A partir de uma técnica usada em exames laboratoriais de seres humanos, um grupo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) pretende melhorar o processo de fermentação da biomassa da cana-de-açúcar que gera o etanol.
“Bactérias e outros microrganismos costumam interromper o processo de fermentação. Isso implica em perdas enormes de etanol, que pode chegar a 5% dos cerca de 30 bilhões de litros produzidos por ano no Brasil”, diz o engenheiro agrônomo Carlos Alberto Labate, professor da Esalq-USP.
O projeto será desenvolvido ao longo de três anos no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa ( RCGI ), um Centro de Pesquisa em Engenharia ( CPE ) constituído por FAPESP e Shell na Escola Politécnica da USP.
No estudo, os pesquisadores vão utilizar o Maldi-TOF MS, sigla em inglês para Matrix-assisted laser desorption ionization Time-of-Light Mass Spectrometry, aparelho que avalia as estruturas de proteínas encontradas em membranas de células.
“É uma tecnologia descoberta na década de 1990, mas há cerca de 15 anos passou a ser utilizada em exames laboratoriais de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva [UTI] com infecções graves e risco de vida. São pessoas que não podem esperar pelo resultado do exame comum de cultura de bactérias, que são demorados”, conta Labate. “Com o Maldi-TOF MS, o resultado da análise de uma pequena amostra de sangue do paciente sai em cerca de 15 minutos”.
Segundo o especialista, a técnica consiste no uso de um feixe de laser com potência para fragmentar em pedaços menores as proteínas presentes nas membranas de bactérias e fungos e assim rastrear seus aminoácidos.
“Na área médica, os espectros de massas dos peptídeos são imediatamente comparados a mais de 8 mil tipos de espécies de bactérias reunidas em um banco de dados criado pelo fabricante do aparelho”, explica o professor.
Há cerca de cinco anos, o pesquisador começou a utilizar esse equipamento no Laboratório de Genética de Plantas, que chefia na Esalq-USP, com o objetivo de analisar a fermentação industrial de cana-de-açúcar. Desde então, a equipe do laboratório vem desenvolvendo um banco de dados a partir de amostras coletadas em usinas da empresa Raízen. “A ideia é identificar os microrganismos que estão nas dornas de fermentação e fazer um levantamento daquele conteúdo”, comenta.
Ao longo do projeto, os pesquisadores pretendem ampliar esse banco de dados. As coletas serão realizadas em duas usinas da Raízen, localizadas em Piracicaba e Rafard, ambas no interior paulista. “A partir dos dados coletados em campo vamos treinar um programa de inteligência artificial para que possa identificar quais são os melhores marcadores metabólicos para a fermentação. Essas informações vão formar o repertório da máquina”, diz Labate, que completa: “No decorrer do projeto vamos acompanhar três safras de cana-de-açúcar. E isso é ótimo, pois quanto mais informação obtivermos, melhor será para o sistema computacional. ”
Com essas informações em mãos, os pesquisadores avançarão para outra etapa do projeto: desenvolver sensores, por meio de parceria com a iniciativa privada, que serão instalados em dornas de fermentação. “Esses sensores vão trabalhar on-line, de forma autônoma, enviando dados em tempo real para o software aprimorado por nossa equipe. Essa inteligência artificial vai então registrar todas as informações, como, por exemplo, um aumento anormal da quantidade de bactérias na fermentação, e assim gerar uma tomada de decisão para auxiliar os técnicos da usina”, explica o professor.