Pesquisas vão transformar o cotidiano
O século 21 será da biologia. A física e a química já tiveram sua vez na revolução da ciência e hoje é a biologia que dá as mãos com o futuro para transformar de maneira radical o cotidiano. De moléculas de DNA como base de computadores a progressos da inteligência artificial, de "difusão restrita bilateral" ao dinheiro eletrônico que mina o poder de bancos centrais, de sistemas microeletromecânicos ao "encontro quântico", várias pesquisas já estão forjando o futuro.
O Projeto Genoma tenta mapear o código genético para acabar com doenças e prever o futuro do embrião; a ciberindústria aponta para os novos caminhos da Internet; a biônica mostra que o futuro do computador é orgânico; a nanotecnologia faz chips cada vez menores, enquanto na física o "encontro quântico" pode comprovar as teorias mais avançadas.
- Gonçalo Júnior escreve sobre o novo estúdio da Vera Cruz refeito pela TV Cultura.
- Daniel Piza comenta os "mistérios de Manhattan" na coluna "Sinopse".
- Luís Antônio Giron critica a obra de Eric Rohmer sobre Mozart.
- José Onofre analisa o romance policial de Lawrence Block.
- Alessandra Simões apresenta a retrospectiva de Cândido Portinari.
AS TECNOLOGIAS DO FUTURO
O século XXI será o século da biologia. Mas o que será dos humanos?
O século XXI será da biotecnologia. Este é o Mundo Novo que se forma em meio a crises financeiras, pacotes econômicos, atentados terroristas e frenesi nos estádios de futebol. Este artigo apenas introduz as principais tecnologias do futuro. De moléculas de DNA como base de computadores a progressos da inteligência artificial, de "difusão restrita bilateral" a dinheiro eletrônico minando o poder de Bancos Centrais, de sistemas micro-eletromecânicos ao "encontro quântico", é assim que se forja o futuro.
GENÔMICA
Robert Curl, Nobel de Química de 1996, lembra que se o século XX foi da química e da física, "o século seguinte será sem dúvida da biologia". Pesquisadores estão a ponto de decifrar a integralidade do código genético - ou genoma - de uma série de organismos vivos, do micróbio ao homem. Até o final do milênio, devem decifrar mais de 50 genomas - incluindo o de parasitas responsáveis por doenças graves. Até 2010, através do ambicioso Projeto Genoma, e da colaboração de empresas que pesquisam com plantas e animais, poderemos dispor dos mapas completos de todos os seres vivos - de parasitas do intestino a ratos e homens.
Entre os efeitos mais imediatos, até 2003 agricultores poderão cultivar plantas essencialmente plásticas - o que levaria a uma diminuição de consumo de petróleo. A indústria farmacêutica já explora o genoma das bactérias, desenvolvendo a pesquisa de novos antibióticos. Uma equipe de pesquisadores da Motorola já estuda as possibilidades de aplicar engenharia genética à informática. A idéia é utilizar a molécula de DNA como elemento de base de computadores muito mais potentes do que os computadores digitais contemporâneos. Bancos de dados do genoma poderão nos iluminar sobre a própria história da humanidade, analisando as variações genéticas entre diversas populações.
Em Parung, um subúrbio de Jacarta, já existe uma "fábrica de árvores", implantada por US$ 6 milhões, e combinando genética e robótica para suprir a indústria madeireira do Sudeste da Ásia com "árvores superiores" - especialmente acácias e eucaliptos - que crescem mais rápido, mais alto e impecavelmente verticais. As primeiras espécies já podem ser exploradas entre 5 e 8 anos - comparadas com a média de 15 a 20 anos. A gigantesca fábrica de papel da Indonésia Barito Pacific já testa estas acácias-turbo na Sumatra.
A biotecnologia está a ponto de invadir o planeta com plantas e alimentos transgênicos. Nada de Frankenstein. Em janeiro de 1997, o Parlamento Europeu adotou um decreto que prevê a etiquetagem de novos alimentos e novos ingredientes, produtos "de um novo tipo" autorizados a venda. A maior parte dos produtos alimentares já contém matérias vegetais que o caracterizam como transgênicos. Estamos a apenas um passo de tomates que ficam semanas na geladeira sem apodrecer, arroz vermelho enriquecido por proteínas e vitamina A, queijos que jamais mofam, e florestas de legumes imunizados contra qualquer bactéria. Até 2020, mais de 50% das colheitas da China - que alimentam um quarto da humanidade - serão produzidas geneticamente.
O advento de Dolly levou todo mundo a especular se a ovelha é o futuro do homem. Os primeiros produtos derivados das técnicas que levaram à concepção de Dolly devem chegar brevemente ao mercado. A tecnologia da PPL Therapeutics e do Roslin Institute - os "país" de Dolly - inevitavelmente pressupõe um efeito Frankenstein. Uma sociedade religiosa já propõe clones de seres humanos na Internet "por apenas US$ 200 mil". EUA e Europa já se propuseram a favor da interdição da clonagem humana, mas nada impede, por exemplo, que a China se disponha a praticá-la - certamente com um epíteto em mandarim para esvaziar a polêmica.
Estamos frente ao século da biotecnologia. O pioneiro da cartografia genética, Craig Venter, coloca a questão nos termos mais simples: "Vamos ganhar, enfim, a guerra contra as bactérias". É assim que uma das formas de vida mais rudimentares - a bactéria -poderá não só transformar a ciência, mas o próprio mundo do século XXI - da mesma maneira como o microprocessador mudou a face do século XX. Ninguém sabe quais serão os limites. O próprio Vanter alerta que ainda somos incapazes de compreender de que maneira 100 mil genes funcionam em harmonia e produzem um ser capaz de se interrogar sobre suas raízes e seu destino.
