A desconfiança de parte da sociedade civil com os organismos transgênicos tem motivado cientistas a buscar um caminho alternativo de pesquisa, sem abrir mão dos avanços da engenharia genética. Nos laboratórios, as apostas são altas agora na chamada cisgenia.
Essa forma de "transgenia light" deixa de lado cruzamentos genéticos improváveis no ambiente natural - a inserção de um gene do tabaco em uma muda de cana, por exemplo - e limita os experimentos a variedades do mesmo grupo.
Dessa forma, genes de uma maçã só podem ser introduzidos em outra maçã, o do arroz em outro arroz e assim por diante. "É uma linha de pesquisa que tem aceitação maior entre o público. Mas é mais uma questão política que científica", disse ao Valor Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e membro da Comissão Técnica Nacional para Biossegurança (CTNBio), em Brasília.
Cunhada em 2004, a cisgenia foi adotada primeiramente nos Estados Unidos e em algumas universidades da Europa, onde são feitas pesquisas para resistência a doenças envolvendo alimentos para consumo final. Pesquisas de opinião mostram que a resistência à transgenia cresce de forma acentuada - até em mercados onde a tecnologia está consolidada - quando o produto avaliado é o que chega in natura à mesa do consumidor. Esse mesmo consumidor, porém, diz não se importar tanto se a mistura genética se dá entre organismos afins geneticamente.
Dados do Information Systems of Biotechnology, uma rede de informações sobre agricultura e biotecnologia com apoio do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA), mostram que variedades com resistência a doenças de maçãs, morangos, uvas e batatas, criadas a partir da cisgenia, estão próximas da aprovação comercial pelas autoridades europeias e americanas.
No Brasil, a primeira liberação para teste de campo com variedades cisgênicas (passo anterior para a aprovação comercial) deverá ocorrer nos próximos meses com a laranja, fruta que dá origem ao suco mais exportado pelo país. Em fase menos avançada, há também trabalhos com cana-de-açúcar.
Na citricultura, o programa que envolveu pesquisadores do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), Esalq, Instituto Biológico, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e Embrapa Mandioca e Fruticultura culminou com o desenvolvimento de 32 "eventos de transformação" - o jargão científico para as plantas geneticamente modificadas. Dessas, entre 16 e 18 deverão ir para campo já no ano que vem para que sejam testadas.
"O primeiro passo é ver se a planta sobrevive à doença. Depois, checar se a qualidade da laranja se mantém", afirma Marcos Antonio Machado, pesquisador e diretor do centro de citricultura do IAC.
No foco dos cientistas estão as maiores pragas que assolam os pomares de laranja: cancro cítrico, CVC, greening, provocadas por bactérias, e a leprose, resultado da ação de um fungo. Das quatro, a modificação genética que mais deu resultados até o momento foi a do cancro, com índice de infeção de apenas 5% a 10% das plantas.
De acordo com o pesquisador, a opção pela cisgenia se deu por uma questão de imagem. "A percepção pública da cisgenia é melhor que a dos transgênicos", diz Machado. Pesou também o fato de a indústria de suco de laranja não querer estar associada explicitamente ao termo transgenia, como acontece com vários outros segmentos da indústria alimentícia.
Embora na prática sejam técnicas similares - a base é a modificação genética -, muitos cientistas esperam que a cisgenia enfrente menos entraves burocráticos que a transgenia. "Pesquisadores nos EUA apresentaram uma variedade transgênica de laranja resistente ao greening que contém um gene de espinafre. Até hoje não foi aprovada", exemplifica Machado. "Mas colocar o gene de uma tangerina em uma laranja pode não ter tanto problema de aceitação", diz ele. Até agora, porém, as regras para aprovação continuam as mesmas.
Mas é exatamente isso que pesquisadores brasileiros, fomentados pelo CNPq e pela Fapesp, estão fazendo. Inserindo genes de tangerina na laranja e genes de uma variedade de laranja em outra.
Os testes em laboratório e em vasos precisam agora do sinal verde da CTNBio para ir a campo, onde estarão sujeitos às condições reais de produção. Em agosto, a autoridade brasileira para biotecnologia aprovou uma resolução normativa, ainda pendente da publicação no Diário Oficial, que determina como as experiências de campo devem ser realizadas.
Apesar da expectativa de maior aceitação pública, a cisgenia não substituirá a transgenia, considerada o último grande salto científico no campo. "É só mais uma linha de pesquisa", diz Aragão, da CTNBio. Até porque, lembra ele, trabalhar apenas com os semelhantes limita o trabalho do pesquisador.
Independentemente da opção, qualquer avanço na citricultura é bem-vinda. O setor estima que 60% dos custos de produção sejam para o controle de pragas e doenças.
Fonte: Valor Online