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Revista Valor Especial

Tecnologia dá força aos negócios

Publicado em 21 novembro 2017

Por Danylo Martins

Responsável por 70% do PIB no Brasil, o setor de serviços vê a tecnologia impulsionar a criação de negócios em diversas áreas, como transportes, jogos e música. Há espaço, ainda, para o desenvolvimento de novos mercados, entre eles o de drones. Destacam-se nesse universo startups, como XMobots, Playax, VR Monkey e Saveway, que carregam em comum o espírito da pesquisa e inovação.

Há dez anos, os engenheiros mecatrônicos Giovani Amianti e Roberto Ferraz e mais alguns colegas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP) vislumbraram um mercado em potencial no Brasil para os chamados veículos aéreos não tripulados ( vants ), mais conhecidos como drones. A inspiração veio em 2006, quando apresentaram, como tese de mestrado, um projeto de drone de 32 kg, desenvolvido para fazer mapeamentos. No ano seguinte, os empreendedores conseguiram ingressar no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia ( Cietec ), incubadora da Poli/USP.

Até se transformar em um produto, em 2011, o primeiro drone foi sendo aprimorado pelos amigos. Na época, vários sócios participavam do negócio - hoje comandado por Amianti e Ferraz. "Eles iam para Sorocaba, ficavam acampados numa fazenda e, como não tinham dinheiro, trocavam por serviços de engenharia mecatrônica", conta Thatiana Miloso, diretora comercial da XMobots, que está na empresa desde 2012.

Os investimentos recebidos de instituições de pesquisa e agências de fomento, como Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico ( CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep ), foram cruciais, segundo ela, para o avanço no desenvolvimento de equipamentos mais modernos. Pelo programa Pesquisa lnovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da Fapesp, a XMobots recebeu, ao todo, R$1,22 milhão, divididos em três etapas.

A empresa conseguiu R$ 120 mil em fevereiro de 2009, por meio do Pipe Fase 1, que durou até julho daquele ano. O recurso serviu para financiar a validade do projeto de sistema aviônico (sistema eletrônico das aeronaves) certificável para vants de aplicação civil. Em abril de 2014, pelo Pipe Fase 2, a empresa obteve mais R$ 900 mil para desenvolver a proposta apresentada na Fase 1. Ainda naquela época, outros R$ 200 mil financiados pelo Pipe ajudaram a XMobots no projeto de uma estação de controle com padrão militar para vants.

Até hoje, a startup obteve cerca de R$ 7,6 milhões em financiamentos, incluindo apoios do CNPq e da Agência Nacional de Energia Elétrica ( Aneel ). "Já recebemos propostas de alguns fundos de venture capital, mas até agora a empresa está operando com capital próprio e com os financiamentos recebidos", explica Thatiana.

Entre 2012 e 2015, a startup construiu aeronaves mais leves para substituir o primeiro drone de 32 kg. Atualmente, são comercializados os equipamentos Nauru ( 15 kg),Echar(7kg)eArator(3 kg), todos com voo automático. De 2013 até hoje, foram vendidas quase 100 unidades do Arator, 60 do Echar e 13 do Nauru. Os preços variam de R$ 75 mil a R$ 550 mil, conforme o modelo.

Atualmente com 60 clientes, incluindo grandes empresas como Odebrecht Agroindustrial, Vale, Raízen e AES Tietê, a XMobots observa no agronegócio um dos principais motores para impulsionar o negócio. "Os clientes do setor usam para fazer desde topografia básica do local até identificar problemas no plantio, como pragas na lavoura", explica Thatiana. No ano passado, a empresa faturou R$ 5,9 milhões, crescimento de 84% em relação a 2015.

No transporte terrestre, a Saveway, de Campinas (SP), oferece um sistema de gestão de pneus, baseado em tecnologia de identificação por radiofrequência (RFID, na sigla em inglês). "Temos aproximadamente 60 milhões de pneus de carga rodando no Brasil, sendo que esse item é o segundo maior custo para transportadores", conta o matemático e engenheiro mecânico José Caruso Gomes, fundador da empresa.