CIBERINDÚSTRIA
Em 1971, o primeiro processador da Intel executava 60 mil instruções por segundo. No ano 2000, deverá executar 1 bilhão de instruções por segundo. Conexões Internet, digamos, supersônicas, devem acelerar a multimídia interativa, e a comunicação digital no espaço virtual audiovisual. Esta espécie de gargantuesca Web-TV deverá ser onipresente, de acordo com diversas previsões, em 5, 10 ou mesmo 20 anos. Tudo depende do ritmo de evolução dos microprocessadores, das redes de comunicação, da montanha de software e das facilidades multimídia que simplificam a exploração da Net.
Executivos da Microsoft, por exemplo, já aperfeiçoam um fórum denominado "The Zone", onde os participantes se reúnem para conversar, jogar, etc. E o que tecnoviciados qualificam de "difusão restrita bilateral" - que deve a longo prazo assassinar a difusão passiva unilateral da televisão.
Exercícios de futurologia são arriscados, porque as tecnologias ainda são embrionárias. Apenas 3% dos Íares da América - que lidera a Internet - realmente a exploram. Ou seja: cerca de 3 milhões de pessoas. Pesquisas californianas demonstram que o interesse primordial é usar e-mail - o que configuraria a tecnologia digital apenas como uma mera telecom mais sofisticada.
A explosão da Web deve-se ao inglês Tim Berners-Lee, que nos anos 80 apenas desejava otimizar suas transações informáticas com auxilio do Cem - o laboratório europeu de física de partículas, em Genebra. Berners-Lee aplicou o princípio do hipertexto à rede informática, aperfeiçoou seu próprio sistema, e o lançou na Net em 91. Em uma entrevista à "Technology Review", de Cambridge, Berners-Lee lamenta que seja mais fácil navegar na Web do que criar sua própria página: "A Web não é tão bem explorada quanto eu imaginava: deveria ser uma ferramenta de comunicação favorecendo o trabalho de equipe de pequenos grupos".
Nos próximos anos, a 3D deverá se banalizar na Web: poderemos construir "estantes" em nossas telas e percorrê-las para encontrar um documento. Berners-Lee acredita que a tela deve "abrir-se para o mundo": "As interfaces dos browsers e dos sistemas de exploração serão uma só entidade. Haverá apenas uma só interface. Como a televisão e o computador. O fabricante que assegurar as duas funções deverá predominar". É o que já tenta a Microsoft com Windows e Explorer contra seus concorrentes que privilegiam o network computer utilizando a linguagem Java.
Estamos também frente a uma revolução de marketing. Empresas vão ganhar tempo e dinheiro propondo a seus clientes testes de produtos em fase de fabricação, antes de lançá-los no mercado. Os consumidores poderão adaptar produtos as suas próprias necessidades. O dinheiro eletrônico, para o especialista Howard Anderson, do Yankee Group, "vai colocar em perigo todos os grandes bancos. Vai desequilibrar a relação de poderes entre as instituições financeiras, os estabelecimentos de serviços e os consumidores. Vai mergulhar os governos no embaraço, porque a política monetária vai deixar de controlar a circulação da moeda".
Federal, Reserve, o futuro Banco Central Europeu, e congêneres parecem ter motivos de desespero. Anderson comenta: "O que vai acontecer no dia em que alguém pede um empréstimo podendo acessar a Internet e recebe respostas de 200 bancos ou pseudo-bancos do mundo inteiro". Anderson lembra que Bancos Centrais regulam a política monetária por decreto. Concorrendo com bancos de todo o planeta, o Estado perde seu monopólio.
Anderson prevê que até o ano 2000 os 70% de americanos para quem o principal interesse da Net é e-mail devem cair para 50%, e a porcentagem de quem privilegia a Web deve subir para 40%, com 10% interessados acima de tudo em transações com dinheiro eletrônico. A revolução do comércio via Internet estará portanto integrada à paisagem cultural. O comércio via Internet já mobiliza US$ 45 bilhões anualmente - via empresas como American On Line, a livraria Amazon ou a Dell, que vende US$ 1 milhão em computadores por dia. A Apple, quando abriu seu site há algumas semanas, vendeu US$ 5 milhões em quatro horas. Em um debate na semana passada em Cannes durante o Mapic - Mercado Internacional da Implantação Comercial e da Distribuição - Anthony Broward, da IBM-Europa, qualificou o Comércio na Internet como uma "fabulosa oportunidade" para varejistas. Broward recomenda "começar simples", oferecendo o máximo de informação aos clientes, implantando-se na Web, dirigindo-se a newsgroups, usando o máximo de e-mail, e os recursos de network computing: "O futuro, onde empresas farão negócio diretamente entre eles e com os consumidores, está mais próximo do que imaginamos".
BIÔNICA
O computador, como o conhecemos, está morto. A ficção-científica tinha razão: o modelo do computador do futuro é orgânico.
Esta "máquina com rosto humano" deve obedecer a voz do seu patrão e - dentro dos limites - expandir seus cinco sentidos. Será capaz de simular os fenômenos mais complexos - de terremotos nas Bolsas a terremotos naturais. Será capaz de tomar conta das crianças. Para os papas da era digital, os computadores orgânicos - autônomos ou em rede - devem promover uma verdadeira invasão do cotidiano, uma espécie de colonização discreta de nosso meio-ambiente e de uma série de objetos. Serão capazes de se reconfigurar para executar novas aplicações, e até de se comunicarem entre si através de linguagens cujos códigos não foram escritos por seres humanos.
A curto prazo, observamos apenas a banalização de tecnologias avançadas, desenvolvidas pelos melhores laboratórios do mundo, como Stanford, Carnegie Mellon, M.I.T, Sony, British Telecom e Universidade de Edimburgo. A IBM já lançou um "Personal Área Network" (PAN) que permite a duas pessoas apertar as mãos e trocar dados relativos a seu cartão de visita: cada uma, claro, tem na mão um emissor-receptor do tamanho de um cartão de crédito. Um laboratório do Instituto Federal Suíço de Tecnologia em Lausanne desenvolve um "bio-relógio" capaz de se autoregular. A Fujitsu, no Japão, já criou seu primeiro personagem de vida artificial: FinFin, um herói de CD-ROM vendido no Japão desde março de 97, que reconhece a voz de seu dono e aceita "refeições digitais". A British Telecom já prevê telefones celulares diretamente implantáveis na orelha do usuário. E não apenas: à medida que progride o blablablá, imagens e dados recuperados de maneira "invisível" na Internet são projetados em uma lupa disposta ao lado do olho.
