Notícia

Correio Popular (Campinas, SP)

Teia do saber envolve o Anhumas

Publicado em 17 abril 2008

Uma verdadeira teia é tecida para garantir um bem comum: a vida. O conhecimento científico sai do papel, agrega instituições de ensino e envolve comunidades para juntos promoverem mudanças a partir do olhar perceptivo de cada um. Assim se propõe o Projeto Anhumas nas Escolas, uma pesquisa pedagógica gerada a partir de um diagnóstico coordenado pelo Instituto Agronômico (IAC) em parceria com o Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A intenção é motivar o aluno a enxergar a ciência de forma entrelaçada com todas as disciplinas para criar uma nova formação, um novo cidadão, um ser pensante e crítico.

As escolas envolvidas são as estaduais Adalberto Nascimento e a Ana Rita Godinho Pousa, estruturadas na bacia do frágil Anhumas. O universo multiplicador do Anhumas nas Escolas é de mil alunos e mais de 3 mil pessoas quando considerado o entorno. O IAC, o IG, o Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, e a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) participam da construção da nova pesquisa em busca de qualidade de ensino. O projeto tem ajuda da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O patrocínio, no valor de R$ 498 mil, é do Programa Petrobras Ambiental.

O Anhumas nas Escolas é um desdobramento do Projeto Anhumas, que teve a coordenação da botânica Roseli Torres, do IAC. Nele, é apresentado um diagnóstico socioambiental da bacia hidrográfica do Ribeirão Anhumas, formada por córregos urbanos (Proença e Serafim, entre outros). O projeto de políticas públicas foi enviado à Fapesp em 2001. No período de 2003 a 2006, a proposta científica seguiu com pesquisas e levantamentos de dados. Anhumas na Escola, neste ano, envolve os alunos e integra professores de todas as áreas. "A questão ambiental está vinculada à social, assim, a abordagem é de integração", resume a botânica. O projeto continua em 2009 e 2010, quando uma conclusão será elaborada junto com os alunos envolvidos.

Foi uma discussão informal a responsável por juntar pessoas com o mesmo interesse. Primeiro chegaram os professores; na seqüência, a escola e, depois, o seu entorno. De posse de dados científicos, a prática se inicia com uma pesquisa pedagógica junto com os alunos.

A equipe de trabalho conta com 40 pessoas (20 professores das duas escolas), 14 pesquisadores, estagiários e alunos de mestrado e doutorado. A aplicação do Projeto Anhumas nas Escolas começou no ano passado, com a capacitação dos 20 professores. Este ano, a proposta foi aberta a todo o quadro docente das duas escolas para integrar as disciplinas numa mesma linguagem, e iniciar com os alunos a prática da nova pesquisa pedagógica.

Integração

No ano passado, os professores marcaram encontros aos sábados, um sim e um não. A capacitação colocou os mestres nos bancos escolares para discussões de solo, vegetação e fauna, e riscos ambientais. Qual área é a mais importante? Descobriram que todas estão entrelaçadas. Superadas as dificuldades, o grupo se formou, descobriu uma identidade e decidiu os caminhos. Uma das atividades propostas é recompor o trecho de mata ciliar, na Área de Proteção Permanente (APP) do Anhumas, nas proximidades da escola Ana Rita, junto com a comunidade do entorno e da escola. "Não basta só plantar, a comunidade precisa assumir os cuidados", afirma a botânica.

Para Maurício Compiani, professor do IG da Unicamp e coordenador-geral do projeto nas escolas, "tudo está inter-relacionado, a tentativa é de uma discussão integrada para gerar o próprio conhecimento. A riqueza do projeto é ter pessoas com linguagens específicas e poder criar uma linguagem comum. É preciso entender as relações e, durante o processo, promover os saberes fragmentados e articular os vários aspectos da realidade". "A degradação existe. Tem todo o conhecimento histórico, cultural e social. Cada um percebe a realidade de uma forma. O consenso de que as coisas estão ruins é que precisa ser melhorado", ilustra o coordenador.