Fundada em agosto de 2008, com investimento inicial de Gomes e do sócio, Antonio João Moreno, a Saveway passou entre quatro e cinco anos da sua trajetória no desenvolvimento tecnológico do Savetyre, que consiste em uma etiqueta (tag) de RFID, permitindo ao sistema se comunicar com o pneu por meio de uma antena RFID.

O desafio tecnológico foi superado com o apoio de linhas de financiamento à pesquisa e inovação. Até hoje, a empresa recebeu quase R$ 1 ,5 milhão em recursos pelo programa Pipe, da Fapesp, além de R$139,96 mil pelo Fundo Estadual de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcet), da agência de fomento Desenvolve SP.

Outra etapa importante foi a criação de um software que monitora em tempo real as tendências de consumo do pneu. A tecnologia mostra se o pneu está sendo utilizado da maneira ideal, ajudando na manutenção preventiva, e compara dados de diversos fabricantes, como quilometragem e tipos de veículos. Para desenvolver o projeto, a startup recebeu R$ 364,8 mil por meio do Pipe, linha aprovada em janeiro de 2016 e que finda em julho de 2018.

Mais um projeto em andamento é a segunda geração do chip para pneus, prevista para daqui a 18 meses. Nessa nova versão, a tecnologia vai coletar mais dados do pneu- atualmente, de 17 variáveis relacionadas ao consumo de pneu, o Savetyre consegue controlar 12, entre elas, identificação do pneu, marca, modelo, calibragem, peso e temperatura.

Com dez clientes -quatro empresas do agronegócio e seis de logística-, a Saveway atende companhias de médio e grande porte. No transporte da cana, segundo Gomes, o pneu é um dos grandes entraves para deixar a logística mais eficiente. O principal foco da startup agora é o investimento na força de vendas. "Estamos saindo de uma fase de empresa de engenharia para passar a comercializar mais o produto", observa. Depois de conquistar mercado no Brasil, a Saveway tem planos de ampliar a atuação para outros países, como Argentina, Costa Rica, Chile, Canadá e Estados Unidos.

Se o RFlD é o combustível para a Saveway, no caso da VR Monkey, a realidade virtual é o que abastece a startup. Criada em 2013 pelo casal de engenheiros da computação, Pedro Kayatt e Keila Kayatt, a VR Monkey nasceu como Naked Monkey no Cietec, incubadora da Poli/USP, onde ambos se formaram. O negócio começou com capital próprio dos fundadores, de cerca de R$ 20 mil.

No início, o objetivo era construir uma espécie de biblioteca de games que pudessem ser jogados ao mesmo tempo por várias pessoas, cada uma com seu celular, mas interagindo por meio de uma tela única, como uma 1V. O casal chegou a lançar um jogo nesse formato, mas, quando se depararam com os primeiros movimentos da realidade virtual, em 2014, resolveram mudar o foco da empresa- ou na linguagem das startups, realizar a "pivotagem" do negócio. Na época, o matemático Vinicius Vechhijá fazia parte da sociedade. Em dezembro de 2014, a empresa passou a se chamar VR Monkey e, no ano seguinte, recebeu aportes (cujos valores não foram revelados) de dois investidores-anjo, André Chinchio e Ricardo di Lazzaro, que se tomaram sócios.

Em dezembro de 2015, a startup conseguiu a aprovação de um financiamento de R$ 188 mil pelo Pipe Fase 1, recurso usado para desenvolver o primeiro produto, o 7VRWonders, que permite explorar as sete grandes maravilhas arquitetônicas do mundo antigo, entre elas Os Jardins Suspensos da Babilônia, A Grande Pirâmide de Gizé e o Farol de Alexandria.

Idealizado em 2014, o projeto Dinos do Brasil foi aprovado por meio da Lei Rouanet, pela qual Intel e Ambev captaram R$ 600 mil, para apoiar no desenvolvimento da sala de realidade virtual, hoje uma exposição permanente no Museu Catavento Cultural, no centro de São Paulo. Outros R$160 mil vieram por financiamento do programa Pipe, da Fapesp. "O projeto ficou em desenvolvimento ao longo de 2016 e foi lançado no começo deste ano", conta o co fundador Pedro Kayatt. A empresa recebe um valor (não divulgado) pela propriedade intelectual do projeto.