As aventuras da sonda da NASA em Marte revigoraram o interesse em robótica a um nível inédito, desde que o dramaturgo) tcheco Karel Capek inventou o temo "robô" em 1920 ("robota", em tcheco, significa "trabalho forçado")- O Japão continua à frente - com mais de 400 mil robôs em ação principalmente nas indústrias automobilística e eletrônica.
Robôs da próxima geração, no entanto, já devem, ser capazes de tomar decisões por si próprios.
Probleminha: um robô pode corrigir um erro específico, mas como lhe incutir "bom senso" e obrigá-lo a inventar soluções em meio ao caos do cotidiano?
Pesquisadores respondem que um dos métodos é abandonar a estrutura linear e lógica dos circuitos eletrônicos clássicos, e adotar a configuração anárquica dos neurônios em um cérebro real. Estas "redes neuronais" não precisam ser programadas. São capazes de aprendizagem. Utilizam sistemas de sinais retroativos que reforçam as conexões que produziram um determinado comportamento - e ao mesmo tempo eliminam as conexões que levaram a erros. Ao final da aprendizagem, a rede conecta-se a um sistema que pode pronunciar certas palavras ou distinguir certas formas. Para a HelpMate Robotics, o robô doméstico já é possível. Só falta colocar um código de barras em tudo que se compra no supermercado para lhe indicar onde guardar os produtos na cozinha. Mas ao menos este ser primitivo já sabe nos preparar e servir um jantar na cama.
NANOTECNOLOGIA
O Institut for the Future é uma proposição visionária tipicamente californiana: estuda tecnologias suscetíveis de mudar a face do planeta. O instituto foi fundado em 1968 por um grupo do "think tank" Rand Corporation, em Santa Mônica, frustrado com tanta burocracia. É presidido pelo cool e casual futurólogo Paul Saffo. Seus clientes são barra-pesada: Daimler-Benz, Toshiba, Boieng, US Air Force, o IRS (imposto de renda americano), dezenas de bancos. Para o Instituto, qual é o "ne plus ultra" do futuro? Ê nada menos do que MEMS - acrônimo, em inglês, de Sistemas Microeletromecânicos. Toda nossa vida cotidiana corre o risco - benéfico - de ser engolida pela revolução dos MEMS.
MEMS combinam eletrônica, a técnica de captores e a mecânica em escala de micrômetro - o milésimo de milímetro. Um dos melhores exemplos de aplicação prática de microtecnologia é o captor de aceleração dos airbags: uma plaquinha de silício de 9 mm2 sustenta todo o mecanismo eletrônico que lança a almofada inflável. Nanotecnologia é o termo que designa a manipulação de estruturas tão pequenas que só podem ser medidas em nanômetros - um bilionésimo de metro. A miniaturização se acelera: a NEC espera lançar nó ano 2000 uma nova memória com capacidade de 4 bilhões de bytes em um pedacinho de silício do tamanho de uma unha.
Há duas décadas, a nanotecnologia nem existia. Apareceu em 1981, quando um laboratório de pesquisa da IBM em Zurique desenvolveu um microscópio com efeito túnel. O Japão tem um projeto especial de desenvolvimento de nanotecnologia desde 89. A Hitachi e a NTT já provaram como se podem utilizar microscópios para escrever e desenhar com átomos tomados um a um. Embora ainda sem frutos comerciais, a pesquisa em nanotecnologia já se capacita a revolucionar microtecnologia, química, biologia molecular, ciência dos materiais e a indústria de manufaturas. A Oxford Nanotechnology inglesa, por exemplo, investe na criação de uma nova geração de materiais semicondutores para substituir as técnicas atuais de litografia.
Entre as próximas inovações da miniaturização acelerada, breve teremos aviões dotados de asas inteligentes sobre as quais são fixadas centenas de MEMS; pontes ou imóveis implantados de MEMS que medem rajadas de vento e terremotos leves; MEMS em fogões que "sentem" se a comida está queimando e regulam a temperatura automaticamente; e olhos microscópicos para veículos que reconhecem as placas de sinalização ou até mesmo intervém diretamente na aceleração e na frenagem.
Um relatório do Parlamento Europeu de 96 já reconheceu que a fabricação molecular, extremamente rentável tanto no nível depende de maciços investimentos em pesquisa. A União Européia calcula que as inovações mais espetaculares da nanotecnologia - e a um custo inferior ao de procedimentos tradicionais - só devem aparecer em torno de 2020.
FÍSICA QUÂNTICA
Abandonai toda esperança vós que entrastes neste universo fascinante onde matéria, energia e conhecimento se decompõem em unidades indivisíveis - os quanta. Só mesmo a física quântica fazer acreditar em fenômenos tão extraordinários quanto os "saltos quânticos"- quando partículas desaparecem de um lugar e reaparecem, instantaneamente, em outro lugar. A física quântica fez, literalmente, a cabeça de Einstein e Niels Bohr. Levou Einstein ao caminho da relatividade, quando, aos 6 anos, ele se perguntou qual seria o visual de um campo eletromagnético observado à velocidade da luz.
Todo mundo concorda que a natureza age localmente. Ou seja: para que uma causa localizada em um certo ponto produza um efeito em outro ponto, devem ser ligadas por um mecanismo. Mas os sistemas quânticos são "não-locais". Entender a física quântica é' como tentar entender um carro que continua acelerando depois de perder a caixa de marchas.
