O Brasil ainda está longe de se valer, de maneira estratégica e sistêmica, do seu potencial aquaviário, dadas as suas características continentais e de grande exportador internacional. No quesito percepção de qualidade da infraestrutura portuária aferido pelo Fórum Econômico Mundial em 2015, o Brasil já ocupava a 119ª posição entre 140 países avaliados. Mas, mesmo com sérios gargalos de burocracia e infraestrutura, as operações marítimas ganham alguns novos e modernos aportes tecnológicos para auxiliar na gestão dos processos.
Os terminais portuários lidam, diariamente, com riscos, especialmente na atracação dos navios encalhes, navegação em áreas proibidas etc. e na aproximação ao berço, momento de maior risco da operação que, com frequência, termina com danos ao sistema de defensas, paramentos, dolfins, entre outros. Segundo especialistas, essas situações elevam os custos com manutenções, reduzem a vida útil das defensas e dos cais, além de implicarem menor disponibilidade dos berços para as movimentações portuárias. Também devem ser levados em consideração os riscos à vida humana e ao meio ambiente.
Para tentar auxiliar autoridades, agentes marítimos, práticos e operadores de cais, a NavalPort, startup pernambucana uma das participantes do programa da CNT de impulso a startups, o Conecta, desenvolveu a CMA (Central Móvel de Atracação). A ferramenta monitora a aproximação por meio de sensores a laser, mensurando as distâncias e velocidades da proa e da popa, enviando os dados para dispositivos móveis dos envolvidos e dispondo de sinaleiras luminosas que alertam sobre os limites prudenciais de velocidade da atracação.
A solução ainda em fase de homologação (que precede a contratação) foi instalada em 2017, no Porto de Suape (PE), com mais de 200 viagens contabilizadas. Segundo o CEO da NavalPort, Marcos Santiago, a tecnologia é inédita e monitora o tráfego aquaviário, as restrições de calado, a velocidade de navegação, a aderência à rota e a presença em áreas de interesse. Um exemplo está em regiões de profundidade limitada ou de proteção ambiental.
Nesse caso, usamos a tecnologia de AIS (Automatic Identification System) e algoritmos de monitoramento. Em terra, Santiago explica, a tecnologia apoia as manobras, da aproximação à amarração, verificando as condições de cais e a situação da embarcação e avaliando a segurança no monitoramento da velocidade de aproximação e, também, quanto ao impacto no sistema de defensas (velocidade de toque e deflexão).
Os procedimentos (checks) de cais são executados, e a operação é toda registrada em detalhes. Sem revelar o investimento necessário para esse tipo de solução, o CEO da NavalPort defende que os principais ganhos estão na redução das despesas com manutenção, no aumento da vida útil e na preservação dos sistemas de defensas e da estrutura de cais. A tecnologia permite que as velocidades de toque, no conjunto defensa/berço, fiquem dentro da faixa das especificações.
Ele também ressalta o caráter do gerenciamento de riscos e da segurança nas manobras, com mitigação de problemas operacionais e ambientais. Como resultado, aumentamos a disponibilidade dos berços para operações e permitimos a redução de prêmios de seguros. Previsibilidade
Atualmente, portos e terminais utilizam planilhas ou sistemas ultrapassados que dependem de inúmeras informações para gerir os diversos eventos das operações aquaviárias, deixando a gestão sujeita a falhas e limitando o alcance de planejamento. Dentro dessa perspectiva, a NavalPort também criou o Sesop (Sistema de Eficiência e Segurança para Operações Portuárias). Santiago explica que se trata de uma plataforma que monitora as embarcações desde a chegada ao fundeio até a partida, acompanhando o tráfego aquaviário, as conformidades operacionais, as manobras de atracação e desatracação e as condições meteorológicas. Segundo Santiago, o sistema, também em teste no Porto de Suape, ajuda a evitar problemas de sobrestadia, indenização paga em um afretamento pelo tempo que exceder nas operações de carga e descarga de um navio, estipulado na carta-partida. Hoje, estima-se que US$ 1,5 milhão é queimado diariamente com esse problema e, além disso, uma quantidade estratosférica de gases de efeito estufa é emitida porque a embarcação, mesmo parada, tem um consumo mínimo energético para manter as operações.
Ainda dentro dessa perspectiva de otimização da gestão, o oceanógrafo Felipe Murai Chagas, CEO da Siaa (Soluções Integradas em Ambientes Aquáticos), desenvolveu o SIPS (Sistema Integrado de Previsão e Segurança), que permite prever as condições de aproximação e amarração dos navios no porto por meio da análise de ondas, marés, ventos, correntes e ressacas. O sistema cruza informações de bancos de dados internacionais para fazer os cálculos. Segundo Chagas, a maioria dos gestores, hoje em dia, orienta a entrada de embarcações com base em sua própria experiência e em previsões meteorológicas para grandes extensões de área, o que resulta em menor precisão.