SAIBA MAIS

O Anhumas nas Escolas propõe uma reflexão dos mecanismos de uso e apropriação do ambiente, a partir dos olhares institucionais e da comunidade, a fim de verificar se os impactos ambientais são decorrentes da urbanização em áreas de preservação ambiental, como cabeceiras e nascentes de rio. Ainda, pretende elaborar possíveis encaminhamentos à problemática da expansão demográfica e à demanda por ocupação. Os diferentes olhares, saberes e fazeres se juntam para construir uma postura de educação do local para o geral. O desafio é a participação de todos para a construção de um novo saber. Uma postura política, que pressupõe uma revisão de conhecimentos junto com o aluno. Participam do projeto a EEPG Ana Rita Godinho Pousa — escola próxima do Ribeirão Anhumas; telefone para contato (19) 3251-7857 — e a EEPG Adalberto Nascimento — nas proximidades do IAC; telefones (19) 3251-2824 e 3254-6945. Mais informações sobre o Projeto Anhumas, que gerou o Anhumas nas Escolas, estão no site www.iac.sp.gov.br/projetoanhumas.

Alunos saem a campo para entender a natureza

Três grupos de alunos, com idades entre 15 e 16 anos, fizeram a primeira saída a campo, no final de março. Eles cursam a segunda série do Ensino Médio na estadual Adalberto Nascimento e foram acompanhados por professores. O grupo de 39 estudantes reconheceu o local, anotou características e verificou nascentes, vegetação e solo. O local escolhido foi o Ribeirão das Pedras, uma sub-bacia do Anhumas. Ali, as disciplinas de geografia e matemática se unem para pesquisar seca e chuva, regiões altas e baixas. A matemática, por exemplo, explica o professor Carlos Sato, "mensura as consequências de um fluxo de água a partir das nascentes para prevenir futuras enchentes". É o que acontece, por exemplo, com o distrito de Barão Geraldo, que acaba castigado na época das águas pela forte impermeabilização do solo verificada na cabeceira do ribeirão.

A pesquisa pedagógica com os alunos colheu amostras de água para análises na própria escola e na Unicamp. Folhas, flores, frutos e lascas de árvores serão comparadas em guias para determinar as espécies. Assim, em equipes, os alunos saem para as tarefas. As margens do Ribeirão das Pedras são Áreas de Proteção Permanente (APP), regulamentada por lei federal de 1965. Com ajuda dos professores, os alunos checam in loco que nada disso é respeitado: a 50 metros de nascente não pode construir, a 30 metros ao longo do rio também não. O asfalto está a dois metros do curso d'água e falta vegetação nativa nas margens.

Uma das nascentes está embaixo de uma casa. A água canalizada atravessa a rua e deságua em solo argiloso, a caminho do ribeirão. Escorre conforme acha espaço, encontra sujeira natural e interferência do homem: plástico, latas, garrafas pet, manchas de óleo... Como havia chovido na noite anterior, num desses caminhos foi possível observar água oleosa. "Como no local não tem boca-de-lobo, é possível que esse óleo venha do posto de gasolina, que fica lá em cima. Se for isso, o posto precisa se adequar", alerta a professora de geografia Carmem Cavotti.

Na região da cabeceira do Rio das Pedras, toda a encosta de nascente foi canalizada. Moradores dizem ter problemas com infiltração. A 1,5 metro na perfuração, chega-se na água e coliformes fecais foram encontrados na saída da água canalizada da nascente, conta a professora. A reportagem encontrou trabalhadores a retirar água para beber em uma das nascentes canalizada.

Vanessa Lessio Diniz, de 22 anos, cursa o terceiro ano de geografia na Unicamp e participa do projeto pedagógico com orientação do coordenador do Anhumas nas Escolas. "Quero usar a educação para a aplicação da geografia e ajudar a formar alunos pensantes." Vanessa acompanhou a capacitação dos professores, no ano passado, e observou: "Vencida a dificuldade de trabalhar em grupo, os professores chegaram a uma visão única para criar um projeto pedagógico dentro das escolas. Foi preciso quebrar paradigmas de que cada área é importante para lançar um olhar onde todas as disciplinas juntas são indispensáveis para a formação de cidadãos mais críticos. Os professores levaram um semestre para se identificarem", conta a aluna.

As estudantes Caroline Rampazo, de 14 anos, e Tamires Batista, de 15, estavam na aula prática. Elas ouviram explicações e checaram os problemas ambientais. De repente, entre as coletas de água, a surpresa: há vida em meio a degradação. Gritos de alegria saem espontaneamente quando peixes minúsculos, confundidos com girinos, são encontrados. Eles também foram enviados para o laboratório para checagem da espécie. E assim é a natureza, ela surpreende e se renova. Em condições favoráveis é ainda mais forte.