A "não-localidade" quântica emergiu do famoso Princípio da Incerteza de Heisenberg. Em (extremo) resumo: quanto mais, sabemos sobre a posição de uma partícula, menos sabemos sobre sua quantidade de movimento, e vice-versa. Aceleradores de partículas mitológicos - como o do Cem, em Genebra, e o Fermilab de Chicago - continuam tentando decifrar o enigma. O problema é dinheiro. Em 1993, os EUA arquivaram a construção no Texas de um super-acelerador de 85 km: custaria nada menos que US$ 10 bilhões. O novo acelerador de prótons do Cern (US$ 3 bilhões) só entra em ação em 2004. Políticos vivem reclamando aplicações práticas, enquanto físicos ressaltam que todas as inovações de impacto são provenientes da pesquisa pura.
O enigma quântico não pode ser explicado pelas armas clássicas que conhecemos. Daí gerar teorias como a dos "mundos, múltiplos", de autoria de Hugh Everett III, segundo a qual o Universo se ramifica de maneira constante e infinita. Já teóricos da chamada "descoerência" enveredam pela teoria das "várias histórias", obscurecendo o fato de se as histórias alternativas são reais ou não. A chave de tudo poderá ser o "encontro quântico", também conhecido como "interpretação transacional". Segundo esta teoria de John Cramer, o Universo é apenas um lado do espelho. Deste nosso lado, ondas - como as de luz -consomem energia e avançam no tempo. Do outro lado, as ondas possuem uma energia negativa e recuam no tempo.
O "encontro quântico" pressupõe que as leis da física e as equações da mecânica quântica podem ir tanto para frente quanto para trás no tempo. Físicos não se interessam pela capacidade de essas equações se inverterem no tempo porque, afinal, o "mundo real" como o conhecemos anda apenas para a frente. Mas e se a natureza tivesse uma face oculta? E se as equações nos dissessem que, do outro lado do espelho, o tempo anda para trás?
O mínimo que se pode dizer caso a resolução do enigma quântico decorra da teoria do "encontro quântico" é que estaremos frente a nada menos que uma nova concepção da natureza - uma revolução que iria muito além do que propuseram Copérnico, Galileu ou Newton em suas épocas. E muito além de meros computadores orgânicos e robôs inteligentes.
A DANÇA DAS ONDAS CEREBRAIS
TheEconomist
Novos estudos atestam para a importância da sincronia das células da mente.
As mentes podem, com freqüência, mover-se rapidamente sem qualquer trajetória ou rumo óbvios, mas o cérebro possui um ritmo subjacente. Você pode ouvi-lo quando eletrodos grudados no couro cabeludo da pessoa registram ciclos de pulsos elétricos ondulantes, ou "ondas cerebrais".
Os neurologistas têm ficado intrigados com a importância dessas ondas por mais de um século. Muitos insistem que as ondas não têm nenhuma finalidade. Contudo, um estudo publicado em recente edição da "Nature" por um grupo liderado por Gilles Laurent, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) em Pasadena, mostra que, pelo menos em insetos, tais ondas ajudam o cérebro a interpretar o mundo exterior.
Os impulsos elétricos que produzem as ondas cerebrais resultam das atividades combinadas de milhões de células nervosas que se ligam e se desligam em sincronia exata. Como uma dançarina numa fileira de coristas, cada célula nervosa sincronizada se rende ao ritmo comunal, mantendo uma batida firme, periódica. Acredita-se que as células nervosas sincronizem suas atividades dessa maneira durante quase cada estado por que passa o cérebro, incluindo os diversos estágios de sono. Mas quando essa sincronização se propaga de modo descontrolado o resultado pode ser um ataque epiléptico, já que a atividade elétrica do cérebro cresce e se transforma em uma enorme onda disfuncional.
Alguns pesquisadores acreditam que as ondas cerebrais podem ser necessárias para a conscientização, e até para pensamento mais profundo. Mas a maioria dos estudos experimentais se focalizou na percepção e no que foi chamado de problema de "ligação". Se for observada uma maçã rolando pelo chão, sua forma, cor, textura e movimento são detectados por células nervosas em regiões distintas - e freqüentemente bastante separadas - do cérebro. Como essas respostas neurais amplamente espaçadas são "ligadas" em uma percepção coerente de uma maçã rolando é, até agora, desconhecido.
PERCEPÇÃO
Alguns neurocientistas, notadamente Wolf Singer, do Instituto Max Planck, de Frankfurt, Alemanha, pensam que o cérebro alcança a ligação perceptiva ao combinar as atividades de grupos diferentes de células nervosas em uma unidade de processamento sincronizado, parecida com uma onda. Em macacos e gatos, as células nas diversas áreas do cérebro que respondem a estímulos como o da maça rolando parecem ficar rigidamente sincronizadas. O resultado é uma onda gama, na qual as células nervosas sincronizadas disparam um sinal elétrico cerca de 40 vezes por segundo. Um tipo parecido de onda é produzido por sons e cheiros.
Evidentemente, o fato de que as ondas gama são correlatas com a percepção não deve significar que são sua causa, Muitos pesquisadores sugeriram que as ondas cerebrais podem ser a conseqüência de algum outro aspecto das complexas propriedades elétricas do cérebro. Assim, para separar causa e efeito, Laurent, junto com Mark Stopfer, que também trabalha no Caltech, interrompeu ondas cerebrais para verificar se a interrupção alterou a percepção.
O grupo de Laurent tinha mostrado anteriormente que quando um gafanhoto responde a, cheiros diferentes, subconjuntos diferentes de células nervosas no' seu cérebro são ativados, e logo começam a sincronizar seus sinais. O gafanhoto parece distinguimos cheiros, sincronizando conjuntos diferentes de células nervosas para cada cheiro. É como se cada dançarina na fileira de coristas fosse estimulada à atividade somente por ouvir algumas canções escolhidas, mas nunca dançou em resposta a outras canções. Se houver um grupo de dançarinas suficiente grande, qualquer canção deveria acionar a dança em um subgrupo singular de dançarinas.