Em 2016, a VRMonkey recebeu R$150 mil do Programa de Promoção da Economia Criativa - uma parceria entre a Samsung e a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores ( Anprotec) -para desenvolver o jogo de aventura 'The Rabbit HoJe". Trata-se de urna experiência no formato "escape room", cujo objetivo é escapar de um ambiente virtual. No ano passado, a startup faturou R$ 266 mil apenas com a venda de projetos para clientes como Klabin, Votorantim e Chevrolet, além de agências de marketing. Para 2017, a empresa espera atingir um faturamento de R$ 600 mil com esses projetos. Hoje, tem 12 pessoas na equipe, entre engenheiros, programadores e designers (gráficos e de games ), e continua incubada no Cietec. "Estamos mais maduros. Começamos com muitos sonhos e planos, e conseguimos cumprir muitos deles", avalia Kayatt.

Não à toa, a VR Monkey foi aprovada recentemente no Pipe Fase 2, segundo ele, para construir um projeto do laboratório do futuro. O objetivo é levar a realidade virtual para a educação, com um laboratório virtual que permitirá a escolas oferecerem conteúdos de qualquer disciplina num só ambiente. "Vamos focar inicialmente em escolas privadas, mas também queremos levar para escolas públicas", conta.

No mercado musical há quase 20 anos, o cientista social Juliano Polimeno identificou, em 2009, que uma das necessidades de quem atua no ramo era ter um sistema para captar informações e agrupá-las num só lugar. Quando trabalhava com alguns artistas, ele recebia relatórios de direitos autorais, mas não conseguia identificar em quais rádios ou emissoras de TV, por exemplo, havia ocorrido a execução das músicas.

Com a ideia amadurecida, em 2012, Polimeno contratou um desenvolvedor para ajudá-lo no protótipo do que se transformaria na plataforma de inteligência musical Playax, que funciona com a combinação de algoritmos. No ano seguinte, se juntou ao cientista da computação Daniel Cukier, hoje diretor de tecnologia, para começar o negócio. Em janeiro de 2015, o projeto foi lançado oficialmente e, em maio daquele ano, a empresa recebeu investimento-anjo de uma pessoa próxima (valor não revelado).

Em junho de 2015, a Playax foi aprovada no Pipe Fase 1 para receber R$170 mil, quantia usada para uma bolsa técnica destinada a um desenvolvedor e também para investimento em servidores. "Naquele momento, tínhamos a versão beta, mas numa escala pequena, que captava poucas rádios. Com mais servidores, o objetivo era acelerar esse processo para entender se a ferramenta ia dar conta de um grande volume de dados", explica Polimeno, CEO da empresa. Com financiamento de R$ 980 mil aprovado no Pipe Fase 3, em outubro de 2016, a startup investiu em marketing e vendas.

Hoje, a empresa tem 620 mil artistas na base de dados, que são acompanhados em diversos meios de comunicação. "Conseguimos mostrar se um artista tem bom desempenho em rádios de determinadas cidades, ou se suas músicas são tocadas com mais frequência no YouTube ou Spotify, por exemplo", diz Polirneno.

Para fazer esse mapeamento, a plataforma cruza informações de 4,8 mil emissoras de rádio, 60 canais de TV, redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram e YouTube), além de 1,2 mil webradios e serviços de música, como Soundcloud, Deezer, Spotify, PalcoMP3, Virneo e Shazam.

Com 280 clientes, a startup atende gravadoras, emissoras de rádio e TV (como a TV Globo), casas de shows, além dos próprios músicos (a dupla Chitãozinho e Xororó e os cantores Paula Fernandes e Jorge Vercilo são alguns dos clientes). Sem divulgar resultados, Polimeno diz que a empresa está quase chegando ao break even. Um dos próximos passos é expandir o negócio para outros países, começando pelos Estados Unidos.