais na cidade de São Paulo. O estudo iniciou com recrutamento no HCRP e os resultados dessa primeira fase foram aprovados pela Anvisa, liberando o recrutamento em todos os cinco hospitais, ora em andamento.

O sucesso dessa iniciativa resultou em uma parceria estratégica entre a USP, o Hemocentro de Ribeirão Preto e o Instituto Butantan para a construção de uma fábrica de células, o Nutera RP. Essa colaboração permitirá aumentar a produção de células CAR-T nacionais a um custo muito inferior aos produtos comerciais, visando sua incorporação no SUS e atendendo à demanda de pacientes e do Ministério da Saúde.

As células CAR-T são apenas o primeiro passo em um avanço biotecnológico mais amplo. Em breve, apresentaremos à Anvisa novo estudo clínico para o uso dessas células no tratamento de doenças autoimunes graves, como lúpus eritematoso sistêmico, que tem mostrado índices promissores de sucesso.

Além disso, estamos desenvolvendo um novo tipo de CAR, modificando os linfócitos NK, outra célula do sistema imunológico, que pode otimizar a disponibilidade do tratamento. Também investigamos aplicações das células CAR-T em outros tipos de câncer nos laboratórios da USP em Ribeirão Preto e São Paulo.

O investimento em biotecnologia é fundamental para garantir acesso equitativo a novos tratamentos para pacientes do SUS que sofrem de doenças graves, como câncer e doenças autoimunes. O CTC da USP, em parceria estratégica com o Instituto Butantan, está comprometido em contribuir para esse avanço, melhorando a saúde dos usuários do SUS.

(Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, em 29/04/2025)