Publicado na Science e apoiado pela Fapesp, estudo pode mudar a lógica sobre espaçamento de plantas
Um estudo publicado na capa da revista Science , na primeira semana de dezembro, apresenta um modelo matemático sobre a distribuição espacial das raízes e a densidade radicular de plantas com base na teoria dos jogos.
Os resultados podem rever a ideia de que elas competem por água e nutrientes e, talvez, até apontar para uma densidade maior de plantas por área.
Mas, afinal, as plantas ampliam a abrangência das raízes para disputar recursos no solo ?
Não, o modelo prevê que as plantas evitam entrar em disputa e, ao invés de aumentar o alcance, produzem raízes mais densas e próximas ao caule, evitando buscar recursos (água e nutrientes) perto de suas vizinhas.
Assim, segundo os autores, as plantas cooperam e competem entre si e é possível haver um distanciamento menor para otimizar seu crescimento sem a necessidade de grandes extensões de terra.
Além de avançar no entendimento teórico sobre a interação das plantas no subsolo, muito mais difícil de ser observada, o trabalho tem aplicações importantes no manejo agrícola e no entendimento das mudanças climáticas.
“Ao entender a lógica de espalhamento das raízes e da massa radicular, é possível no futuro oferecer novas regras para a produção agrícola que levem em conta não só a disputa das plantas na superfície, mas também a competição por recursos no subsolo”, diz Ricardo Martínez-García, professor no Instituto Sul-Americano para Pesquisa Fundamental (ICTP-SAIFR) e um dos autores do estudo.
A pesquisa desenvolvida em colaboração com pesquisadores da Universidade de Princeton (EUA), do Instituto de Ciências Agrárias de Madri (Espanha) e da Universidade Rei Juan Carlos (Espanha) é apoiada pela FAPESP por meio de uma bolsa jovem pesquisador.
O maior entendimento sobre o desenvolvimento das raízes pode servir ainda como uma importante ferramenta para modelos climáticos globais já que as plantas sequestram dióxido de carbono (CO2) da atmosfera e armazenam em raízes.
“Ampliar o conhecimento sobre a distribuição espacial das raízes no subsolo e sobre sua massa é importante também para estipular a quantidade de CO2 – um dos gases do efeito estufa – que as plantas conseguem absorver da atmosfera”, diz Martínez-García à Agência FAPESP.
Concorrer ou cooperar
A nova teoria elucida uma antiga questão da ecologia. Por quase 20 anos, existiam duas hipóteses sobre a competição por nutrientes no solo . A primeira afirmava que uma planta precisava produzir mais massa de raiz quando próxima a outras por conta da competição por recursos. Outra hipótese, no entanto, dizia exatamente o contrário.
“Eram estudos que analisavam apenas a área de abrangência das plantas no subsolo. E, de acordo com esses estudos, quanto mais concorrência de plantas vizinhas, menos espalhado seria o sistema radicular”, relata.
No entanto, tanto o modelo matemático como o estudo experimental divulgado na Science mostram que, embora contraditórias, as duas teorias anteriores estão corretas: as plantas tanto proliferam suas raízes perto do caule quanto reduzem o espalhamento para evitar a sobreposição com o sistema radicular vizinho.
Teoria das raízes
Para confirmar a nova teoria, os pesquisadores realizaram modelos experimentais com mudas de pimentas cultivadas em estufas no Instituto de Ciências Agrárias de Madri, na Espanha. Tanto no modelo como na experimentação a equipe investigou situações em que as plantas cooperam e competem entre si.
Com origem nas ciências comportamentais, a teoria dos jogos busca prever as consequências de determinadas ações e decisões de pessoas, empresas ou países.
Dessa forma, ao elaborar um modelo é possível incluir uma série de cenários que possam ser resolvidos por meio da matemática. O objetivo é prever, por exemplo, se dois jogadores, depois de realizar algumas ações e tomarem determinadas decisões, vão receber mais ou menos dinheiro como recompensa.
A teoria dos jogos é comum em áreas como economia, ciências sociais e também na ecologia. “No nosso caso, queríamos entender qual seria a distribuição de raízes esperada caso as plantas seguissem um comportamento colaborativo ou competitivo entre elas no processo de captura de recursos do solo”, diz.
Sendo assim, Martínez-García explica que, a recompensa das raízes seria os recursos obtidos do solo e cada tomada de decisão (o crescimento e espalhamento da raiz) teria como objetivo a capacidade da planta se reproduzir com maior eficiência.
“No lugar de analisar a estratégia de conseguir mais dinheiro entra a questão de como conseguir mais nutriente equilibradamente e, assim, conseguir obter os recursos do solo de uma maneira menos custosa. No nosso modelo, as ações das plantas, a maneira como elas ‘jogam’ é distribuindo mais ou menos a raiz no solo”, diz.
Mais perguntas
Poucos estudos nessa área conseguiram analisar ao mesmo tempo a quantidade total de raízes produzidas por plantas concorrentes e sua distribuição espacial em sistemas radiculares vizinhos.
“É muito difícil estudar essa interação, até porque não conseguimos ver o subsolo. No nosso estudo, primeiro desenvolvemos a teoria matemática. Depois, analisamos modelos experimentais usando colorantes, para identificar de que planta era cada raiz. As analises experimentais confirmaram uma das hipóteses teóricas e mostraram claramente que a competição entre as plantas controla a distribuição espacial das raízes”, diz.
Os pesquisadores buscam agora aprofundar esse conhecimento. “Foi um estudo que gerou mais perguntas que o nosso questionamento inicial, o que é muito bom para um pesquisador”, diz.
Os próximos passos da pesquisa incluem estudar as interações envolvendo sistemas com mais de duas plantas, além de investigar diferentes espécies em condições climáticas distintas.
“Com o estudo conseguimos ter uma ideia de mecanismos e entender os padrões espaciais das raízes. Agora que desenvolvemos um modelo matemático sobre a lógica dessas interações a ideia é aprofundar, agregar mais variáveis e entender como é feita essa interação com mais plantas e entre diferentes espécies, por exemplo”, conclui.
O artigo The exploitative segregation of plant roots (doi:10.1126/science.aba9877), de Ciro Cabal, Ricardo Martínez-García, Aurora de Castro Aguilar, Fernando Valladares, Stephen W. Pacala, pode ser lido em https://science.sciencemag.org/content/370/6521/1197 .
(com informações publicadas originalmente na Agência FAPESP pela repórter Maria Fernanda Ziegler)