Em uma nova experiência, a equipe de Laurent usou uma droga denominada picrotoxina para impedir as células nervosas de ficarem sincronizadas e formarem ondas cerebrais. Na presença de picrotoxina, odores específicos ainda ativam um subgrupo usual de células nervosas, mas as células no subgrupo não mais sincronizam suas atividades.
Stopfer e Laurent precisaram de um inseto que pudesse lhes relatar sempre que captasse um determinado odor. Eles escolheram a abelha comum. As abelhas podem ser treinadas para esticar suas probóscides (suas "línguas") quando detectarem cheiros específicos. Na natureza, as abelhas de determinados colméias normalmente preferem se alimentar apenas em um único tipo de flor. O mel de trevo, por exemplo, provém de abelhas que visitam somente flores de trevo. Depois de descobrir uma faixa de trevos, uma abelha exploradora voa de volta à colméia saturada do odor da flor de trevo, e regurgita néctar para as outras abelhas trabalhadoras. Estas abelhas então associam o cheiro de trevo ao néctar, e o cheiro da flor de trevo as levará a um frenesi de distensão de probóscides.
Com a ajuda de Brian Smith e Seetha Bhagavan da Universidade Estadual de Ohio, Stopfer e Laurent aproveitaram esse comportamento natural para treinar as abelhas a esticarem suas línguas em resposta a um conjunto de odores simples. Os quatro pesquisadores descobriram que as abelhas com a droga dessincronizadora em seus cérebros ainda conseguiam diferenciar alguns odores, mas não distinguiam com segurança os cheiros que tinham estruturas químicas semelhantes.
ODORES
Ao contrário das abelhas de: controle não drogadas, as abelhas dessincronizadas esticavam suas línguas por cheiros errados, supostamente porque não os captavam com exatidão. Stopfer e Laurent concluem que as abelhas precisam de suas ondas cerebrais para ter a discriminação exata entre cheiros semelhantes.
Não há nenhuma garantia de que os seres humanos e as abelhas são parecidos em sua utilização de ondas cerebrais para cheirar coisas. Mas ao demonstrar pela primeira vez que as ondas cerebrais são importantes para a percepção, Stopfer e Laurent deram um incentivo à teoria de sincronização de vínculo perceptivo.
A evidência que vincula o pensamento de mamífero à percepção com a sincronização das células nervosas permanece controvertida. Ainda assim, os mais vigorosos defensores, da teoria acreditam que a sincronização pode de fato explicar um dos grandes mistérios da neurociência: como os fragmentos díspares e divididos de um único cérebro podem ser interligados, pelo menos ocasionalmente, em uma mente unificada e coerente.
A ENGENHARIA GENÉTICA EM HOLLYWOOD
Sônia Nolasco - de Nova York
"Gattaca", filme de ficção científica, trata das implicações éticas e sociais da ciências
A isca foi o anúncio em bill-boards imensos de Nova York e Los Angeles, com um bebê bonito e saudável ao lado da frase: "Filhos sob encomenda". Era sobre um certo Gattaca Institute poder eliminar as possibilidades de seu filho nascer com qualquer doença ou defeitos herdados, e como os pais podem escolher o gênero, cor da pele, e outras características de seu rebento. O anúncio incluía um número de telefone "toll-free" (grátis de todos os pontos do país), 1-888-4-BEST-DNA, para facilitar sua decisão de marcar uma consulta. Hoje. Não espere o ano 2000.
Mas era só campanha publicitária para "Gattaca", filme de ficção científica sobre engenharia genética. A ação tífica sobre engenharia genética, que se passa numa sociedade codificada acaba de ser lançado em cerca de 2 mil cinemas dos EUA. Sua distribuidora, Sony, diz agora que o truque provocou mais de 50 mil telefonemas para o número dado. Na selva competitiva do mercado de cinema, em que a média de gastos para promover um filme de Hollywood está em US$ 20 milhões (em 1987 eram US$ 8 milhões), a controversa publicidade de "Gattaca" surtiu efeito.
POLÊMICA
A crítica adorou e o público aderiu "Gattica", acrônimo que se refere aos quatro componentes do ADN (quanina, adenina, timina e citosina), é um thriller de ficção científica muito bem feito sobre um jovem inteligente de futuro sombrio, a menos que consiga credenciais genéticas que possam lhe oferecer infinitas possibilidades de trabalho. Se nesse futuro já presente e obcecado por milagres da genérica está difícil ganhar a vida, imagine dentro de alguns anos, com pais desnaturados usando truques pré-natal para se assegurarem um bebê perfeito e gênio. O tema resultou num filme fascinante. Ninguém nota que "Gattaca" transforma discriminação e opressão em ciência.
O enredo de Andrew Niccol, neozelandês que também dirigiu esse filme de estréia com muita perícia, explora as ramificações sociais e éticas da engenharia genética. A ação se passa numa sociedade codificada em que uma empresa onipresente capacita pais privilegiados (ricos e bem relacionados) a criar em laboratórios bebês absolutamente perfeitos por dento e por fora. Os que forem concebidos à moda antiga, ou seja, sexualmente, são avaliados no momento em que a cegonha, os entrega. Análises de seu DNA revelam o futuro inteiro do recém-nascido, incluindo QI do adulto e expectativa de vida. Os que apresentam um mínimo desarranjo de cromossomos recebem o tampão de "inválido"; adultos, serão rejeitados nos empregos mais exigentes e bem pagos.
