Superproteção, autoritarismo, ausência ou mau relacionamento entre pais e filhos podem ter um efeito colateral não desejado nos filhos. Além disso, pessoas que foram negligenciadas na infância correm maior risco de morte prematura. Essas foram as descobertas feitas por pesquisadores de São Paulo.
No Espírito Santo, o pastor e psicólogo Marcelo Aguiar, afirma que “Crianças superprotegidas recebem uma mensagem subliminar dos pais: “Você não é capaz!”. Essa crença poderá acompanhá-las ao longo da vida, causando insegurança e prejudicando sua autoestima, seus relacionamentos e suas realizações. Crianças negligenciadas, por sua vez, recebem a seguinte mensagem: “Você não é importante!”. Isso poderá levá-las a um sentimento de inferioridade ou a uma desconfiança crônica das outras pessoas, com resultados igualmente negativos.”
Em outras palavras, continua ele, a maneira como fomos criados pode afetar não apenas a duração da nossa vida, mas também a sua qualidade (uma coisa está relacionada à outra). Por isso é fundamental que os pais evitem tanto a superproteção quanto a negligência.
Contudo, Marcelo Aguiar, ressalta que quando falamos sobre pessoas, falamos sobre probabilidades.
“Uma criança pode ser mal cuidada e mesmo assim ser um adulto feliz. Mas não é o mais provável. Por isso, é importante criarmos os filhos corretamente. Infelizmente, isso nem sempre acontece. Então, estamos condenados a ser um produto da nossa infância? Não! Mas será preciso identificar essas crenças básicas erradas e com a ajuda de Deus modifica-las”, conclui.
O estudo
O estudo foi feito por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos, em SP, (UFSCar), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e também da Universidade College London, no Reino Unido. O resultado do estudo foi divulgado pela Agência Fapesp ao Jornal O Globo. Publicação recente na Scientific Reports, filhos de pais superprotetores ou autoritários tendem a viver menos, segundo informações da Agência Fapesp.
Estudos anteriores, na área de psicologia e parentalidade, já apontavam que relações autoritárias ou extremamente rígidas e negligentes ou permissivas podem ser prejudiciais para a formação do indivíduo. Mas essa é a primeira pesquisa a verificar como a ausência ou o mau relacionamento com os pais é capaz de reduzir a longevidade.
De acordo com a pesquisa publicada no Jornal O Globo, o novo trabalho analisou dados de 941 casos de óbito (445 mulheres e 496 homens) entre os participantes do Estudo Longitudinal de Saúde da Inglaterra (Elsa, na sigla em inglês),
Antes de morrer, os voluntários responderam a um questionário com informações sobre estrutura familiar, condições de moradia, ocupação do chefe da família, presença de doenças infecciosas e relacionamento com os pais (cuidado e proteção) na infância e adolescência.
Resultados
Os resultados do estudo publicado no Jornal O Globo mostraram que homens que tiveram um pai superproteror, que tirava sua autonomia, durante a infância e a adolescência, apresentaram um risco 12% maior de morrer antes dos 80 anos do que aqueles que não tinham um pai com essa característica. Entre as mulheres, a taxa foi de 22%.
Por outro lado, as mulheres que receberam um alto nível de cuidado da mãe durante a infância e adolescência, apresentaram risco 14% menor de morrer prematuramente do que as que foram negligenciadas. O pai não foi associado ao alto nível de cuidado, apenas a mãe.
O professor do Departamento de Gerontologia da UFSCar e coordenador da pesquisa, à Agência Fapesp,Tiago Silva Alexandre afirmou que “O mais interessante do nosso trabalho é que conseguimos mostrar em números o que já vem sendo discutido há alguns anos sobre parentalidade. As relações de cuidado e afeto com o pai e a mãe durante a infância e a adolescência têm repercussão na vida inteira, inclusive, como mostramos, impactam na longevidade. Com os resultados do nosso estudo comprovamos que as condições na infância precisam ser muito bem cuidadas e apoiadas por políticas públicas para que a velhice seja boa.”
Os pesquisadores descobriram que as relações parentais intrusivas tiram a autonomia dos filhos, deixando-os enfraquecido, devido ao medo dos pais. Isso acarreta em condições prejudiciais, que vão desde hábitos não saudáveis, como maior risco de abuso de álcool e drogas, até questões psicológicas, como aumento do estresse, que também está associado à diminuição da longevidade.
A pesquisadora Aline Fernanda de Souza Canelada, que participou da pesquisa durante o mestrado, explica que as mulheres parecem ser mais propensas a internalizar emoções negativas e, portanto, apresentam com maior frequência transtornos mentais. Já os homens parecem ter maior propensão ao alcoolismo e uso de drogas. Ambos são associados com a longevidade.
Risco maior
O estudo também descobriu que os homens que passaram a infância ou adolescência morando somente com um dos pais tiveram um risco 179% maior de morrer antes dos 80 anos, quando comparados àqueles que viveram com ambos os genitores.
“Sabemos por meio de estudos na área da psicologia que todos esses fenômenos relacionados à relação parental mexem com o comportamento. Existe uma teoria que relaciona isso ao estresse. As pessoas que foram negligenciadas podem estar vivendo um nível de estresse ao longo da vida por conta dessas condições do passado, que vão reverberando. Isso aumenta a chance de desenvolverem doenças “, afirmou Alexandre.
As análises de mortalidade precoce realizadas pelos pesquisadores são independentes das condições de doença e idade. Outro dado a ser ressaltado é que os participantes incluídos nessa análise nasceram na década de 1950 e 1960. Portanto, os resultados são um retrato de indivíduos que hoje teriam uma idade mais avançada e não permite afirmar que eles valem para a geração atual.
Mesmo assim, a recomendação para os pais é achar o meio do caminho, conforme informações de O Globo.
Nem ser intrusivo a ponto de fazer com que a criança ou adolescente perca a autonomia, nem ser negligente e distante emocionalmente dos filhos. Essa questão do cuidado que tratamos neste estudo é justamente não negligenciar, cuidar com zelo, ser presente, mas não superproteger, disse Canelada, que participou da pesquisa durante o mestrado.