Para obter dados locais, a Siaa roda modelos com base em diversas fontes, incluindo agências de pesquisa internacionais, como a Noaa (National Oceanic and Atmospheric Administration), dos Estados Unidos, o Copernicus (Programa Europeu de Observação da Terra), além de empresas de meteorologia. Conectamos negócios, pessoas e previsão e, para isso, precisamos combinar dados mundialmente estabelecidos com tecnologias locais, diz ele. O oceanógrafo detalha que o sistema fornece alertas específicos para operações marítimas, podendo ser utilizado para gestão de entrada e saída de embarcações, riscos de inundação em área costeira, agitação por ondas e ventos em marinas, entre outros. O objetivo é tornar o setor marítimo brasileiro mais seguro e eficiente.
A ferramenta fornece resultados em uma interface web, on-line 24 horas por dia, permitindo ao cliente incorporar esses alertas para aumentar a eficiência, a rentabilidade e a segurança e padronizar as operações, explica Chagas. Muitos navios, que poderiam estar atracados, aumentando a eficiência do porto, não o fazem porque os modelos utilizados não dão segurança para um planejamento adequado, diz ele. O sistema desenvolvido pode ser utilizado tanto por terminais quanto por empresas, marinas e pela Defesa Civil de municípios costeiros. Conforme o uso a que se destina, a ferramenta pode agregar diferentes funcionalidades.
O sistema pode, por exemplo, fazer o cálculo da movimentação de navios sob diferentes condições ambientais, avaliando o risco de a embarcação adernar ou tocar o fundo do mar, destaca o oceanógrafo. Segundo ele, a criação de um banco de dados específico para cada cliente permite a customização da ferramenta. Ainda em fase de testes em alguns terminais não mencionados pelo gestor do projeto, a tecnologia será oferecida a partir do segundo semestre, com a cobrança de mensalidade. Chagas aposta no aumento da eficiência para atrair seus clientes. As operações marítimas em geral são caras e movimentam bilhões de reais anualmente. Com maior produtividade, um ano de utilização do serviço pode equivaler ao pagamento de um mês, calcula. Realidade brasileira
O diretor-executivo da Fenamar (Federação Nacional das Agências de Navegação Marítima), André Zanin, considera importante o investimento em tecnologias no setor aquaviário brasileiro e destaca a importância de as empresas adotarem sistemas modernos e soluções inovadoras, porém, assinala que o principal problema do setor ainda reside na burocracia e na ineficiência da máquina pública. Toda tecnologia é bem-vinda, mas, atualmente, não temos nem o básico para uma gestão eficiente.
A implantação, onde precisava, do VTMIS (Sistema de Gerenciamento de Informações do Tráfego de Embarcações, da sigla em inglês) até hoje não se concretizou. Isso deveria ser a primeira coisa a se fazer no Brasil. O governo federal havia anunciado o VTMIS para o Porto de Santos (SP), mas a entrada em operação, que estava prevista para o final de 2018, está longe de virar realidade. Isso porque o contrato firmado com o consórcio Indra VTMIS Santos foi encerrado sem que fossem construídas as torres de monitoramento necessárias para a implantação da tecnologia. Agora, é necessária a abertura de uma nova licitação, o que, por ora, não tem previsão.
O VTMIS permitirá à Codesp (Companhia Docas do Estado de São Paulo) monitorar e gerenciar, em tempo real, o tráfego de navios no canal de navegação e nas áreas de fundeio do porto (na Barra e na Baía de Santos). Também possibilitará uma melhor coordenação de ações durante emergências, como desastres ambientais e acidentes entre embarcações.
O equipamento instalado em Santos está correndo o risco de estragar e ficar sucateado sem nem mesmo ter sido utilizado. Ou seja, daquilo que depende da ação empresarial, a maioria dos terminais dispõe de equipamentos de ponta e bons programas de gestão, comenta Zanin. O dirigente sublinha que o setor clama por mais eficiência nessa prestação de serviços. No caso do Porto sem Papel, o agente marítimo insere as informações no sistema com a antecedência solicitada, mas a autoridade não, o que acaba dificultando todo o processo, diz o diretor-executivo da Fenamar, que também ressalta a necessidade do investimento em infraestrutura portuária, como programas de calado.