Essa visão do futuro próximo, em que governo e corporações vão controlar a população, já foi explorada. Mas "Gartaca" apresenta o horror de maneira original e, como filme, diverte. É ágil e bonito, de cenários, convincentes, dramaticamente austeros, em tons de cinza, amarelo e verde. Muito inteligente, mas aquém de "2001: Uma Odisséia no Espaço", "A Laranja Mecânica" e "Blade Runner", dos quais tira pedacinhos de inspiração. Presta homenagem aos gurus das idéias que usa: H. G. Wells, Aldous Huxley, George Orwell, Ayn Rand, Leni Rienfensthal, Franz Kafka. Chega na hora certa do modismo genético e, como todo bom filme de ficção científica, não é futurista, mas sobre preocupações contemporâneas da raça humana - no caso, a noção aterradora de que biologia é destino, ou seja, avanços genéticos podem ser usados para nos limitar ou controlar, e não para nos liberar, como foi prometido. Tão fabuloso quanto substancial.
Irônico é ter como protagonistas Uma Thurman e Ethan Hawke, certamente a mais bela combinação física de cromossomos. Mas eles representam espécies com defeito: são predispostos a problemas do coração, e até se apaixonam; são os únicos de "Gattaca" que têm coração, embora parecem frígidos e elegantes modelos da "Vogue". O intelectual e autor Gore Vidal faz uma ponta como diretor da Gattaca. Sua presença carismática leva a compará-lo ao primo, vice-presidente Al Gore, e desconfiar das características hereditárias. Hawke faz Vincent, concebido numa transa de amor, e que enfrenta opção de carreiras limitada nesse mundo em que testes de urina ou um fiapo de cabelo determinam seu valor. Astronauta, ele está na fila para uma missão em Titan, a lua de Saturno, e trapaceia para conseguir o emprego. Numa seqüência de flashback, conta sua história desde o nascimento, quando o teste de DNA detectou-lhe coração fraco e morte antes dos 30 anos. Vincent tem pressa de viver.
PESADELO
Para ir a Titan, missão da poderosa Gattaca Corp., contata Jerome, atleta que ficou paralisado depois de um acidente, e compra dele espécies genéticas: urina, sangue, suor, fios de cabelo, cílios, retalhos de unha, tudo que possa servir no teste de DNA. Vive com identidade falsa. Esfrega o corpo toda noite para remover suas próprias células; pulveriza cisquinhos da pele de Jerome no teclado de seu computador; cola impressões digitais falsas (injetadas com sangue de Jerome) em cima das suas para enganar blitz instantâneas. Mas a Gattaca, conglomerado de alta segurança que envia espaçonaves comerciais a outros planetas, está sempre alerta: testa legalmente quem quiser, mesmo os que se recusam, em saliva num envelope, óleo do corpo na impressão digital, etc. Aumenta o suspense. O assassinato de um alto executivo tem impressões de Vincent. Ele se apaixona pela colega (Uma Thurman), que lhe tira um fio de cabelo para testar e saber se vale a pena o namoro. Mais suspense. Vale. O namoro, e ver o filme até o fim. Espere o suspense: chega em breve ao Brasil.
AS TERAPIAS EM AVANÇO E A ÉTICA EM DISCUSSÃO
Os avanços da genética estão sendo discutidos de diversos pontos de vista. Pesquisadores concordam que trazem desafios à conduta humana, dos sistemas que regem os empregos aos que regem seguros de vida. Um artigo publicado recentemente no "Financial Times", de Londres, cita a declaração do professor John Bell, da faculdade de Medicina da Universidade Oxford: "Pesquisas genéticas terão o efeito mais significativo na nossa saúde desde a revolução na microbiologia no século XIX". E sugere que, por exemplo, empresas poderão exigir testes genéticos antes de oferecer empregos ou seguro de vida às pessoas. Outras poderiam oferecer tratamento genético que promete fazer seu filho mais alto. O artigo ignora o lançamento de "Gattaca" nos EUA. Fala, inocentemente, em teste.
Informa que a explosão de pesquisa genética, envolvendo milhares de cientistas, consome bilhões de dólares públicos e particulares. Cita o Human Genome Project, considerado a maior realização na história da biologia.
Seu propósito é trabalhar a estrutura e seqüência do genoma, seqüência de DNA que caracteriza o ser humano. O projeto, lançado em 1990, deveria ser completado até 2000. Está atrasado, em parte porque o envolvimento de setores particulares tem sido maior do que o esperado. Por volta de 2005, cientistas serão capazes de ler a seqüência completa de 3 bilhões de "letras" químicas no genoma humano, incluindo 80 mil (estimativa) genes, as unidades básicas da hereditariedade.
MUTAÇÃO
O artigo, primeiro de uma série, adverte que os testes genéticos sobre a saúde futura de um indivíduo são problemáticos. Incluem testes para doenças relativamente raras com uma só mutação como causa; exemplos vão da doença de Huntington (devastação do cérebro) aos níveis altos de colesterol, que são hereditários. Mas o tipo mais importante de teste preventivo busca as mutações que predispõem as pessoas a desenvolver doenças comuns como câncer, Alzheimer, coração, etc. Já existem testes para mulheres suscetíveis a câncer do seio. Entretanto, seria inútil (embora se possa fazer) testar hoje a suscetibilidade de alguém à doença de Alzheimer: a hereditariedade e a causa dessa forma de demência ainda não estão claras para que uma pessoa saiba, dada a história de sua família, se corre riscos; e, mais importante, não há ação preventiva que se conheça para reduzir a chance de a doença se desenvolver.
Ainda assim, os "gene-chips" já estão a venda. São feitos de silício, como chips de computador, mas, como nos circuitos elétricos, eles têm em si fragmentos de DNA para detectar mutações num determinado gene. Quando a mutação é detectada, um computador fornece a leitura. Affymetrix, companhia da Califórnia, está trabalhando em chips capazes de testar mutações em genes de câncer BRCA1e BRCA2; outro gene de canceroso chamado p53; e em HIV, o vírus causador da Aids. Dezenas de companhias de biotecnologia estão desenvolvendo meios de alterar os genes ("gene therapy", como é chamada nos jornais americanos de medicina) com 180 tentativas clínicas já autorizadas pela Food and Drug Administration. O problema que enfrentam agora é como conseguir injetar o gene (sob a forma de um pedaço específico de DNA identificado pelo Human Genoma Project) nas células do corpo humano de maneira que produza uma proteína. Essas experiências não têm tido sucesso, dizem os médicos, mas continuam esperançosos.
