O setor aeroespacial brasileiro entendeu como um estimulo declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feitas na última sexta-feira, de que o acidente com o foguete VLS não mudaria a disposição do governo de prosseguir no esforço de dotar o Brasil de uma tecnologia espacial própria.
"A tecnologia espacial é considerada estratégica para um país ter competitividade no mercado internacional, mas para avançarmos com nosso programa é fundamental que tenhamos uma política de investimentos mais flexível", disse o brigadeiro reformado Hugo de Oliveira Piva, o principal idealizador do programa espacial.
O setor espacial, segundo Piva, não continuar a ser tratado como um organismo público. Na opinião do brigadeiro, a modernização da legislação brasileira para projetos especiais é fundamental para o País desenvolver um programa espacial competitivo. "Se formos seguir a lei de licitações públicas atual para reconstruir a torre de lançamento do VLS levaremos no mínimo três anos para concluir o projeto. Até lá, o projeto do foguete pode ter morrido", afirma o pesquisador titular do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), Waldemar de Castro Leite Filho.
Responsável pelo sistema de controle do VLS, o pesquisador do IAE disse que costuma levar meses para comprar uma peça que custa R$ 8 mil, e segue as mesmas diretrizes da legislação feita para construir escolas e estradas. "Outros órgãos financiadores têm dado apoio financeiro mais ágil aos projetos do CTA, como o CNPq e a Fapesp. São recursos muito bem vindos porque não exigem trâmite administrativo burocrático."
A contratação de especialistas para o programa espacial também esbarra na burocracia da legislação. O programa do VLS, no qual já foram investidos mais de US$ 300 milhões desde 1973, já perdeu mais da metade de seus técnicos, por conta de aposentadorias e da ida para o setor privado por melhores salários.
Entre aposentadorias, exonerações e transferências, o IAE já registrou a saída de mais de 350 pessoas desde 1995. Desse total, 70% trabalhavam no VLS. Para o brigadeiro Piva, a falta de recursos em equipamentos e mão-de-obra qualificada também é um aspecto que tem reflexos importantes na segurança desses projetos. "Com recursos e equipamentos adequados, é possível testar um foguete com mais segurança."
A plataforma de lançamento do VLS em Alcântara começou a ser construída em 1994 pelo consórcio de empresas Andrade Gutierrez, Akros Engenharia e Innocentti Indústria Mecânica. O empreendimento só ficou pronto três anos depois, com investimentos de R$ 5 milhões. A legislação atual, segundo Castro Leite, também prejudica o caráter sigiloso do programa espacial, que é estratégico para o Brasil, em função da pressão externa para que o País abandone os projetos.
Liderado pelos Estados Unidos e exercido durante muito tempo pelos países membros do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MT-CR, na sigla era inglês), o boicote internacional ainda persiste na forma de compra de pequenos componentes. Os países desenvolvidos temem que a venda e a transferência de tecnologia para o VLS dê ao Brasil condição para o desenvolvimento de mísseis de longo alcance capazes de transportar ogivas nucleares.
Mesmo depois da criação da Agência Espacial Brasileira (AEB), em 1994, para dar um caráter mais civil às atividades especiais no País, o Brasil continuou enfrentando obstáculos para a importação de componentes sensíveis, principalmente sistemas de controle e guiagem inercial para foguete. As negociações para a compra dos sensores da central inercial do primeiro VLS, da Rússia, e do computador de bordo, adquirido de uma empresa da Inglaterra, demoraram mais de dois anos para serem concluídas.
Apesar dos baixos investimentos, da perda de pessoal qualificado e da pressão externa, o programa espacial brasileiro conseguiu avançar em algumas áreas: o lançamento de três satélites, laboratórios de desenvolvimento, testes e ensaios de sistemas espaciais, estações terrenas para controle e recepção de dados de satélites, base para lançamento de foguetes e um quadro de recursos humanos que, embora já esteja muito reduzido, ainda é considerado altamente qualificado.
A tecnologia aeroespacial também capacitou o Brasil a utilizar imagens de satélites no monitoramento de recursos naturais, na avaliação e controle de reservas minerais e recursos hídricos, vigilância territorial e para melhorar a previsão e o clima do País.
Esse nível tecnológico foi atingido graças a uma parceria feita com os chineses e a um investimento de US$ 150 milhões, que resultou no desenvolvimento e lançamento do satélite CBERS, em 1999. O segundo satélite de sensoriamento remoto feito em parceria com a China tinha lançamento previsto para outubro.
Na área de coleta de dados ambientais, o Brasil dispõe dos satélites SCD-1 e SCD-2, lançados em 1993 e 1998, respectivamente. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) são os principais usuários da rede de plataformas de coleta de dados ligadas aos dois satélites e que ajudam o Brasil a fazer o monitoramento de bacias e o gerenciamento dos recursos hídricos nacionais. Os dados obtidos pelas plataformas também auxiliam nas previsões de tempo e clima.
Levantamento feito pela Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil (AIAB) indica que, embora os investimentos em tecnologia avançada só apresentem retorno de médio e longo prazos, a geração de produtos de alto valor agregado tem impacto significativo no crescimento da pauta de exportações dos países.
Enquanto países como China e índia investem em torno de US$ 400 milhões por ano, o programa espacial brasileiro conta com cerca de U5$ 30 milhões por ano.
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Gazeta Mercantil