As experiências atuais bem-sucedidas são as de alteração de genes em apenas algumas células, como as do pulmão num paciente de cisto fibroso. Mais dramática é a possibilidade de que os genes do esperma e do óvulo possam ser alterados, o que afetaria cada célula do corpo de qualquer descendente dessas células. Tal terapia "germ-line", como a chamam os jornais de medicina, poderia impedir doenças hereditárias, mas também abre as portas a abusos, tais como pais "criarem" filhos sob medida. Até o momento, cientistas e organizações éticas e governamentais condenam a idéia, enquanto críticos da "terapia de genes" argumentam que novos genes injetados em células comuns acidentalmente encontrariam um meio de penetrarem nas células germinais. As conseqüências da "genomics" já existem. "Gattaca" não é apenas ficção científica.
IMPLANTE
Há algumas semanas, uma americana de 39 anos deu à luz um bebê sadio e perfeito. Sua gestação começou com um óvulo implantado em seu útero por processo científico. Esse óvulo fora congelado há um ano antes de ser fertilizado e implantado na futura mãe. Foi o primeiro caso nos EUA, que se saiba. Até então os médicos americanos podiam produzir uma gravidez a partir de embriões congelados - óvulos fertilizados com esperma e então congelados -, mas óvulos sozinhos eram considerados muito frágeis para serem congelados. O novo processo, que já aconteceu esporadicamente em outras partes do mundo (Inglaterra, Austrália e Alemanha), poderá dar as mulheres novas opções reprodutoras e eliminar cenas objeções éticas à fertilização em tubo de ensaio. O futuro chegou sem ser notado. E não aperfeiçoou o ser humano. Muita gente não sabe. (S.N.)
RUMO AO CONHECIMENTO GERMINAL
Mais de 400 estudos clínicos no campo da terapia genética estão sendo feitos atualmente em várias partes do mundo. Até agora as experiências foram destinadas à cura de doenças sérias: suprindo o indivíduo com cópias saudáveis de genes defeituosos ou que lhe faltam. Os genes carregam a matéria-prima que faz proteínas e enzimas específicas. Alterando ou substituindo genes defeituosos, as pesquisas médicas esperam corrigir a máquina bioquímica nas células de alvo, como as do líquido da medula (para doenças de sangue, como a leucemia) ou células que forram as passagens nasais e os pulmões (para cistos fibrosos). Entretanto, as mudanças genéticas nesses tipos de células não são hereditárias. A esperança de cura (e não houve ainda uma definitiva) beneficia só o paciente.
Agora, enquanto pesquisadores se esforçam para aperfeiçoar os resultados decepcionantes que tiveram até hoje, alguns cientistas e eticistas os advertem de que é hora de considerar outra fronteira da terapia genética: a que envolve a alteração de genes nas células sexuais, no esperma e nos óvulos - assim as mudanças passarão para as futuras gerações. Teoricamente, uma mudança na linhagem do germe, num simples processo genético, teria o potencial de eliminar uma desordem hereditária (hemofilia, por exemplo) de uma família. Tecnicamente, o processo ainda não é possível. Mas alguns especialistas acham que acontecerá dentro de 20 anos e pode ter conseqüências éticas desafiadoras.
PROPÓSITO
Mas essa terapia de linhagem do germe também poderia ser usada para propósitos questionáveis, como a tentativa de melhorar a altura, características físicas, inteligência e memória de um filho. Alguns pesquisadores já foram sondados por pais em busca de terapia genética para seus próprios desejos cosméticos (cor de pele, musculatura, fim da tendência à obesidade, etc). Nada foi feito, ao que se saiba, mas tais requisições aumentam à medida que são anunciados novos progressos da engenharia genética. Num recente simpósio da American Association for the Advancement of Science, em Washington, o dr. Theodore Friedmann, diretor do programa de terapia genética humana da Universidade da Califórnia, em San Diego, disse que a mudança permanente de germes "é ficção, mas não vai permanecer ficção por longo tempo". Ele e outros cientistas acham que em breve haverá pressões substanciais (talvez irresistíveis) para o aumento de experiências que eliminem doenças hereditárias. No mesmo fórum, Cynthia Cohen, pesquisadora principal do Kennedy Institute of Ethics da Universidade Georgetown, em Washington, disse que a terapia de linhagem de germe poderia levantar outras questões; modificações bem intencionadas com o fim de curar doenças podem ter conseqüências inesperadas no futuro: "Há possibilidades infinitas de erros. E estaríamos mudando futuras gerações sem seu consentimento".
DIREITO
Outro eticista, Ronald Cole-Turner, viu a questão de forma diversa: se a ciência achasse um meio de interferir geneticamente nas células de um indivíduo, imunizar seus filhos contra Aids, por exemplo, "esses filhos achariam uma violação de seus direitos ou seriam gratos?". Muitos cientistas no simpósio, cujas discussões foram publicadas no American Journal of Medicine, insistem que existe uma distinção ainda vaga entre terapia e aperfeiçoamento, enquanto a intervenção genética se torna cada vez mais comum.
O Congresso americano recusa fundos para tal tipo de pesquisa. Segundo o dr. Theodore Friedmann, o parlamento da Comunidade Européia já se declarou contra qualquer forma de manipulação da linha do germe. Na Alemanha existe um banimento oficial. Grupos religiosos que protestavam contra os esforços da diagnose de pré-implantação de embriões (as células do embrião são analisadas; se houver desordens genéticas, ele é descartado) agora protestam contra cientistas que tentam introduzir genes estranhos no esperma ou no óvulo humano. Está aberto o debate. (S.N.)
ESSE ESTRANHO UNIVERSO
The Economist
Pesquisadores comprovam mobilidade do espaço que envolve os corpos celestes.
Albert Einstein foi o responsável por umas idéias um tanto estranhas. Sua Teoria da Relatividade Especial demonstrou que um objeto pode ter dois tamanhos diferentes para duas pessoas diferentes, e que elas podem perceber o intervalo entre dois acontecimentos como tendo durações diferentes. Sua Teoria da Relatividade Geral sugeriu que o próprio espaço não é apenas um palco para a atuação do mundo material, mas um ativo participante da peça. O espaço, por exemplo, é deformado por qualquer corpo que esteja "dando um tempo" nele.
Uma das previsões mais estranhas da teoria, no entanto, nem sequer ocorreu a Einstein. Ela levou dois austríacos, Josef Lense e Hans Thirring, a pensar que, em teoria, uma massa que gira deve enrolar o espaço que a cerca, até a forma de um redemoinho. E apenas agora é que dois grupos de pesquisadores afirmara ter encontrado a primeira evidência de que ela realmente atua dessa forma.
A Teoria da Relatividade fala muito sobre "quadros de referência". As coisas que estão em inércia uma em relação à outra estão no mesmo quadro de referência. As coisas que estão em movimento uma em relação à outra pertencem a diferentes quadros de referência. Distorcer um quadro de referência equivale a distorcer o próprio espaço, e é essa distorção, pela ação da gravidade, que a Teoria Geral prevê - um prognóstico que foi confirmado várias vezes pela observação desde que a teoria foi publicada.
Lense e Thirring, no entanto, foram além. Eles prenunciaram que, se uma massa está em movimento, ela deve arrastar consigo os quadros de referência próximos. Um planeta em rotação, então, faria rodopiar o espaço contíguo como uma bola girando num tonel de mel. E essa analogia também sugere a maneira pela qual um processo de tração de quadros de referência pode ser detectado. Imagine um palito de fósforo deixado em suspensão sobre o mel, com uma das extremidades apontando para a bola. Quando a bola girar, o mel contíguo a ela se movimentará mais rapidamente do que o mel que está mais longe, e portanto a extremidade proximal do palito de fósforo se moverá correspondentemente mais rápido do que a extremidade distai, e o palito de fósforo entrará em rotação. Se a Terra estiver arrastando seus quadros de referência, um bastão em órbita acima do planeta deve girar ligeiramente na medida em que se desloca.
ACÚMULO
Esse efeito é, na verdade, difícil de medir em torno da Terra, pequena e modorrentamente rotatória (embora uma tentativa de fazê-lo por meio de um satélite esteja planejada para o ano 2000). Mas, nas cercanias extremas de um buraco negro, ele deve ficar evidente. Os buracos negros, e seus parentes menos importantes, as estrelas de nêutrons, são destroços de objetos maiores do que o sol. Eles podem ter qualquer peso, de algumas a milhares de vezes o peso do sol, e podem girar em torno de seus eixos em ritmos de várias centenas de rotações por segundo, o que deve fazer qualquer quadro de referência ser arrastado com bastante força.
O que poderia ajudar os cientistas da Terra a ver essa tração dos quadros de referência em torno desses objetos longínquos é que tanto os buracos negros quanto as estrelas de nêutrons são muitas vezes encontrados em companhia de outras estrelas, mais normais. Essas estrelas têm seus rastros de gás arrancados pela gravidade de seus pesados companheiros, e esses rastros giram, eles mesmos, em espirais cada vez mais estreitas - conhecidas como discos de acresção (ou de acumulação) - em torno do corpo mais denso antes de serem totalmente tragados. Nesse processo, o gás é suficientemente aquecido para emitir um esbraseante clarão de raios-X.
INCERTEZA
Graças a um satélite chamado o "Rossi X-ray timing explorer", ou RXTE, esses raios-X podem ser estudados detalhes. Wei Cui, do Massa-chusetts Institute of Technology (MTT), e seus colegas examinaram os dados do buraco negro, enquanto Luigi Stella, do Observatório Astronômico de Roma, e Mario Vietri, na Terceira Universidade de Roma, investigaram as estrelas de nêutrons. Na primeira semana deste mês, ambas as equipes apresentaram suas descobertas preliminares numa reunião da Sociedade Astronômica Americana em Estes Park, Colorado: o RXTE tinha detectado pulsações intrigantes nos raios-X vindas de alguns discos de acresção, e ambas as equipes acham que essas pulsações sejam exemplos do efeito Lense-Thirring.
Se o buraco negro ou estrela de nêutrons estiver girando, a tração que exerce sobre o quadro de referência deve, às vezes, segundo a previsão de Lense e Thirring, fazer o disco que os cerca bambolear como um prato que gira na ponta de uma vara. Visto a partir da Terra o disco bamboleante pareceria primeiramente mais, e depois menos, frontal do que de costume, e portanto seu brilho variaria. A taxa prevista de oscilação depende do peso do objeto compacto e da velocidade com que ele gira. Ambas as equipes consideram que as flutuações que o RXTE observou são coerentes com a tração de quadros de referência.
Contudo, eles ainda não têm certeza. Em primeiro lugar, não é fácil medir a massa e a rotação de alguma coisa tão escura e distante quanto uma estrela de nêutrons ou um buraco negro. Essas coisas têm de ser deduzidas a partir de evidências circunstanciais (particularmente difíceis no caso dos buracos negros, que por sua natureza pouco revelam sobre si mesmos). Em segundo lugar, outras coisas poderiam determinar a oscilação do disco de acresção, dando apenas a aparência de tração de quadro de referência. Em terceiro lugar, os resultados não foram computados - as equipes somadas analisaram apenas sete casos. Elas esperam fazer mais quando novos dados do RXTE forem publicados. Mas, se sua interpretação estiver certa, será apenas uma confirmação a mais de que o universo é, de fato, tão estranho quanto Einstein o descreveu.
Notícia
Gazeta Mercantil